Allan Kardec
Num grupo de tendo-se
apresentado um Espírito sob o nome de “São José, santo, três vezes santo”, isto
deu ensejo a que se fizesse a seguinte pergunta:
Um Espírito, mesmo
canonizado em vida, pode dar-se a qualificação de santo, sem faltar à
humildade, que é um dos apanágios da verdadeira santidade e, invocando-o,
permite que lhe deem esse título? O Espírito que o toma deve, por esse fato,
ser tido por suspeito?
Um outro Espírito respondeu:
Deveis rejeitá-lo
imediatamente, pois equivaleria a um grande capitão que se vos apresentasse
exibindo pomposamente seus numerosos feitos de armas, antes de declinar o seu,
ou a um poeta que começasse por se gabar de seus talentos. Veríeis nessas
palavras um orgulho despropositado. Assim deve ser com homens que tiveram
algumas virtudes na Terra e que foram julgados dignos de canonização. Se se
apresentarem a vós com humildade, crede neles; se vierem se fazendo preceder de
sua santidade, agradecei e nada perdereis. O encarnado não é santo porque foi
canonizado: só Deus é santo, porque só ele possui todas as perfeições. Vede os
Espíritos superiores, que conheceis pela sublimidade de seus ensinamentos: eles
não ousam dizerem-se santos; qualificam-se simplesmente de Espíritos de
verdade.
Esta resposta demanda algumas
retificações. A canonização não implica a santidade no sentido absoluto, mas
simplesmente um certo grau de perfeição. Para alguns a qualificação de santo
tornou-se uma espécie de título banal, fazendo parte integrante do nome, para
distingui-los de seus homônimos, ou que lhes dão por hábito. Santo Agostinho,
São Luís, São Tomé, podem, pois, antepor o nome santo à sua assinatura, sem que
o façam por um sentimento de orgulho, que seria tanto mais descabido em
Espíritos superiores que, melhor que os outros, não fazem nenhum caso das
distinções dadas pelos homens. Dar-se-ia o mesmo com os títulos nobiliárquicos
ou as patentes militares. Seguramente aquele que foi duque, príncipe ou general
na Terra não o é mais no mundo dos Espíritos e, no entanto, assinando, poderão
tomar essas qualificações, sem que isto tenha consequência para o seu caráter.
Alguns assinam: aquele que, quando vivo na Terra, foi o duque de tal. O
sentimento do Espírito se revela pelo conjunto de suas comunicações e por
sinais inequívocos em sua linguagem. É assim que não nos podemos enganar sobre
aquele que começa por se dizer: “São José, santo, três vezes santo.” Só isto
bastaria para revelar um Espírito impostor, adornando-se com o nome de São
José. Assim, ele pôde ver, graças ao conhecimento dos princípios da doutrina,
que sua velhacaria não encontrou ingênuos no círculo onde quis introduzir-se.
O Espírito que ditou a
comunicação acima é, pois, muito absoluto no que concerne à qualificação de
santo e não está certo quando diz que os Espíritos superiores se dizem
simplesmente Espíritos de verdade,
qualificação que não passaria de um orgulho disfarçado sob outro nome, e que
poderia induzir em erro, se tomado ao pé da letra, porque nenhum se pode
vangloriar de possuir a verdade absoluta, nem a santidade absoluta. A
qualificação de Espírito de verdade
não pertence senão a um só, e pode ser considerada como nome próprio; está
especificada no Evangelho. Aliás, esse Espírito se comunica raramente e apenas
em circunstâncias especiais. Devemos pôr-nos em guarda contra os que se adornam
indevidamente com esse título: são fáceis de reconhecer, pela prolixidade e
pela vulgaridade de sua linguagem.
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