terça-feira, 6 de outubro de 2020

QUALIFICAÇÃO DE SANTO APLICADA A CERTOS ESPÍRITOS[1]

 


Allan Kardec

 

Num grupo de tendo-se apresentado um Espírito sob o nome de “São José, santo, três vezes santo”, isto deu ensejo a que se fizesse a seguinte pergunta:

 

Um Espírito, mesmo canonizado em vida, pode dar-se a qualificação de santo, sem faltar à humildade, que é um dos apanágios da verdadeira santidade e, invocando-o, permite que lhe deem esse título? O Espírito que o toma deve, por esse fato, ser tido por suspeito?

 

Um outro Espírito respondeu:

 

Deveis rejeitá-lo imediatamente, pois equivaleria a um grande capitão que se vos apresentasse exibindo pomposamente seus numerosos feitos de armas, antes de declinar o seu, ou a um poeta que começasse por se gabar de seus talentos. Veríeis nessas palavras um orgulho despropositado. Assim deve ser com homens que tiveram algumas virtudes na Terra e que foram julgados dignos de canonização. Se se apresentarem a vós com humildade, crede neles; se vierem se fazendo preceder de sua santidade, agradecei e nada perdereis. O encarnado não é santo porque foi canonizado: só Deus é santo, porque só ele possui todas as perfeições. Vede os Espíritos superiores, que conheceis pela sublimidade de seus ensinamentos: eles não ousam dizerem-se santos; qualificam-se simplesmente de Espíritos de verdade.

 

Esta resposta demanda algumas retificações. A canonização não implica a santidade no sentido absoluto, mas simplesmente um certo grau de perfeição. Para alguns a qualificação de santo tornou-se uma espécie de título banal, fazendo parte integrante do nome, para distingui-los de seus homônimos, ou que lhes dão por hábito. Santo Agostinho, São Luís, São Tomé, podem, pois, antepor o nome santo à sua assinatura, sem que o façam por um sentimento de orgulho, que seria tanto mais descabido em Espíritos superiores que, melhor que os outros, não fazem nenhum caso das distinções dadas pelos homens. Dar-se-ia o mesmo com os títulos nobiliárquicos ou as patentes militares. Seguramente aquele que foi duque, príncipe ou general na Terra não o é mais no mundo dos Espíritos e, no entanto, assinando, poderão tomar essas qualificações, sem que isto tenha consequência para o seu caráter. Alguns assinam: aquele que, quando vivo na Terra, foi o duque de tal. O sentimento do Espírito se revela pelo conjunto de suas comunicações e por sinais inequívocos em sua linguagem. É assim que não nos podemos enganar sobre aquele que começa por se dizer: “São José, santo, três vezes santo.” Só isto bastaria para revelar um Espírito impostor, adornando-se com o nome de São José. Assim, ele pôde ver, graças ao conhecimento dos princípios da doutrina, que sua velhacaria não encontrou ingênuos no círculo onde quis introduzir-se.

O Espírito que ditou a comunicação acima é, pois, muito absoluto no que concerne à qualificação de santo e não está certo quando diz que os Espíritos superiores se dizem simplesmente Espíritos de verdade, qualificação que não passaria de um orgulho disfarçado sob outro nome, e que poderia induzir em erro, se tomado ao pé da letra, porque nenhum se pode vangloriar de possuir a verdade absoluta, nem a santidade absoluta. A qualificação de Espírito de verdade não pertence senão a um só, e pode ser considerada como nome próprio; está especificada no Evangelho. Aliás, esse Espírito se comunica raramente e apenas em circunstâncias especiais. Devemos pôr-nos em guarda contra os que se adornam indevidamente com esse título: são fáceis de reconhecer, pela prolixidade e pela vulgaridade de sua linguagem.



[1] Revista Espírita – Julho/1866 – Allan Kardec

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