Allan Kardec
Por que os Espíritos evocados por um sentimento de afeição muitas vezes
se recusam a dar provas certas de sua identidade?
Compreende-se todo o valor
ligado às provas de identidade da parte dos Espíritos que nos são caros; esse
sentimento é muito natural e parece, desde que os Espíritos podem
manifestar-se, que lhes deve ser muito fácil atestar a sua personalidade. A
falta de provas materiais, sobretudo para certas pessoas que não conhecem o
mecanismo da mediunidade, isto é, a lei das relações entre os Espíritos e os
homens, é uma causa de dúvida e de cruel incerteza. Embora tenhamos tratado
várias vezes desta questão, vamos examiná-la novamente, para responder a
algumas perguntas que nos são dirigidas.
Nada temos a acrescentar ao que
foi dito sobre a identidade dos Espíritos que vêm unicamente para a nossa
instrução e que deixaram a Terra há algum tempo. Sabe-se que ela não pode ser
atestada de maneira absoluta e que se deve limitar a julgar o valor da
linguagem.
A identidade só pode ser
constatada com certeza para os Espíritos partidos recentemente, cujo caráter e
hábitos se refletem em suas palavras. Nestes a identidade se revela por mil
particularidades de detalhe. Algumas vezes a prova ressalta de fatos materiais,
característicos, mas na maioria das vezes, de nuanças da própria linguagem e de
uma porção de pequenos nadas que, por serem pouco salientes, não são menos
significativos.
Muitas vezes as comunicações
deste gênero encerram mais provas do que se pensa e que se descobrem com mais
atenção e menos prevenções. Infelizmente, na maior parte do tempo não se
contentam com que o Espírito quer ou pode dar; querem provas à sua maneira; ou
lhe pedem que diga ou faça tal coisa, lembre um nome ou um fato, num momento
dado, sem pensar nos obstáculos que, por vezes, a isto se opõem, e paralisam a
sua boa vontade.
Depois, obtido o que se deseja,
muitas vezes querem mais; acham que não é ainda bastante concludente; depois de
um fato, pedem outro e mais outro. Numa palavra, nunca são suficientes para
convencer. É então que o Espírito, muitas vezes fatigado por essa insistência,
cessa completamente de se manifestar, esperando que a convicção chegue por
outros meios. Mas muitas vezes, também, sua abstenção lhe é imposta por uma
vontade superior, como punição ao solicitante muito exigente, e também como
prova para a sua fé, porquanto, se por algumas decepções e por não obter o que quer,
viesse a abandonar os Espíritos, esses por sua vez o abandonariam, deixando-o
mergulhado nas angústias e torturas da dúvida, felizes quando seu abandono não
tem consequências mais graves.
Mas, numa imensidade de casos,
as provas materiais de identidade são independentes da vontade do Espírito, e
do desejo que este tem de dá-las. Isto se deve à natureza, ou ao estado do
instrumento pelo qual se comunica. Há na faculdade mediúnica uma variedade
infinita de nuanças, que tornam o médium apto ou impróprio à obtenção de tais
ou quais efeitos que, à primeira vista, parecem idênticos e que, no entanto,
dependem de influências fluídicas diferentes. O médium é como um instrumento de
cordas múltiplas: não pode dar som pelas cordas que faltam. Eis um exemplo notável:
Conhecemos um médium que se pode
classificar entre os de primeira ordem, tanto pela natureza das instruções que
recebe, quanto por sua aptidão em se comunicar com quase todos os Espíritos,
sem distinção. Diversas vezes, nas evocações particulares, obteve provas
irrecusáveis de identidade, pela reprodução da linguagem e do caráter de
pessoas que jamais tinha conhecido. Há algum tempo, fez para uma pessoa que
acabava de perder subitamente vários filhos, a evocação de um destes últimos,
uma menina. A comunicação refletia perfeitamente o caráter da criança e era
tanto mais satisfatória quanto respondia a uma dúvida do pai sobre a sua
posição como Espírito. No entanto, de certo modo as provas eram apenas morais;
o pai achava que outro filho teria podido dizer o mesmo; queria alguma coisa
que só a filha pudesse dizer; admirava-se, sobretudo, de que o chamasse pai, em vez do apelido familiar que lhe
dava, e que não era um nome francês, conforme a ideia de que se ela dizia uma
palavra, podia dizer outra. Tendo o pai perguntado a razão, eis a resposta que,
a respeito, deu o guia do médium:
Conquanto
inteiramente desprendida, vossa filhinha não está em condição de vos fazer
compreender a razão pela qual não pode fazer o médium exprimir os termos que
conheceis e que ela lhe sopra. Ela obedece a uma lei em se comunicando, mas não
compreende bastante para explicar o seu mecanismo. A mediunidade é uma
faculdade cujas nuanças variam infinitamente, e os médiuns que de ordinário
tratam de assuntos filosóficos não obtêm senão raramente, e sempre
espontaneamente, essas particularidades que fazem reconhecer a personalidade do
Espírito de maneira evidente. Quando os médiuns desse gênero pedem uma prova de
identidade, no desejo de satisfazer o evocador, as fibras cerebrais, tensas por
seu próprio desejo, já não são bastante maleáveis para que o Espírito as faça
mover-se à sua vontade. Daí se segue que as palavras características não podem
ser reproduzidas. O pensamento fica, mas a forma não mais existe.
Nada há, pois, de
surpreendente que vossa filha vos tenha chamado pai, em vez de vos dar a qualificação familiar que esperáveis. Por
um médium especial obtereis resultados que vos satisfarão; basta ter um pouco
de paciência.
Alguns dias depois, achando-se
esse senhor no grupo de um dos nossos associados, obteve de outro médium, pela
tiptologia, e em presença do primeiro, não só o nome que desejava, sem que
tivesse pedido especialmente, mas outros fatos de notável precisão. Assim, a
faculdade do primeiro médium, por mais desenvolvida e flexível que fosse, não
se prestava a esse gênero de produção mediúnica. Podia reproduzir as palavras
que são a tradução do pensamento transmitido, e não termos que exigem um
trabalho especial; daí por que o conjunto da comunicação refletia o caráter e a
forma das ideias do Espírito, mas sem sinais materiais característicos. Um
médium não é um instrumento próprio a todos os efeitos; assim como não se
encontram duas pessoas inteiramente semelhantes no físico e no moral, não há
dois médiuns cuja faculdade seja absolutamente idêntica.
É de notar que as provas de
identidade vêm quase sempre espontaneamente, no momento em que menos se pensa,
ao passo que são dadas raramente quando pedidas. Capricho da parte do Espírito?
Não; há uma causa material. Ei-la:
As disposições fluídicas que estabelecem as relações entre
o Espírito e o médium oferecem nuances de extrema delicadeza, inapreciáveis aos
nossos sentidos e que variam de um momento a outro no mesmo médium. Muitas
vezes um efeito que não é possível num instante desejado, sê-lo-á uma hora, um
dia, uma semana mais tarde, porque as disposições ou a energia das correntes
fluídicas terão mudado. Acontece aqui como na fotografia, onde uma simples
variação na intensidade ou na direção da luz é suficiente para favorecer ou
impedir a reprodução da imagem. Um poeta fará versos à vontade? Não; precisa de
inspiração. Se não estiver em disposição favorável, por mais que perscrute o
cérebro, nada obterá. Perguntai-lhe por quê? Nas evocações, o Espírito deixado
à vontade se prevalece das disposições que encontra no médium, aproveita o
momento propício; mas quando essas disposições não existem, não pode mais que o
fotógrafo, na ausência da luz. Portanto, nem sempre pode, mal grado seu desejo,
satisfazer instantaneamente a um pedido de provas de identidade. Eis por que é
preferível esperá-las a solicitá-las.
Além disso, é preciso considerar que as relações fluídicas
que devem existir entre o Espírito e o médium jamais se estabelecem
completamente desde a primeira vez; a assimilação não se faz senão com o tempo
e gradualmente. Daí resulta que, inicialmente, o Espírito sempre experimenta
uma dificuldade que influi na clareza, na precisão e no desenvolvimento das
comunicações; mas, quando o Espírito e o médium estão habituados um ao outro;
quando seus fluidos estão identificados, as comunicações se dão naturalmente,
porque não há mais resistências a vencer.
Por aí se vê quantas considerações devem ser levadas em
conta no exame das comunicações. É por falta de fazê-lo e de conhecer as leis
que regem esses tipos de fenômenos que muitas vezes se pede o que é impossível.
É absolutamente como se alguém, que não conhecesse as leis da eletricidade, se
admirasse que o telégrafo pudesse experimentar variações e interrupções e
concluísse que a eletricidade não existe.
O fato da constatação da identidade de certos Espíritos é
um acessório no vasto conjunto dos resultados que o Espiritismo abarca; mesmo
que tal constatação fosse impossível, nada prejulgaria contra as manifestações
em geral, nem contra as consequências morais daí decorrentes. Seria preciso
lamentar os que privassem das consolações que ela proporciona, por não ter
obtido uma satisfação pessoal, pois isto seria sacrificar o todo à parte.
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