Allan Kardec
(Sociedade de Paris, 20 de outubro de 1865 – Médium: Sr. Leymarie)
Meus amigos, na época em que
vivia entre vós acontecia-me muitas vezes fazer sérias reflexões sobre a sorte
da mulher.
Meus numerosos e laboriosos
estudos sempre deixaram um momento para esses assuntos amados. Toda noite,
antes de dormir, eu orava por essas pobres irmãs tão infelizes e tão desprezadas,
implorando a Deus por dias melhores e pedindo às ideias um meio qualquer de
fazer progredirem as desclassificadas.
Por vezes, em sonho, eu as via
livres, amadas, estimadas, tendo uma existência legal e moral na sociedade, na
família, cercadas de respeito e de cuidados; eu as via transfiguradas. E esse
espetáculo era tão consolador que eu despertava chorando. Mas ah! A triste realidade
então me aparecia em sua lúgubre verdade e por vezes eu perdia a esperança de
que chegassem melhores dias.
Esses dias chegaram, meus
amigos. Há poucos entre vós que, intuitivamente, não sintam o direito da
mulher; muitos o negam de fato, embora o reconheçam mentalmente. Mas não é menos
verdadeiro que há para ela esperança e alegria em meio a profundas misérias e
desilusões espantosas.
Alguns dias atrás, prestando
atenção a uma roda de senhoras distintas pela posição, pela beleza e pela
fortuna, eu me dizia: Estas são todas perfume; foram amadas e aduladas. Como devem
amar! Como devem ser boas mães, esposas encantadoras, filhas respeitosas! Sabem
muito, amam e dão muito. Que erro estranho!... Todos esses rostos frescos
mentiam, sob sorrisos estereotipados; tagarelavam, falavam de roupas, de
corridas, de modas; falavam com graça encantadora, com malícia, mas não se ocupavam
dos filhos, nem dos maridos, nem de questões literárias, nem dos nossos gênios,
nem de seu país, nem da liberdade! Ah! Belas cabeças, mas cérebros... nada!
Aves encantadoras, esbeltas, elegantes; é da etiqueta; sua pretensão: agradar,
tocar em tudo e nada conhecer. O vento leva sua tagarelice e não deixa traços;
nem são filhas, nem esposas, nem mães. Ignoram seu país, seu passado, seus
sofrimentos, sua grandeza. Confiou os filhos a uma mercenária! A felicidade
íntima é uma ficção. São fascinantes borboletas, com belas asas... mas,
depois... Também atentei para um grupo de jovens operárias.
Que sabiam elas, logo elas?
Nada... como as outras... nada da vida, nada do dever, nada da realidade!
Invejavam, eis tudo. Deram-lhes o direito de se compreenderem, de se estimarem,
de se respeitarem? Fizeram-nas compreender Deus, sua grandeza, sua vontade?
Não, mil vezes não!... A Igreja lhes ensina o luxo; trabalham para o luxo e é
ainda o luxo que bate à sua mansarda, dizendo: Abri-me; eu sou a fita, a renda,
a seda, os bons pratos, os vinhos delicados. Abri, e sereis bela; tereis todas
as fantasias, todos os deslumbramentos!... É por isso que tantas, entre elas,
são a vergonha de suas famílias!
Cérebros amáveis, que vos
divertis com o Espiritismo, poderíeis dizer-me qual a panaceia que inventastes
para purificar a família, para lhe dar vida? Eu o sei, em questões de moral
sois indulgentes; muitas frases, gemidos pelos povos que caem, pela falta de
educação das massas; mas, para levantar moralmente a mulher, que fizestes?
Nada... Grandes senhores da literatura, quantas vezes espezinhastes as santas
leis de respeito à mulher, que tanto enalteceis! Ah! desconheceis a Deus e
desprezais profundamente a mulher, isto é, a família e o futuro da nação!
E é nela e por ela que se
deverão elaborar os graves problemas sociais do porvir! O que sois incapazes de
fazer, bem o sabeis, o Espiritismo fará e dará à mulher esta fé robusta que remove
montanhas, fé que lhes ensina seu poder e seu valor, tudo quanto Deus promete
por sua doçura, sua inteligência, sua vontade poderosa. Compreendendo as leis
magníficas desenvolvidas por O Livro dos
Espíritos, nenhuma entre elas quererá entregar o seu corpo e sua alma;
filha de Deus, ela amará em seus filhos a visita do Espírito criador; quererá
saber para ensinar aos seus; amará seu país e saberá a sua história, a fim de
iniciar seus filhos nas grandes ideias progressivas. Serão mães e médicas,
conselheiras e mentoras; numa palavra, serão mulheres segundo o Espiritismo,
isto é, o futuro, o progresso e a grandeza da pátria em sua mais larga
expressão.
Baluze
(Continuação – 27 de outubro de 1865)
Na minha última comunicação,
meus amigos, eu vos tinha mostrado as mulheres sob dois aspectos, acrescentando
que a instrução numas e a ignorância noutras haviam produzido resultados
negativos. Todavia, há sérias exceções que parecem desafiar a regra. Há moças
que sabem estudar e tirar proveito do que ensinam os mestres. Estas nem são vãs
nem levianas; sua constante distração não é uma bijuteria nem uma fita!
Alimentadas por lições fortes e sérias, gostam do que engrandece o espírito, o que
lhes dá a calma íntima, essa calma dos fortes e das naturezas generosas.
No casamento preveem a família;
reclamam e fazem promessas pelo filho bem-amado, não para o abandonar e o
atirar aos cuidados interesseiros, mas para lhe sacrificar suas vidas inteiras.
O recém-nascido é o centro de tudo; para ele, o primeiro pensamento; para ele,
as carícias e as preces ardentes, as noites insones, os dias muito curtos, nos
quais se preparam os mil detalhes que serão o bem-estar do novo encarnado. A
criança é o estudo, o amor sob mil formas. O esposo torna-se amável; esquece o
rude labor da jornada ou as distrações mundanas para amparar os primeiros
passos da criança e dar uma forma às suas primeiras sílabas. Respeito, pois, as
exceções exemplares, que sabem desafiar a tentação e fugir dos prazeres para se
devotarem e viver como mães divinamente inteligentes.
Humildes e pobres operárias;
corações ulcerados, que amais a vossa única esperança: vosso filho! Haveria
muito a dizer de vossa abnegação, do vosso profundo sentimento do dever, da vossa
mansuetude em face dos aborrecimentos de cada dia!
Nada vos desanima para consolar
o anjinho; para vós ele é a força e o trabalho, esse sublime egoísmo que vos
faz sacrificar noite e dia.
Mas se a religião, ou antes, os
diversos cultos unidos à instrução não puderam destruir no rico e no pobre essa
tendência geral para mal viver e ignorar o objetivo da vida, é que nem os cultos
nem a instrução souberam, até hoje, impressionar vivamente a infância.
Falam-lhe constantemente de interesses inimigos. Os pais que lutam contra as
necessidades da vida se explicam ante esses corações jovens com uma cínica
crueza. Apenas têm a percepção das primeiras palavras, já sabem que se pode ser
colérico, violento, e que o interesse pessoal é o pivô em torno do qual gira cada
indivíduo. Essas primeiras impressões os exploram largamente... Doravante,
religião e instrução serão palavras vãs, se não contribuírem para aumentar o
bem-estar e a fortuna!
E quando levamos a todas as
direções o pensamento espírita, pensamento que desperta todas as paixões
generosas, pensamento que dá uma certeza como um problema matemático, riem-nos
na cara! Pretensos liberais montam-se em pernas de pau para nos achar ridículos
e ignorantes. Não sabemos escrever... não temos estilo!... somos modelos de
inépcia, loucos... bons para meter num hospício. E os apóstolos do
livre-pensamento com muito gosto empurrariam a autoridade, com o auxílio do
Código Penal, a perseguir esses iluminados, que rebaixam o bom-senso público!
Felizmente a opinião das massas
não pertence a um jornal, nem a um escritor; ninguém tem mais direito a ter
mais espírito e bom-senso do que os outros, e nestes tempos em que simples
folhetinistas pretendem rachar de alto a baixo os teólogos, os filósofos, o
gênio sob todas as formas, o bom-senso na sua mais alta expressão, acontece que
cada um quer saber por si mesmo.
Corre-se sempre aos homens e às
coisas dos quais pior se fala; e, depois de ter lido e escutado, põe-se de lado
todos os panfletos insolentes, todas as insinuações malévolas, para render
homenagem à verdade, que impressiona todos os espíritos.
E é por isto que o Espiritismo
se engrandece sob os vossos golpes. As famílias nos aceitam e nos bendizem. Um
pai laborioso, caso tenha um filho verdadeiramente espírita, não o verá, como
no passado, desertar de casa para se tornar um crítico intolerante. Não será
ele que arruinará a família, venderá a consciência e renegará as leis sagradas
do respeito devido à mulher, à criança. Sabe que Deus existe; conhece as leis
fluídicas do Espírito e a existência da alma com todas as suas admiráveis consequências.
É um homem sério, probo, fraternal, caridoso, e não um fantoche bem-educado,
traidor da vida, de Deus, dos amigos, dos pais e de si mesmo.
As mães serão realmente mães;
penetradas do espírito do Espiritismo serão a salvaguarda das filhas amadas.
Ensinando-lhes o magnífico papel de que estão chamadas a desempenhar, dar-lhes-ão
a consciência de seu valor. O destino do homem lhes pertence de direito e, para
cumprir o dever, é preciso que se instruam, a fim de prepararem dignamente o
filho que Deus envia.
Saber não será mais o corolário
dos desejos desenfreados e de vontades vergonhosas, mas, muito ao contrário, o
complemento da dignidade e do respeito à sua pessoa. Contra tais mulheres, que poderão
as tentações e as paixões desregradas? Como escudo, terão Deus e o direito e,
além disso, essa aquisição superior, que nos vem das coisas superiores.
Ora, o que é a mulher, senão a
família, e o que é a família, senão a nação? Tais mulheres, tal povo. Queremos,
pois, criar o que destruístes pelos extremos. A Idade Média tinha apequenado a
mulher pela superstição. Vós, senhores livres pensadores, pelo cepticismo!...
Nem um nem outro são bons!
Primeiro moralizamos; depois
alforriamos a mulher, para instruí-la.
Vós quereis instruí-la sem a
moralizar!
É por isto que a geração atual
vos escapa, e logo as mães de família não serão mais uma exceção.
Baluze
Allan
Kardec
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