segunda-feira, 18 de maio de 2020

CARLOS DE BRITO IMBASSAHY[1]




Nascido em 9 de setembro de 1884, doutor Carlos Imbassahy enfrentou galhardamente a passagem do século vivendo até 1969, quando desencarnou antes de completar seus 85 anos de existência bem vivida.
Em 1901 era um jovem advogado que militava nos meios forenses, tendo sido nomeado por concurso público Promotor Público na comarca de Andaraí, uma cidade interiorana do seu estado natal, a Bahia.
A vida forense não lhe sorriu e, como relata seu filho no livro "Memórias Pitorescas do Meu Pai", o doutor Imbassahy se deparou com um Juiz ciumento, achando que todos cobiçavam sua distinta consorte (ou sem sorte) e mais os políticos da região, todos armados e determinando a conduta dos demais.
Não podendo cumprir sua função, foi obrigado a largar a magistratura, vindo para o Rio de Janeiro, onde, ainda por concurso, ingressou na carreira de Estatístico do Ministério da Fazenda.
Foi aí que conheceu Amaral Ornelas, o grande poeta espírita, com o qual fez amizade e teve seus primeiros contatos com o estudo doutrinário.
Acumulando com as suas funções de funcionário público, o Dr. Imbassahy também exercia a profissão de jornalista, chegando a ser o Redator-chefe e Diretor da Revista da Estrada de Ferro, além de trabalhar na redação de jornais diários do Rio de Janeiro.
Foi assim que acabou sendo convidado para se tornar redator da revista “O Reformador”, publicada pela Federação Espírita Brasileira (FEB), ocupando o cargo de secretário durante muitos anos.
Junto com seu amigo Amaral Ornelas e com Bernardino Oliva da Fonseca Filho, o Bebé, grande médium psicógrafo, fundaram os três um Centro Espirita em cuja presidência eles se alternavam. Todavia, suas atribuições não impediam que participasse ativamente do movimento espírita onde foi lançado como orador pelo próprio Ornelas.
Adotou um estilo novo de expor, procurando alternar os ensinamentos doutrinários com assuntos leves e até mesmo jocosos que fossem capazes de atrair a atenção dos seus ouvintes. Com isso, aos poucos, foi criando Escola, apesar de combatido pelos mais austeros líderes do movimento espírita.
Mesmo pertencente à direção da revista editada pela FEB, ele ainda não tinha tido conhecimento dos trabalhos de J. B. Roustaing sobre o docetismo[2] cristão que este autor tentara implantar no meio espírita de França e que a FEB resolvera seguir.
Certa vez um padre, em Juiz de Fora, resolveu atacar o Espiritismo. Os companheiros de Doutrina acharam por bem pedir socorro à casa mater., isto é, à FEB que, para atendê-los, indicou o Dr. Imbassahy. Este deveria comparecer àquela cidade, para rebater as acusações do membro eclesiástico da Igreja.
Na hora em que embarcou, por ferrovia, para a aludida cidade, um dos diretores, para ajudá-lo, entrega-lhe os volumes traduzidos pela própria FEB, da obra de Roustaing, dizendo-lhe:
Imbassahy: aqui você encontrará tudo o que precisa para acabar com o padre!
E o enviado para combater o eclesiástico em Juiz de Fora aproveitou a viagem para estudar a obra que ainda não conhecia. Começou a lê-la. Sua razão, evidentemente, fê-lo estarrecer-se do conteúdo ‒ ao qual considerou absurdo ‒ daquela obra que tinha em mãos.
O principal tópico dos debates seria a ressurreição de Lázaro e quando Dr. Imbassahy leu as explicações dadas pela comunicação mediúnica à Sr.ª Collignon, ficou horrorizado, pensando no fiasco que faria se apresentasse aquilo como argumento para debate.
Foi seu primeiro contato e sua primeira decepção com Roustaing.
Segundo ele, sua grande sorte foi a de que o Padre, no dia do debate, resolveu se ausentar da cidade e ele, “magnanimamente”, preferiu não abordar os temas em foco.
Como era muito amigo dos diretores da FEB, suas atribuições ante a revista, como jornalista, não sofreram qualquer abalo.
Os tempos se passam e desencarna o presidente Guillon Ribeiro. Elegem para substituí-lo um jovem militante roustainguista que tinha outra visão da Doutrina e que achava fundamental que todos os participantes dos cargos diretivos da Federação Espírita Brasileira fossem não apenas adeptos, mas militantes professos do roustainguismo. E, com isso, Dr. Imbassahy, praticamente, foi excluído do seu cargo e afastado, a bem da comunidade, do movimento federacionista.
Mas, a essa altura, seu lastro doutrinário e sua fama de escritor já lhe haviam coroado a carreira literária. Foi dessa forma que seus novos livros encontraram uma série de editores fora do contexto febiano para serem publicados.
E sua bagagem foi enriquecida com excelentes livros cujas edições esgotadas mereciam nova republicação.
Afastado da FEB, passou a ser um dos grandes expoentes, ao lado de seu querido amigo e conterrâneo Leopoldo Machado, o baluarte dos movimentos espíritas que não tinham apoio daquela entidade.
Assim foi orador oficial do Congresso Sul-americano de Espiritismo realizado no Rio de Janeiro; participou de todos os congressos de Escritores e Jornalistas Espíritas realizados no Brasil, até seu desencarne; incrementou o movimento de jovens e teve importante participação junto ao I (e único) Congresso Brasileiro de Mocidades Espíritas. Enfim, destacou-se sobremodo pelo apoio que sempre deu às Semanas Espíritas e a quaisquer atividades doutrinárias que tivessem como escopo a difusão do Espiritismo.
Junto com sua esposa, participou do Teatro Espírita, encenando esquetes e pequenas peças ou entreatos durante as Semanas Espíritas, escrevendo, até, uma comédia intitulada “Firma Roscof e Cia.”, incentivando os jovens espíritas à arte pura e sadia.
Assim, como literato, como jornalista e como expositor doutrinário, realizou uma obra gigantesca que, sem dúvida, deixou um marco indelével no século em que viveu.
São inúmeros os casos pitorescos de sua vida, contados em livro e que merecem ser lidos por todos. Além de divertir, mostra a verve de um grande baluarte da Doutrina que soube aliar a difusão doutrinária com a arte, com sabedoria.
Não se pode falar do Dr. Imbassahy sem fazer uma especial referência à sua esposa, dona Maria, médium de excelentes predicados e que era seu braço forte, no incentivo e em tudo mais que uma companheira dedicada e apaixonada pode fazer por seu marido.
Dona Maria também era uma excelente comediante, só que nunca se dedicou à profissão, senão, participando ao lado do esposo em suas apresentações cênicas no meio espírita. Faziam um par impagável e juntaram-se ao Olympio Campos, outro excelente ator que, depois de crescido, órfão de pais, elegeu o casal para ser seus novos genitores. Os três juntos faziam as cenas de humor nas Semanas Espíritas de que participavam, mostrando que a arte sadia também tem lugar dentro do movimento espírita.
O casal Imbassahy teve um único filho, o Carlos de Brito Imbassahy. Como eles se haviam casado bem tarde, quando o filho nasceu já tinham idade suficiente para conhecerem a vida.
Dr. Imbassahy teve uma vida de glórias. De um comportamento espiritual exemplar, nunca faltou àqueles que lhe pediam ajuda. Certa vez, um pobre camundongo, fugindo à fúria dos seus perseguidores, procurando abrigo sob o salto de seu sapato, não foi denunciado, porque Dr. Imbassahy não teve coragem de delatar o roedor que procurou salvação junto a ele.
Foram inúmeros e sinceros os seus amigos. São casos altamente pitorescos os que envolvem o seu relacionamento com eles. Coisas curiosas que recomendam a leitura das suas memórias.
Finalmente, aos 84 anos, foi acometido de uma leucose aguda que, em pouco mais de seis meses, levou-o à sepultura. Faleceu no dia 04 de agosto de 1969. Seu enterro, concorridíssimo, deixou uma lacuna dentro do movimento espírita.
Entre os seus trabalhos literários, destacam-se os romances "Leviana" e "Os Menezes". Publicou ainda uma obra de cunho histórico, "Grandes Criminosos da História” [3].
No terreno do espiritismo e da parapsicologia, produziu: Lendas de Osíris (FEB,1931); À Margem do Espiritismo (FEB, 1932); O Espiritismo à Luz dos Fatos (FEB, 1935); Religião (FEB, 1942); A Mediunidade e a Lei (FEB, 1946); Corpo e Espírito (LAKE, 1946); Ciência Metapsíquica (Gráf. Mundo Espírita, 1949); Espiritismo e Loucura (LAKE, 1949); Matéria ou Espírito? (LAKE, 1949) - com Pedro Granja; Fantasmas, Fantasias e Fantoches (Édipo, 1950) - com Pedro Granja; A Evolução (FEP, 1955); A Missão de Allan Kardec (FEP, 1957); A Reencarnação e suas Provas (FEP, s/d) - com Mário Cavalcanti de Melo; A Psicanálise perante a Parapsicologia (Liv. Ghignone, 1960); A Farsa Escura da Mente (LAKE, 1965); O que é a Morte (Edicel, 1966); Enigmas da Parapsicologia (Edições Calvário, 1967); Hipóteses em Parapsicologia (Ed. Eco, 1967); O Poder Fantástico da Mente (Ed. Eco, 1967) - com Nazareno Tourinho; Freud e as Manifestações da Alma (Ed. Eco, s/d).
Traduziu, ainda, para a língua portuguesa, as seguintes obras: O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec; O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec; O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne; A Reencarnação, de Gabriel Delanne; Fenômenos Psíquicos, de Ernesto Bozzano; A Vida Além do Véu, de George Vale Owen; A Filosofia Penal do Espiritismo, de Fernando Ortiz; Fenômenos Hipnóticos e Espíritas, de César Lombroso; e A Vidente de Prevorst, de Justinus Kerner.




[2] Docetismo - Doutrina herética dos séculos II e III, que negava a existência do corpo de Jesus Cristo, admitindo apenas a existência do espírito.

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