Nascido em 9 de setembro de
1884, doutor Carlos Imbassahy enfrentou galhardamente a passagem do século
vivendo até 1969, quando desencarnou antes de completar seus 85 anos de
existência bem vivida.
Em 1901 era um jovem advogado
que militava nos meios forenses, tendo sido nomeado por concurso público
Promotor Público na comarca de Andaraí, uma cidade interiorana do seu estado
natal, a Bahia.
A vida forense não lhe sorriu e,
como relata seu filho no livro "Memórias Pitorescas do Meu Pai", o
doutor Imbassahy se deparou com um Juiz ciumento, achando que todos cobiçavam
sua distinta consorte (ou sem sorte) e mais os políticos da região, todos armados
e determinando a conduta dos demais.
Não podendo cumprir sua função,
foi obrigado a largar a magistratura, vindo para o Rio de Janeiro, onde, ainda
por concurso, ingressou na carreira de Estatístico do Ministério da Fazenda.
Foi aí que conheceu Amaral
Ornelas, o grande poeta espírita, com o qual fez amizade e teve seus primeiros
contatos com o estudo doutrinário.
Acumulando com as suas funções
de funcionário público, o Dr. Imbassahy também exercia a profissão de
jornalista, chegando a ser o Redator-chefe e Diretor da Revista da Estrada de
Ferro, além de trabalhar na redação de jornais diários do Rio de Janeiro.
Foi assim que acabou sendo
convidado para se tornar redator da revista “O Reformador”, publicada pela
Federação Espírita Brasileira (FEB), ocupando o cargo de secretário durante
muitos anos.
Junto com seu amigo Amaral
Ornelas e com Bernardino Oliva da Fonseca Filho, o Bebé, grande médium
psicógrafo, fundaram os três um Centro Espirita em cuja presidência eles se
alternavam. Todavia, suas atribuições não impediam que participasse ativamente
do movimento espírita onde foi lançado como orador pelo próprio Ornelas.
Adotou um estilo novo de expor,
procurando alternar os ensinamentos doutrinários com assuntos leves e até mesmo
jocosos que fossem capazes de atrair a atenção dos seus ouvintes. Com isso, aos
poucos, foi criando Escola, apesar de combatido pelos mais austeros líderes do
movimento espírita.
Mesmo pertencente à direção da
revista editada pela FEB, ele ainda não tinha tido conhecimento dos trabalhos
de J. B. Roustaing sobre o docetismo[2]
cristão que este autor tentara implantar no meio espírita de França e que a FEB
resolvera seguir.
Certa vez um padre, em Juiz de
Fora, resolveu atacar o Espiritismo. Os companheiros de Doutrina acharam por
bem pedir socorro à casa mater., isto é, à FEB que, para atendê-los, indicou o
Dr. Imbassahy. Este deveria comparecer àquela cidade, para rebater as acusações
do membro eclesiástico da Igreja.
Na hora em que embarcou, por
ferrovia, para a aludida cidade, um dos diretores, para ajudá-lo, entrega-lhe
os volumes traduzidos pela própria FEB, da obra de Roustaing, dizendo-lhe:
Imbassahy: aqui você encontrará tudo o que precisa para acabar com o
padre!
E o enviado para combater o
eclesiástico em Juiz de Fora aproveitou a viagem para estudar a obra que ainda
não conhecia. Começou a lê-la. Sua razão, evidentemente, fê-lo estarrecer-se do
conteúdo ‒ ao qual considerou absurdo ‒ daquela obra que tinha em mãos.
O principal tópico dos debates
seria a ressurreição de Lázaro e quando Dr. Imbassahy leu as explicações dadas
pela comunicação mediúnica à Sr.ª Collignon, ficou horrorizado, pensando no
fiasco que faria se apresentasse aquilo como argumento para debate.
Foi seu primeiro contato e sua
primeira decepção com Roustaing.
Segundo ele, sua grande sorte
foi a de que o Padre, no dia do debate, resolveu se ausentar da cidade e ele,
“magnanimamente”, preferiu não abordar os temas em foco.
Como era muito amigo dos
diretores da FEB, suas atribuições ante a revista, como jornalista, não
sofreram qualquer abalo.
Os tempos se passam e desencarna
o presidente Guillon Ribeiro. Elegem para substituí-lo um jovem militante
roustainguista que tinha outra visão da Doutrina e que achava fundamental que
todos os participantes dos cargos diretivos da Federação Espírita Brasileira
fossem não apenas adeptos, mas militantes professos do roustainguismo. E, com
isso, Dr. Imbassahy, praticamente, foi excluído do seu cargo e afastado, a bem
da comunidade, do movimento federacionista.
Mas, a essa altura, seu lastro
doutrinário e sua fama de escritor já lhe haviam coroado a carreira literária.
Foi dessa forma que seus novos livros encontraram uma série de editores fora do
contexto febiano para serem publicados.
E sua bagagem foi enriquecida
com excelentes livros cujas edições esgotadas mereciam nova republicação.
Afastado da FEB, passou a ser um
dos grandes expoentes, ao lado de seu querido amigo e conterrâneo Leopoldo
Machado, o baluarte dos movimentos espíritas que não tinham apoio daquela
entidade.
Assim foi orador oficial do
Congresso Sul-americano de Espiritismo realizado no Rio de Janeiro; participou
de todos os congressos de Escritores e Jornalistas Espíritas realizados no
Brasil, até seu desencarne; incrementou o movimento de jovens e teve importante
participação junto ao I (e único) Congresso Brasileiro de Mocidades Espíritas.
Enfim, destacou-se sobremodo pelo apoio que sempre deu às Semanas Espíritas e a
quaisquer atividades doutrinárias que tivessem como escopo a difusão do
Espiritismo.
Junto com sua esposa, participou
do Teatro Espírita, encenando esquetes e pequenas peças ou entreatos durante as
Semanas Espíritas, escrevendo, até, uma comédia intitulada “Firma Roscof e Cia.”,
incentivando os jovens espíritas à arte pura e sadia.
Assim, como literato, como jornalista
e como expositor doutrinário, realizou uma obra gigantesca que, sem dúvida,
deixou um marco indelével no século em que viveu.
São inúmeros os casos pitorescos
de sua vida, contados em livro e que merecem ser lidos por todos. Além de
divertir, mostra a verve de um grande baluarte da Doutrina que soube aliar a
difusão doutrinária com a arte, com sabedoria.
Não se pode falar do Dr.
Imbassahy sem fazer uma especial referência à sua esposa, dona Maria, médium de
excelentes predicados e que era seu braço forte, no incentivo e em tudo mais
que uma companheira dedicada e apaixonada pode fazer por seu marido.
Dona Maria também era uma
excelente comediante, só que nunca se dedicou à profissão, senão, participando
ao lado do esposo em suas apresentações cênicas no meio espírita. Faziam um par
impagável e juntaram-se ao Olympio Campos, outro excelente ator que, depois de
crescido, órfão de pais, elegeu o casal para ser seus novos genitores. Os três
juntos faziam as cenas de humor nas Semanas Espíritas de que participavam,
mostrando que a arte sadia também tem lugar dentro do movimento espírita.
O casal Imbassahy teve um único
filho, o Carlos de Brito Imbassahy. Como eles se haviam casado bem tarde,
quando o filho nasceu já tinham idade suficiente para conhecerem a vida.
Dr. Imbassahy teve uma vida de
glórias. De um comportamento espiritual exemplar, nunca faltou àqueles que lhe
pediam ajuda. Certa vez, um pobre camundongo, fugindo à fúria dos seus
perseguidores, procurando abrigo sob o salto de seu sapato, não foi denunciado,
porque Dr. Imbassahy não teve coragem de delatar o roedor que procurou salvação
junto a ele.
Foram inúmeros e sinceros os
seus amigos. São casos altamente pitorescos os que envolvem o seu
relacionamento com eles. Coisas curiosas que recomendam a leitura das suas
memórias.
Finalmente, aos 84 anos, foi
acometido de uma leucose aguda que, em pouco mais de seis meses, levou-o à
sepultura. Faleceu no dia 04 de agosto de 1969. Seu enterro, concorridíssimo,
deixou uma lacuna dentro do movimento espírita.
Entre os seus trabalhos
literários, destacam-se os romances "Leviana" e "Os
Menezes". Publicou ainda uma obra de cunho histórico, "Grandes
Criminosos da História” [3].
No terreno do espiritismo e da
parapsicologia, produziu: Lendas de Osíris (FEB,1931); À Margem do Espiritismo
(FEB, 1932); O Espiritismo à Luz dos Fatos (FEB, 1935); Religião (FEB, 1942); A
Mediunidade e a Lei (FEB, 1946); Corpo e Espírito (LAKE, 1946); Ciência
Metapsíquica (Gráf. Mundo Espírita, 1949); Espiritismo e Loucura (LAKE, 1949);
Matéria ou Espírito? (LAKE, 1949) - com Pedro Granja; Fantasmas, Fantasias e
Fantoches (Édipo, 1950) - com Pedro Granja; A Evolução (FEP, 1955); A Missão de
Allan Kardec (FEP, 1957); A Reencarnação e suas Provas (FEP, s/d) - com Mário
Cavalcanti de Melo; A Psicanálise perante a Parapsicologia (Liv. Ghignone,
1960); A Farsa Escura da Mente (LAKE, 1965); O que é a Morte (Edicel, 1966);
Enigmas da Parapsicologia (Edições Calvário, 1967); Hipóteses em Parapsicologia
(Ed. Eco, 1967); O Poder Fantástico da Mente (Ed. Eco, 1967) - com Nazareno
Tourinho; Freud e as Manifestações da Alma (Ed. Eco, s/d).
Traduziu, ainda, para a língua
portuguesa, as seguintes obras: O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec; O Livro
dos Médiuns, de Allan Kardec; O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel
Delanne; A Reencarnação, de Gabriel Delanne; Fenômenos Psíquicos, de Ernesto
Bozzano; A Vida Além do Véu, de George Vale Owen; A Filosofia Penal do
Espiritismo, de Fernando Ortiz; Fenômenos Hipnóticos e Espíritas, de César
Lombroso; e A Vidente de Prevorst, de Justinus Kerner.
[2] Docetismo - Doutrina herética dos séculos II e III,
que negava a existência do corpo de Jesus Cristo, admitindo apenas a existência
do espírito.
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