terça-feira, 3 de março de 2020

VOSSOS FILHOS E VOSSAS FILHAS PROFETIZARÃO[1]



Allan Kardec

O Sr. Delanne, que muitos de nossos leitores já conhecem, tem um filho de oito anos. Esse menino, que a todo instante ouve falar de Espiritismo em sua família, e que muitas vezes assiste às reuniões dirigidas por seu pai e sua mãe, foi, assim, iniciado muito cedo na doutrina, muitas vezes surpreendendo pela justeza com que raciocina seus princípios. Isto nada tem de espantoso, pois é apenas o eco das ideias com que foi embalado.
Também não é o objetivo deste artigo: é apenas para entrar no assunto do fato que vamos relatar e tem seu propósito nas circunstâncias atuais.
As reuniões do Sr. Delanne são graves, sérias, e conduzidas com perfeita ordem, como devem ser todas aquelas nas quais se quer colher frutos. Embora as comunicações escritas nelas ocupem o primeiro lugar, aí também se cuida de manifestações físicas e tiptológicas, mas como ensinamento e jamais como objeto de curiosidade. Dirigidas com método e recolhimento, e sempre apoiadas em algumas explicações teóricas, estão, pela impressão que produzem, habilitadas a levar à convicção.
É em tais condições que as manifestações físicas são realmente úteis. Falam ao Espírito e impõem silencio à zombaria.
A gente se sente em presença de um fenômeno, cuja profundeza se entrevê, e que afasta até a ideia da brincadeira. Se estes tipos de manifestações, de que tanto se tem abusado, fossem sempre apresentados dessa maneira, e não como divertimento e pretexto para perguntas fúteis, a crítica não as teria acusado de charlatanice.
Infelizmente, muitas vezes deram ensejo a isto.
O filho do Sr. Delanne muitas vezes se associava a essas manifestações e, influenciado pelo bom exemplo, as considerava como coisa séria.
Um dia se encontrava com uma pessoa de suas relações e brincava no pátio da casa com sua priminha, de cinco anos, dois meninos, um de sete, outro de quatro anos. Uma senhora que morava no térreo os compeliu a entrar em sua casa e lhes deu bombons. As crianças, como se pode imaginar, não se fizeram rogadas.

A senhora perguntou ao filho do Sr. Delanne:
Como te chamas, meu filho?
– Eu me chamo Gabriel, senhora.
Que faz teu pai?
– Senhora, meu pai é espírita.
Não conheço esta profissão.
Mas, senhora, não é uma profissão. Meu pai não é pago para isto; ele o faz com desinteresse e para fazer o bem aos homens.
Menino, não sei o que queres dizer.
‒ Como! Jamais ouvistes falar das mesas girantes?
Muito bem, meu amigo, gostaria que teu pai estivesse aqui para as fazer girar.
– É inútil, senhora; eu mesmo tenho o poder de as fazer girar.
Então, queres experimentar e me fazer ver como se procede?
– Com muito gosto, senhora.

Dito isto, ele se senta ao pé da mesinha da sala e faz sentar os seus três amiguinhos; e eis os quatro, gravemente pondo as mãos em cima. Gabriel fez uma evocação em tom muito sério e com recolhimento. Mal terminou, e para grande estupefação da senhora e das crianças, a mesinha ergueu-se e bateu com força.

– Perguntai, senhora, quem vem responder pela mesa.
A vizinha interroga e a mesa soletra as palavras: teu pai.
A mulher torna-se pálida de emoção. E continua:
Pois bem! Dizei, meu pai, se devo enviar a carta que acabo de escrever?
– A mesa responde: Sim, sem falta.
Para provar que realmente és tu, meu pai, que estás aqui, poderias dizer-me há quantos anos estás morto?
– Logo a mesa bate oito pancadas bem acentuadas. Era justamente o número de anos.
Poderias dizer o teu nome e o da cidade em que morrestes?
– A mesa soletra os dois nomes.

As lágrimas jorraram dos olhos daquela senhora que, consternada por esta revelação e dominada pela emoção, não pôde mais continuar.
Seguramente este fato desafia toda suspeita de preparação do instrumento, de ideia preconcebida e de charlatanismo. Também não se podem pôr os dois nomes soletrados à conta do acaso. Duvidamos muito que esta senhora tivesse recebido tal impressão numa das sessões dos Srs. Davenport, ou qualquer outra do mesmo gênero. Aliás, não é a primeira vez que a mediunidade se revela em crianças, na intimidade das famílias. Não é a realização daquelas palavras proféticas:
Vossos filhos e vossas filhas profetizarão?
Atos dos Apóstolos, 2:17

Allan Kardec




[1] Revista Espírita – Outubro/1865 – Allan Kardec

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