Allan Kardec
Embora esta tocante oração
fúnebre tenha sido publicada por diversos jornais, encontra lugar igualmente
nesta revista, em razão da natureza dos pensamentos que encerra, cujo alcance
todos poderão compreender. O jornal do qual a tomamos dá conta da cerimônia
fúnebre nos seguintes termos:
Uma triste cerimônia reunia, quinta-feira última, uma multidão
dolorosamente comovida no cemitério dos independentes, em Guernesey. Inumavam uma
jovem, que a morte viera surpreender em meio às alegrias da família, e cuja
irmã se casara dias antes. Era uma moçoila feliz, a quem um dos filhos do grande
poeta, Sr. François Hugo, havia dedicado o décimo quarto volume de sua tradução
de Shakespeare; ela morreu na véspera do lançamento desse volume.
Como acabamos de dizer, a assistência era numerosa nesses
funerais, numerosa e simpática, e é com viva emoção, com lágrimas que a amizade
derramava, que ela ouviu as palavras de adeus, pronunciadas sobre esse túmulo
tão prematuramente aberto, pelo ilustre exilado de Guernesey, pelo próprio
Victor Hugo.
Eis o discurso pronunciado pelo poeta:
Em algumas semanas
ocupamo-nos de duas irmãs: casamos uma e sepultamos a outra. Eis o perpétuo
tremor da vida.
Inclinemo-nos, meus
irmãos, ante o severo destino.
Inclinemo-nos com esperança. Nossos olhos não foram
feitos para chorar, mas para ver; nosso coração não foi feito para sofrer, mas
para crer. A fé numa outra existência nasce da faculdade de amar. Não o
esqueçamos: nesta vida inquieta e apaziguada pelo amor, é o coração quem crê. O
filho conta encontrar a seu pai; a mãe não consente em perder para sempre o filho.
Esta recusa do nada é a grandeza do homem.
O coração não pode
errar. A carne é um sonho; ela se dissipa. Se esse desaparecimento fosse o fim
do homem, tiraria à nossa existência toda sanção. Não nos contentamos com esta fumaça
que é a matéria; precisamos de uma certeza. Quem quer que ame, sabe e sente que
nenhum dos pontos de apoio do homem está na Terra. Amar é viver além da vida.
Sem esta fé, nenhum dom perfeito do coração seria possível; amar, que é o
objetivo do homem, seria o seu suplício. O paraíso seria o inferno. Não! Digamos
bem alto, a criatura amante exige a criatura imortal. O coração necessita da
alma.
Há um coração neste
féretro, e esse coração está vivo.
Neste momento ele
escuta minhas palavras.
Emily de Putron era
o doce orgulho de uma família respeitável e patriarcal. Seus amigos e parentes
tinham por deleite sua graça e por festa seu sorriso. Ela era como uma flor de
alegria a desabrochar na casa. Desde o berço era cercada de todas as ternuras;
cresceu feliz e, recebendo felicidade, dava felicidade; amada, amava. Ela acaba
de partir.
Para onde foi? Para
a sombra? Não.
Nós é que estamos na
sombra. Ela está na aurora.
Ela está na glória,
na verdade, na realidade, na recompensa. Essas jovens mortas, que não fizeram
nenhum mal na vida, são bem-vindas do túmulo, e sua cabeça se ergue suavemente fora
da sepultura, para uma coroa misteriosa. Emily de Putron foi buscar no céu a
serenidade suprema, complemento das existências inocentes. Ela se foi:
juventude, para a eternidade; beleza, para o ideal; esperança, para a certeza;
amor, para o infinito; pérola, para o oceano; Espírito, para Deus.
Vai, alma!
O prodígio desta
grande partida celeste, que chamam morte, é que os que partem não se afastam.
Estão num mundo de claridade, mas assistem, como testemunhas enternecidas, ao
nosso mundo de trevas. Estão no alto, e muito perto. Ó, quem quer que sejais,
que vistes desaparecer na tumba um ente querido, não vos julgueis abandonados
por ele. Está sempre lá. Está ao vosso lado mais que nunca. A beleza da morte é
a presença. Presença inexprimível das almas amadas, sorrindo aos nossos olhos
em lágrimas. O ser chorado desapareceu, mas não partiu. Não mais percebemos o
seu rosto suave... Os mortos são os invisíveis, mas não estão ausentes.
Rendamos justiça à
morte. Não sejamos ingratos para com ela. Ela não é, como se diz, um
aniquilamento, uma cilada. É um erro acreditar que tudo se perde na obscuridade
desta fossa aberta. Aqui tudo reaparece. O túmulo é um lugar de restituição. Aqui
a alma retoma o infinito; aqui ela readquire a sua plenitude; aqui entra na
posse de sua misteriosa natureza; liberta-se do corpo, liberta-se da
necessidade, liberta-se do fardo, liberta-se da fatalidade. A morte é a maior
das liberdades. É, também, o maior dos progressos. A morte é a ascensão de tudo
o que viveu em grau supremo. Ascensão fascinante e sagrada. Cada um recebe o
seu aumento. Tudo se transfigura na luz e pela luz. Aquele que na Terra só foi
honesto torna-se belo; o que foi apenas belo torna-se sublime; o que só foi
sublime torna-se bom.
E agora, eu que
falo, por que estou aqui? O que é que trago a esta fossa? Com que direito venho
dirigir a palavra à morte? Quem sou eu? Nada. Engano-me, sou alguma coisa. Sou
um proscrito. Exilado pela força ontem, exilado voluntário hoje. Um proscrito é
um vencido, um caluniado, um perseguido, um ferido do destino, um deserdado da
pátria. Um proscrito é um inocente sob o peso de uma maldição. Sua bênção deve
ser boa. Eu abençoo este túmulo.
Abençoo o ser nobre
e gracioso que está nesta fossa. No deserto encontram-se oásis; no exílio
encontram-se almas. Emily de Putron foi uma dessas encantadoras almas
encontradas.
Venho pagar-lhe a
dívida do exílio consolado. Eu a abençoo na profundeza da sombra. Em nome das
aflições sobre as quais ela resplandeceu docemente, em nome das provações do
destino, para ela acabadas, para nós continuadas; em nome de tudo o que ela esperou
outrora e de tudo o que obtém hoje, em nome de tudo o que ela amou, abençoo
esta morte, abençoo-a na sua grandeza, na sua juventude, na sua ternura, na sua
vida e na sua morte; abençoa na sua branca túnica sepulcral, na sua missão que
deixa desolada, no seu caixão, que sua mãe encheu de flores e que Deus vai
encher de estrelas!
A estas notáveis palavras não
falta absolutamente senão a palavra Espiritismo. Elas não expressam somente uma
crença vaga na alma e em sua sobrevivência; ainda menos o frio nada, sucedendo
à atividade da vida, enterrando para sempre sob o seu manto de gelo o Espírito,
a graça, a beleza, as qualidades do coração; também não é a alma abismada neste
oceano do infinito, que se chama o todo universal; é bem o ser real,
individual, presente em nosso meio, sorrindo aos que lhe são caros, vendo-os, escutando-os,
falando-lhes pelo pensamento. Que de mais belo, de mais verdadeiro que estas
palavras:
Amar é viver além da
vida. Sem esta fé, nenhum dom perfeito do coração seria possível; amar, que é o
objetivo do homem, seria o seu suplício. O paraíso seria o inferno. Não! Digamos
bem alto, a criatura amante exige a criatura imortal. O coração necessita da
alma.” Que ideia mais justa da morte, do que esta: “O prodígio desta grande
partida celeste, que chamam morte, é que os que partem não se afastam. Estão
num mundo de claridade, mas assistem, como testemunhas enternecidas, ao nosso
mundo de trevas... Estão no alto, e muito perto. Ó, quem quer que sejais, que
vistes desaparecer na tumba um ente querido, não vos julgueis abandonados por ele.
Está sempre lá.
Está ao vosso lado
mais que nunca. É um erro acreditar que tudo se perde na obscuridade desta
fossa aberta. Aqui tudo reaparece. O túmulo é um lugar de restituição. Aqui a
alma retoma o infinito; aqui ela readquire a sua plenitude.
Não é exatamente o que ensina o
Espiritismo? Mas aos que pudessem julgar-se vítimas de uma ilusão, ele vem
aliar à teoria a sanção do fato material, pela comunicação dos que partiram,
com os que ficam. Que há, pois, de tão desarrazoado em crer que esses mesmos
seres, que estão ao nosso lado com um corpo etéreo, possam entrar em relação
conosco?
Ó vós, cépticos, que rides de
nossas crenças, rides, então, dessas palavras do poeta-filósofo, cuja alta
inteligência reconheceis! Direis que é um alucinado? Que é louco quando crê na manifestação
dos Espíritos? É louco quem escreveu:
Tenhamos compaixão
dos punidos. Ah! Que somos nós mesmos? Que sou eu, eu que vos falo? Que sois
vós, vós que me escutais? De onde viemos? É bem certo que nada fizemos antes de
nascer? A Terra não deixa de assemelhar-se a uma masmorra. Quem sabe se o homem
não é um reincidente da justiça divina? Olhai a vida de perto; ela é feita
assim para que se sinta a punição em toda parte. (Os Miseráveis, 7º volume,
livro VII, capítulo 1º).
Não está aí a preexistência da
alma, a reencarnação na Terra; a Terra mundo de expiação? (Vide a Imitação do Evangelho, números 27, 46,
47).
Vós que negais o futuro, que
estranha satisfação é a vossa de vos comprazerdes ao pensamento do
aniquilamento do vosso ser, daqueles a quem amastes! Oh! Tendes razão de temer
a morte, porquanto, para vós, é o fim de todas as vossas esperanças.
Tendo sido lido o discurso acima
na Sociedade de Paris, na sessão de 27 de janeiro de 1865, o Espírito da jovem
Emily de Putron, que, por certo, o escutava e partilhava da emoção da assistência,
manifestou-se espontaneamente pela Sra. Costel e ditou as seguintes palavras:
As palavras do poeta
correram como um sopro sonoro sobre esta assembleia; fizeram estremecer os
vossos Espíritos; evocaram minha alma, que ainda flutua incerta no éter
infinito!
Ó, poeta, revelador
da vida, bem conheces a morte, pois não coroas com ciprestes aqueles a quem
choras, mas prendes às suas frontes as frágeis violetas da esperança! Passei
rápida e ligeira, apenas aflorando as comoventes alegrias da vida; ao final do dia
fui arrebatada sobre o trêmulo raio que morria no seio das ondas.
Ó minha mãe, minha
irmã, minhas amigas, grande poeta! não choreis mais; ficai atentos! O murmúrio
que roça os vossos ouvidos é o meu; o perfume da flor pendente é o meu suspiro.
Misturo-me à grande vida para melhor penetrar o vosso amor. Somos eternos; o
que não teve começo não pode acabar, e o teu gênio, ó poeta, semelhante ao rio
que corre para o mar, encherá a eternidade com o poder que é força e amor!
Emily
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