Jasmin
Fox-Skelly - BBC Future - 01 março 2020
Quando a vida complexa surgiu na
Terra antiga, não se parecia com nada que conhecemos hoje.
No extremo sudeste de Terra
Nova, no Canadá, falésias acidentadas se elevam de maneira imponente sobre o
mar. As rochas escarpadas são conhecidas como Mistaken Point (Ponto Errado, em tradução livre), uma homenagem aos
muitos navios que encontraram seu fim prematuro no local depois que os
marinheiros os confundiram com outros lugares.
Agora, os penhascos selvagens e
irregulares são famosos por outro motivo. Eles estão no centro de um debate
sobre um dos maiores mistérios da Terra — exatamente como e quando a vida
complexa evoluiu pela primeira vez.
"Se você andar pelas
rochas, encontrará superfícies cobertas literalmente por milhares de fósseis",
diz Frankie Dunn, paleobiologista da Universidade de Oxford.
Os fósseis foram preservados há cerca de 570
milhões de anos durante o período Ediacarano[2],
quando uma série de erupções vulcânicas cobriu o fundo do mar de cinzas,
proporcionando um "instante" de vida na época.
"A maneira como eu
descreveria isso é como andar por Pompeia, você pode ver os fantasmas das
criaturas que moravam ali enterrados sob cinzas vulcânicas; é realmente uma
experiência incrível”, diz Dunn.
Os fósseis ediacaranos anunciam
um momento divisor de águas na história da Terra — nos quatro bilhões de anos
anteriores, os oceanos haviam sido preservados por micróbios unicelulares, mas
de repente estavam repletos de uma nova vida complexa. E que vida estranha era
essa. As criaturas não se parecem com as vistas hoje.
Algumas, como os rangeomorfos, se assemelhavam a
samambaias gigantes. Outros tinham uma aparência de arbusto ou repolho. Muitos
pareciam sacos sem forma, ou travesseiros finos e acolchoados, enquanto outros
tinham uma semelhança com enormes canetas marinhas.
"A maioria dos ediacaranos
é de corpo molenga, como o de uma lula", diz Simon Darroch,
paleontologista da Universidade Vanderbilt, no Tennessee. "A capacidade de
formar conchas ou esqueletos não evoluiu até o final do período ediacarano".
As formas bizarras e os planos
corporais confundem há muito tempo os cientistas, que lutam para colocar as
criaturas na árvore da vida.
"Em vários pontos da
história, dissemos que eles são tudo isso ou tudo aquilo", diz Darroch.
"Em um ponto, todos eles
eram águas-vivas e, em outro, todos foram um reino esquecido e perdido da vida
animal que foi extinto. Nos últimos 20 anos, ficou claro que eles provavelmente
representavam toda uma variedade de organismos e fauna, alguns dos quais eram
animais".
O que está claro é que os
animais surgiram pelo menos 40 milhões de anos antes da "explosão Cambriana",
período de 541 milhões de anos atrás, que viu o súbito aparecimento no registro
fóssil de animais exibindo partes do corpo reconhecíveis, como barbatanas,
pernas, conchas e esqueletos. A maioria dos ancestrais dos animais modernos
pode ser rastreada até esse ponto.
No entanto, o maior mistério em
torno dos ediacaranos foi o que aconteceu com eles. Em um ponto, eles devem ter
prosperado: fósseis de rangeomorfos e outros foram descobertos em todo o mundo.
Da Rússia à Austrália e da Namíbia à China. No entanto, eles desapareceram
repentinamente do registro fóssil aproximadamente 30 milhões de anos após a sua
chegada.
Ascensão dos
cambrianos
A chave para descobrir o que
aconteceu pode estar em uma coleção de fósseis conhecida como "Grupo
Nama", no sul da Namíbia. Cerca de 560 milhões de anos atrás, a Terra
estava descongelando na Era Glacial, e essa área foi inundada com água glacial,
formando um mar raso. Você pode caminhar centenas de quilômetros em qualquer
direção e ver registros dos animais que ali viviam, dispostos na superfície das
rochas.
A região é notável por ser um
dos únicos lugares que registram a transição entre os períodos Ediacarano e
Cambriano — um dos tempos mais biologicamente turbulentos da história da Terra.
Em 2013, Darroch encontrou
vastos campos que pareciam tocas feitas no sedimento de Nama — sinais de que
esses animais mais jovens estavam se alimentando e agitando o fundo do mar.
"A maioria dos ediacaranos
eram animais bastante simples — eles não se moviam ou faziam muito, e tendiam a
viver perto de sua fonte de alimento — como tapetes microbianos pegajosos
encontrados no fundo do mar", diz Darroch.
"No entanto, na Namíbia, a
partir de 540 milhões de anos atrás, há um aumento constante na intensidade e
diversidade de diferentes comportamentos de escavação, sugerindo que os animais
eram mais móveis e se tornavam mais espertos na maneira como procuravam comida".
Darroch argumenta que a chegada
desses animais mais modernos, do estilo cambriano, pode ter mudado o ambiente
de uma maneira que os ediacaranos simplesmente não gostaram, por exemplo,
agitando sedimentos e perturbando tapetes microbianos, dificultando a
alimentação dos ediacaranos.
Algumas das tocas do sedimento
também se pareciam exatamente com as criadas pelas anêmonas do mar — um animal
predador. Se predadores estivessem presentes, aquele certamente seria o ponto
de morte para os ediacaranos, que seriam incapazes de escapar.
No entanto, outros cientistas
são céticos sobre essa teoria.
"Essas formas coexistiram
pacificamente por milhões de anos, e há evidências que sugerem que elas estavam
vivendo em diferentes partes do mar, então eles podem não ter necessariamente
interagido ecologicamente entre si", diz Rachel Wood, professora de
Geociência Carbonática na Universidade de Edimburgo.
Evento catastrófico
Uma ideia alternativa que ganha
maior adesão entre os cientistas é que uma queda nos níveis de oxigênio do
oceano poderia ter causado a primeira extinção em massa da vida na Terra,
comparável ao impacto de asteroides que arrasou os dinossauros.
Os geólogos são capazes de
descobrir como eram os níveis de oxigênio no oceano milhões de anos atrás,
medindo as quantidades relativas de diferentes tipos de urânio encontrados nas
rochas sedimentares formadas na época. As rochas absorvem uma forma mais pesada
de urânio quando cercadas por águas com pouco oxigênio, e uma forma mais leve
quando os níveis de oxigênio estão altos.
Usando esse método, cientistas
mostraram que os níveis de oxigênio no oceano flutuavam muito durante o período
Ediacarano, com os níveis subindo pouco antes do aparecimento dos primeiros
animais e diminuindo pouco antes do seu desaparecimento.
Um estudo calculou que a
porcentagem do fundo do oceano coberta por água com baixo oxigênio (anóxica)
poderia ter subido para mais de 60% ou 70%. Em comparação, o valor dos oceanos
modernos é de cerca de 0,1%.
"Temos evidências
quantitativas de uma expansão global da anoxia no oceano, que está intimamente
relacionada em termos de tempo ao desaparecimento dos animais
ediacaranos", diz Xiao Shuhai, paleobiólogo e geobiólogo da Virginia Tech
University, que participou desse estudo.
Como as águas pobres em oxigênio
corriam sobre os mares rasos onde a primeira vida animal estava prosperando,
algumas espécies teriam mais condições de lidar com as novas condições do que
outras.
"Muitos animais ediacaranos
eram sésseis, o que significa que não se mexiam", diz Shuhai. "Assim,
se houvesse uma rápida mudança ambiental, eles não teriam sido capazes de se
adaptar e, portanto, seriam mais suscetíveis à extinção".
"Se você é móvel, como
muitos animais do estilo cambriano, tem uma chance maior de sobreviver, se
mudar para um oásis de oxigênio, como pequenos bolsões de oxigênio ou refúgios
de oxigênio em águas rasas".
O que quer que estivesse por
trás de sua queda, o fim dos ediacaranos poderia realmente ter aberto o caminho
para a explosão Cambriana da vida animal que se seguiu.
"Se você observar qualquer
período de tempo geológico, verá frequentemente esses eventos de reviravolta,
nos quais taxas elevadas de extinção são seguidas por taxas elevadas de
especiação — parece que é assim que a vida progride", diz Rachel Wood.
"Uma vez que as coisas
evoluam para um nicho, você precisa usar muita energia para se livrar delas;
portanto, se algo aparecer e remover essas formas, significa que outras coisas
poderão evoluir para ocupar esses nichos novamente".
[2] Na escala de tempo geológico, o Ediacarano é o período
da era Neoproterozóica do éon Proterozoico que está compreendido entre 630 e
542 milhões de anos atrás, aproximadamente. O período Ediacarano sucede ao
período Criogeniano de sua era e precede o período Cambriano da era Paleozoica
do éon Fanerozoico. (Wikipédia)
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