Allan Kardec
Escrevem-nos de Lyon em 12 de
julho de 1865:
Caro Senhor Kardec,
Na qualidade de espírita, venho recorrer à vossa gentileza e pedir
alguns conselhos relativamente à prática da mediunidade curadora pela imposição
das mãos. Um simples artigo a respeito na Revista Espírita, contendo alguns
desenvolvimentos, seria acolhido, tenho certeza, com grande interesse, não só
pelos que, como eu, se ocupam desta questão com ardor, mas ainda por muitos
outros a quem a leitura poderia inspirar o desejo de também dela se ocuparem.
Lembro-me sempre das palavras de uma sonâmbula que eu tinha formado. Eu a
mandava visitar, durante o sono magnético, uma doente a distância, e à minha
pergunta como poderia curá-la, disse ela: Há alguém em seu vilarejo que o
poderia. É fulano. Ele é médium curador, mas nada sabe disto.
Não sei até que ponto essa faculdade é especial; cabe a vós apreciá-la,
mais do que a qualquer outro. Mas se realmente o for, quanto seria desejável
que sobre esse ponto chamásseis a atenção dos espíritas. Todos os que vos
lessem, mesmo fora de nossas opiniões, não poderiam sentir qualquer repugnância
em experimentar uma faculdade que só reclama fé em Deus e oração. Que de mais
geral e mais universal? Não se trata mais de Espiritismo e, nesse terreno, cada
um pode conservar suas convicções. Quantas irmãs de caridade, quantos bons
curas do campo, quantos milhares de pessoas piedosas, ardentes pela caridade,
poderiam ser médiuns curadores! É o que sonho em todas as religiões, em todas
as seitas. Essa faculdade, esse presente divino da bondade do Criador, em vez
de ser o apanágio de alguns, cairia, se assim me posso exprimir, no domínio
público, já que é aceita em toda parte. Seria um belo dia para os que sofrem, e
os há tanto!
Mas, para exercitar essa faculdade, independentemente de uma fé viva e
da prece, há condições a reunir, procedimentos a seguir, a fim de que sua
atuação seja a mais eficaz possível. Qual a parte do médium na imposição das
mãos? Qual a dos Espíritos? É preciso empregar a vontade, como nas operações
magnéticas, ou limitar-se a orar, deixando a influência oculta agir à vontade?
Essa faculdade é, realmente, especial ou acessível a todos? O organismo aí
representa um papel? E que papel? Essa faculdade é desenvolvível? E em que
sentido?
É aqui que vossa longa experiência, vossos estudos sobre as influências
fluídicas, o ensino dos Espíritos elevados que vos assistem e, enfim, os
documentos que recolheis de todos os recantos do globo vos podem permitir
esclarecer-nos e instruir-nos; ninguém como vós está colocado nessa posição
única. Estou certo de que todos os que se ocupam desta questão desejam vossos conselhos
tanto quanto eu, e creio fazer-me o intérprete de todos.
Que mina fecunda é a mediunidade curadora! Aliviar-se-á ou curar-se-á o
corpo e, pelo alívio ou pela cura, encontrar-se-á o caminho do coração, onde
muitas vezes a lógica havia falhado. Quantos recursos possui o Espiritismo! Como
é rico de meios a que está chamado a servir! Não deixemos nenhum improdutivo;
que tudo concorra para o elevar e espalhar. Para tanto nada poupareis, senhor
Kardec; e depois de Deus e dos Espíritos bons, o Espiritismo vos deve o que é.
Já tendes uma recompensa neste mundo pela simpatia e pela afeição de milhões de
corações que oram por vós, sem contar a verdadeira recompensa que vos espera num
mundo melhor.
Tenho a honra, etc.
A. D.
O que nos pede nosso honrado
correspondente é nada menos que um tratado sobre a matéria. A questão foi
esboçada em O Livro dos Médiuns e em
muitos artigos da Revista, a
propósito dos casos de curas e de obsessões; está resumida em O Evangelho segundo o Espiritismo, a
propósito das preces pelos doentes e dos médiuns curadores. Se um tratado
regular e completo ainda não foi feito, isto se deve a duas causas: a primeira
é que, malgrado toda atividade que desenvolvemos em nossos trabalhos, é-nos impossível
fazer tudo ao mesmo tempo; a segunda, que é mais grave, está na insuficiência
das noções que a respeito se possuem.
O conhecimento da mediunidade
curadora é uma das conquistas que devemos ao Espiritismo; mas o Espiritismo,
que começa, ainda não pode ter dito tudo; não pode, de um só golpe, mostrar-nos
todos os fatos que abarca; diariamente os mostra novos, dos quais decorrem
novos princípios, que vêm corroborar ou completar os que já conhecíamos, mas
precisamos de tempo material para tudo.
A mediunidade curadora deveria
ter a sua vez; embora parte integrante do Espiritismo, ela é, por si só, toda
uma ciência, porque se liga ao magnetismo, e não só abarca todas as doenças propriamente
ditas, mas todas as variedades, tão numerosas e tão complexas, das obsessões, que,
por seu turno, também influem sobre o organismo. Não é, pois, em poucas
palavras que se pode desenvolver um assunto tão vasto. Nele trabalhamos, como
em todas as outras partes do Espiritismo; mas como aí nada queremos introduzir
por nossa própria conta e que seja hipotético, procedemos pela via da
experiência e da observação. Como os limites deste artigo não nos permitem
dar-lhe o desenvolvimento que comporta, resumimos alguns dos princípios
fundamentais que a experiência consagrou.
1 – Os médiuns que obtêm indicações de remédios, da parte
dos Espíritos, não são aquilo que chamamos médiuns curadores, pois não curam
por si mesmos; são simples médiuns escreventes, que têm uma aptidão mais
especial que outros para esse gênero de comunicações e que, por esta razão,
podem ser chamados médiuns consultores,
como outros são médiuns poetas ou desenhistas. A mediunidade curadora é
exercida pela ação direta do médium sobre o doente, com o auxílio de uma
espécie de magnetização de fato ou de pensamento.
2 – Quem diz médium
diz intermediário. Há uma diferença
entre o magnetizador propriamente dito e o médium curador: o primeiro magnetiza
com seu fluido pessoal, e o segundo com o fluido dos Espíritos, ao qual serve
de condutor.
O magnetismo produzido pelo fluido do homem é o magnetismo humano; o que provém do
fluido dos Espíritos é o magnetismo
espiritual.
3 – O fluido magnético tem, pois, duas fontes bem distintas:
os Espíritos encarnados e os Espíritos desencarnados.
Essa diferença de origem produz uma grande diferença na qualidade
do fluido e nos seus efeitos.
O fluido humano está sempre mais ou menos impregnado das
impurezas físicas e morais do encarnado; o dos Espíritos
bons é necessariamente mais puro e, por isto mesmo, tem propriedades mais
ativas, que levam a uma cura mais rápida. Mas, passando através do encarnado,
pode alterar-se, como acontece com a água límpida ao passar por um vaso impuro,
e como sucede com todo remédio, se permanecer num vaso sujo, perdendo, em parte,
suas propriedades benéficas. Daí, para todo verdadeiro médium curador, a
necessidade absoluta de trabalhar a
sua depuração, isto é, o seu melhoramento moral, segundo o princípio vulgar:
limpai o vaso antes de vos servirdes dele, se quiserdes ter algo de bom. Só
isto basta para mostrar que não é qualquer um que pode ser médium curador, na
verdadeira acepção da palavra.
4 – O fluido espiritual será tanto mais depurado e benfazejo
quanto mais o Espírito que o fornece for mais puro e mais desprendido da
matéria. Concebe-se que o dos Espíritos inferiores deva aproximar-se do homem e
possa ter propriedades maléficas, se
o Espírito for impuro e animado de más intenções.
Pela mesma razão, as qualidades do fluido humano apresentam
matizes infinitos, conforme as qualidades físicas
e morais do indivíduo. É evidente que
o fluido emanado de um corpo malsão pode inocular princípios mórbidos no
magnetizado. As qualidades morais do magnetizador, isto é, a pureza de intenção
e de sentimento, o desejo ardente e desinteressado de aliviar o semelhante,
aliados à saúde do corpo, dão ao fluido um poder reparador que pode, em certos
indivíduos, aproximar-se das qualidades do fluido espiritual.
Seria, pois, um erro considerar o magnetizador como simples
máquina de transmissão fluídica. Nisto, como em todas as coisas, o produto está
na razão do instrumento e do agente produtor. Por estes motivos, seria
imprudência submeter-se à ação magnética do primeiro desconhecido. Abstração
feita dos conhecimentos práticos indispensáveis, o fluido do magnetizador é como
o leite de uma nutriz: salutar ou insalubre.
5 – Sendo o fluido humano menos ativo, exige uma magnetização
continuada e um verdadeiro tratamento, por vezes muito longo. Gastando o seu
próprio fluido, o magnetizador se esgota, pois dá de seu próprio elemento
vital; é por isto que ele deve, de vez em quando, recuperar suas forças. O
fluido espiritual, mais poderoso, em face de sua pureza, produz efeitos mais
rápidos e, muitas vezes, quase instantâneos. Como esse fluido não é o do magnetizador,
resulta que a fadiga é quase nula.
6 – O Espírito pode agir diretamente, sem intermediário,
sobre um indivíduo, como foi constatado em muitas ocasiões, seja para o aliviar
e o curar, se possível, seja para produzir o sono sonambúlico. Quando age por
um intermediário, é o caso da mediunidade
curadora.
7 – O médium curador recebe o influxo fluídico do Espírito,
ao passo que o magnetizador haure tudo de si mesmo. Mas os médiuns curadores,
na estrita acepção do termo, isto é, aqueles cuja personalidade se apaga
completamente diante da ação espiritual, são extremamente raros, porque essa
faculdade, elevada ao mais alto grau, requer um conjunto de qualidades morais, raramente
encontradas na Terra; só estes podem obter, pela imposição das mãos, essas
curas instantâneas que nos parecem prodigiosas. Pouquíssimas pessoas podem
pretender este favor.
Sendo o orgulho e o egoísmo as principais fontes das
imperfeições humanas, daí resulta que os que se vangloriam de possuir esse dom,
que por toda parte vão enaltecendo as curas maravilhosas que fizeram, ou que
dizem ter feito, que buscam a glória, a reputação ou o lucro, estão nas piores
condições para o obter, porque essa faculdade é privilégio exclusivo da
modéstia, da humildade, do devotamento e do desinteresse. Jesus dizia àqueles
a quem havia curado:
Ide dar graças a Deus e não o digais a ninguém.
8 – Sendo, pois, a mediunidade curadora pura uma exceção
aqui na Terra, resulta quase sempre uma ação simultânea do fluido espiritual e
do fluido humano; ou seja: os médiuns curadores são todos mais ou menos
magnetizadores, razão por que agem conforme os processos magnéticos. A
diferença está na predominância de um ou de outro fluido, e na maior ou menor rapidez
da cura. Todo magnetizador pode tornar-se médium curador, se souber fazer-se assistir por Espíritos
bons. Neste caso os Espíritos lhe vêm em ajuda, derramando sobre ele seu
próprio fluido, que pode decuplicar ou centuplicar a ação do fluido puramente
humano.
9 – Os Espíritos vêm aos que querem; não os pode constranger
nenhuma vontade; eles se rendem à prece, se esta for fervorosa, sincera, mas
nunca por injunção. Disto resulta que a vontade não pode dar a mediunidade
curadora e ninguém pode ser médium curador com desígnio premeditado.
Reconhece-se o médium curador pelos resultados que obtém, e não por sua pretensão de o ser.
10 – Mas se a vontade é ineficaz quanto ao concurso dos
Espíritos, é onipotente para imprimir ao fluido, espiritual ou humano, uma boa
direção e uma energia maior. No homem indolente e distraído, a corrente é fraca, a emissão é lenta; o fluido espiritual
para nele, mas sem que o aproveite. No homem de vontade enérgica, a corrente
produz o efeito de uma ducha. Não se deve
confundir a vontade enérgica com a obstinação, porque esta é sempre uma consequência
do orgulho ou do egoísmo, ao passo que o mais humilde pode ter a vontade do devotamento.
A vontade é ainda onipotente para dar aos fluidos as qualidades
especiais apropriadas à natureza do mal. Este ponto, que é capital, liga-se a
um princípio ainda pouco conhecido, mas que está em estudo: o das criações
fluídicas e das modificações que o pensamento pode produzir na matéria. O
pensamento, que provoca uma emissão fluídica, pode operar certas
transformações, moleculares e atômicas, como se veem ser produzidas sob a influência
da eletricidade, da luz ou do calor.
11 – A prece, que é um pensamento, quando fervorosa, ardente
e feita com fé, produz o efeito de uma magnetização, não só reclamando o
concurso dos Espíritos bons, mas dirigindo sobre o doente uma corrente fluídica
salutar. A respeito chamamos a atenção para as preces contidas em O Evangelho segundo o Espiritismo, pelos
doentes ou pelos obsediados.
12 – Se a mediunidade curadora pura é privilégio das almas
de escol, a possibilidade de abrandar certos sofrimentos, mesmo de curar certas
doenças, ainda que de maneira não instantânea, é dada a todos, sem que haja
necessidade de ser magnetizador. O conhecimento dos processos magnéticos é útil
em casos complicados, mas não indispensável. Como a todos é dado apelar aos
Espíritos bons, orar e querer o bem,
muitas vezes basta impor as mãos sobre uma dor para a acalmar; é o que pode
fazer qualquer pessoa, se trouxer a fé, o fervor, a vontade e a confiança em
Deus. É de notar que a maioria dos médiuns curadores inconscientes, os que
absolutamente não se dão conta de sua faculdade e que por vezes são encontrados
nas mais humildes posições, e em gente privada de qualquer instrução,
recomendam a prece e se socorrem orando. Apenas sua ignorância lhes faz crer na
influência de tal ou qual fórmula; às vezes até misturam práticas evidentemente
supersticiosas, às quais se deve conferir o valor que merecem.
13 – Mas porque se obteve resultados satisfatórios, uma ou
mais vezes, seria temerário considerar-se médium curador e daí concluir que se
pode vencer toda espécie de mal. Prova a experiência que, na acepção restrita
da palavra, entre os mais bem-dotados não há médiuns curadores universais. Este
terá restituído a saúde a um doente e nada produzirá sobre outro; aquele terá
curado um mal num indivíduo, mas não curará o mesmo mal outra vez, na mesma
pessoa ou em outra; enfim, aquele outro terá a faculdade hoje e não mais a terá
amanhã, podendo recuperá-la mais tarde, conforme as afinidades ou as condições
fluídicas em que se encontre.
14 – A mediunidade curadora é uma aptidão inerente ao indivíduo, como todos os gêneros de
mediunidade; mas o resultado efetivo dessa aptidão independe de sua vontade.
Incontestavelmente ela se desenvolve pelo exercício e,
sobretudo, pela prática do bem e da caridade; como, porém, não poderia ter a fixidez,
nem a pontualidade de um talento adquirido pelo estudo e do qual se é sempre
senhor, jamais poderia tornar-se uma profissão.
Seria, pois, abusivamente que alguém se anunciasse ao público
como médium curador. Estas reflexões não se aplicam aos magnetizadores, porque
a força está neles e estão livres para a utilizar.
15 – É um erro acreditar que os que não partilham de nossas
crenças não teriam a menor repugnância em experimentar esta faculdade. A
mediunidade curadora racional está
intimamente ligada ao Espiritismo, já que repousa essencialmente sobre o concurso
dos Espíritos. Ora, os que não creem nos Espíritos, nem na alma, e, ainda
menos, na eficácia da prece, não poderiam colocar-se nas condições requeridas,
pois isto não é coisa que se possa experimentar maquinalmente. Entre os que creem
na alma e em sua imortalidade, quantos ainda hoje não recuariam de pavor ante
um apelo aos Espíritos bons, por medo de atrair o demônio, e ainda acreditam de
boa-fé que todas essas curas sejam obra do diabo? O fanatismo é cego; não
raciocina. Por certo nem sempre será assim, mas ainda passará muito tempo antes
que a luz penetre em certos cérebros. Enquanto se espera, façamos o maior bem possível
com o auxílio do Espiritismo; façamo-lo mesmo aos nossos inimigos, ainda que
tivéssemos de ser pagos com ingratidão, pois é o melhor meio de vencer certas
resistências e de provar que o Espiritismo não é assim tão negro como alguns o
pretendem.
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