Marco Milani [2]
No início de janeiro de 2013
tive a oportunidade de conhecer e conversar com Dr. Marco Antonio Santamaría
Álvarez, professor titular de filologia grega no Departamento de Filologia Clássica
e Indoeuropeo da Universidade de Salamanca, Espanha.
Autor de diversos artigos
científicos sobre a cultura e os pensadores da Grécia Antiga, Santamaría também
é um dos organizadores, junto com os professores Alberto Bernabé Pajares e
Madayo Kahle, do livro lançado em 2011 na Espanha, intitulado Reencarnación: La
transmigración del alma entre Oriente y Occidente[3].
O livro reúne trabalhos inéditos
de destacados acadêmicos espanhóis e vem encontrando ótima recepção, tanto pelo
público acadêmico quanto pelo leitor em geral, já se cogitando uma versão
inglesa da obra.
Destaco aqui alguns trechos de
nossa conversa sobre o livro e a temática reencarnação.
Marco Milani: Em
um dos capítulos de sua autoria, aponta-se que Ferécides de Siro foi o primeiro
grego a divulgar que a alma é imortal e a tratar da ideia da transmigração da
alma, mas não se tem certeza sobre a origem das fontes de Ferécides. Quais são
as principais dificuldades para conhecê-las?
Marco Santamaría:
As informações que temos hoje relacionadas
às fontes de Ferécides, o qual supõe-se que viveu no século VI a.C., são de
origem tardia, encontradas principalmente em autores cristãos e neoplatônicos
dos séculos IV d.C. e V d.C., portanto há uma distância temporal significativa
entre eles, o que permite supor que esses autores refletiram algumas tradições.
Portanto, não se tem segurança para se afirmar sobre a origem dessas fontes e é
um ponto que ainda necessita ser desvendado.
Marco Milani: Poderia
uma experiência pessoal ter dado origem à crença propagada por Ferécides, ou
seja, uma situação ter gerado o ato cognitivo da descoberta, sem que ele
tivesse tido a necessidade de se basear em ideias anteriores para a construção
das relações entre os homens, deuses, a morte e a sobrevivência da alma?
Marco Santamaría:
É possível que os ensinamentos de
Ferécides sobre a alma provenham de experiências pessoais, mas não temos dados
suficientes sobre a sua vida e sua obra para nos assegurarmos disso. Nesse
aspecto, sabe-se que a postura e a experiência pessoal foram condições
necessárias para seguir determinadas escolas, como nos órficos e pitagóricos, e
ter acesso aos ensinamentos sobre os mistérios relacionados às questões
ontológicas.
Marco Milani: Há
pensadores que defendiam a sobrevivência e a imortalidade da alma que afirmavam
que uma das fontes de conhecimento era originada nas almas dos desencarnados?
Marco Santamaría:
Sócrates, segundo alguns diálogos de
Platão, tinha um gênio protetor um tanto misterioso que lhe transmitia
conhecimentos e lhe advertia sobre determinados fatos, mas não se considera
exatamente que essa teria sido a sua fonte. De forma geral a fonte dos
filósofos não se situava na relação com almas desencarnadas. Pode-se dizer que
a comunicação entre os homens e seres divinos estava presente na sociedade
grega por intermédio das pitonisas, porém esse tipo de conhecimento
relacionava-se à magia e aos seus mistérios.
Marco Milani: Era
importante para os filósofos uma experiência individual para a confirmação
dessas crenças?
Marco Santamaría:
Isso é muito claro nos casos de Pitágoras
e Empédocles. Sobre Pitágoras não se conservaram textos específicos, mas há
testemunhos antigos de que ele se apresentava como alguém em contato com os
deuses e com uma capacidade de se recordar de vidas passadas e reconhecer
almas, parecido com a figura de um sacerdote. Empédocles se apresentava de
maneira semelhante, com a capacidade de recordar vidas anteriores e
considerava-se um personagem com capacidades divinas entre os homens com dotes
especiais de curar e oferecer oráculos.
Marco Milani: Pode-se
considerar o orfismo e o pitagorismo como escolas que abraçavam a imortalidade
e a transmigração da alma em suas crenças e que influenciaram muitos
pensadores, tais como Empédocles, Parmênides, Sócrates e Platão. Supõe-se que
Ferécides tenha sido o mestre de Pitágoras. Qual seria a relação de Ferécides
com o orfismo?
Marco Santamaría:
Esta é uma questão complexa e muito
debatida, pois há inúmeras informações dispersas. Certamente existem pontos em
comum entre os órficos e o pensamento de Ferécides, assim como ocorre com os
pitagóricos, mas não se pode afirmar, com segurança, que as crenças órficas
decorreram de Ferécides em sua origem e vice-versa. O que se pode afirmar com
certeza é que todas essas correntes disseminavam a crença da imortalidade da
alma e da transmigração e esse fato é muito interessante e revolucionário, pois
na Grécia Antiga existia uma clara distinção entre os homens mortais e os
deuses imortais. Logo, as crenças órficas, pitagóricas e de Ferécides
contrapuseram-se, de certo modo, à concepção vigente na época entre os homens e
a divindade.
Marco Milani: De
maneira geral, pode-se afirmar que para os órficos e pitagóricos a alma
preexistiria ao corpo, participando de um ciclo de transmigrações, com
recompensas e castigos, objetivando a sua purificação e, nesse processo, ela
manteria a sua individualidade sem se confundir ou se perder no todo?
Marco Santamaría:
Exatamente. Para todas essas correntes a
alma manteria a individualidade, não havendo uma fusão com o todo nem extinção.
E nesse processo, o corpo seria apenas o cárcere de uma alma preexistente para
ser utilizado durante determinado período e depois a alma o abandonaria na
morte. A reencarnação seria uma espécie de castigo para a alma pagar alguma
culpa e conseguir se purificar e depois disso não mais teria que voltar em um
outro corpo. Alguns poemas da época tratam da questão paradoxal entre morrer no
corpo e viver na alma livre, simbolizando a morte na tumba de carne e a vida ao
se deixar o corpo e obter-se a liberdade. A recompensa para a alma depois do
período cíclico transmigratório seria estar junto aos deuses em uma região
feliz ou em um mundo celeste, como exposto pelo pitagorismo.
Marco Milani: Atualmente,
no âmbito acadêmico, a discussão sobre a sobrevivência da alma e sobre a
reencarnação não se limita aos círculos filosóficos, mas também está presente
em outras áreas do conhecimento científico. Cito, por exemplo, os trabalhos de
Ian Stevenson e seus continuadores, como Jim Tucker, da Universidade de
Virginia nos Estados Unidos. Assim, temos atualmente estudos que podem
apresentar evidências empíricas sobre a sobrevivência da alma e a reencarnação.
Como você percebe o impacto desses estudos empíricos nos debates filosóficos
sobre esses temas?
Marco Santamaría:
Parece-me muito interessante esses
estudos, mas não os conheço em profundidade, portanto não posso comentar
apropriadamente. Certamente todo o conhecimento decorrente de estudos empíricos
enriquecem os debates e permitem novas abordagens.
Marco Milani: De
maneira geral, como o tema reencarnação é tratado atualmente pelos espanhóis?
Marco Santamaría:
É um contexto um tanto paradoxal, porque
temos aqui na Espanha um paradigma religioso relacionado ao catolicismo, mas a
ideia de reencarnação está um tanto generalizada. Percebe-se uma difusão do
conhecimento da reencarnação, ainda que exista a oposição de representantes
católicos, mas acho isso muito compreensível diante da complexidade do ser
humano com um conglomerado de crenças. Chama-me a atenção a grande semelhança
existente entre crenças atuais e crenças antigas!
Depois dessa agradável conversa,
presenteei o professor Santamaría com um exemplar de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, em versão espanhola. Uma
vez que o professor Santamaría não conhecia o trabalho de Kardec, quem sabe
poderemos voltar a conversar, em futuro próximo, sobre a sobrevivência da alma
e a reencarnação considerando especificamente a perspectiva espírita?
[1] Publicado no jornal Correio Fraterno, edição 450 -
março/abril 2013.
[2] Marco Milani é economista, professor universitário e em
viagem à Espanha realizou esta entrevista para o Correio Fraterno.
[3] Pajares, A.B; Kahle M.; Santamaría Álvarez. M.A. (Org.).
Reencarnación: La transmigración del alma entre Oriente y Occidente. Madrid:
Abada Editores, 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário