Ademir Xavier
Continuação do post A [vide Questão
sobre o magnetismo animal e o nome "magnetismo" I, publicado
neste blog em 06/01/2019].
Kardec fez referência ao
magnetismo 'físico' (1) , assunto de nosso post anterior:
Quem, de magnetismo terrestre, apenas conhecesse
o brinquedo dos patinhos imantados que, sob a ação do imã, se movimentam em
todas as direções numa bacia com água, dificilmente poderia compreender que ali
está o segredo do mecanismo do Universo e da marcha dos mundos. (grifo meu)
Nada mais natural do que a
designação 'magnetismo animal' diante
de tantos magnetismos: 'ambárico', 'vitreo', da 'magnesia' e entre corpos
celestes ou 'gravitacional'. A semelhança entre o 'motus operandi' desse novo magnetismo para o dos magnetos ou
terrestre justificava a apropriação de nomes. Certamente, a figura de F. A.
Mesmer (1734-1815) é responsável pela uso desses termos no último quartel do
Século 18.
O próprio Kardec já afirmava que
a analogia era errônea:
Demonstrou a experiência
que não existe tal analogia ou que é apenas aparente. Assim a denominação não é
exata. Como, porém, foi consagrada pelo emprego universal, e como, por outro
lado, o epíteto que é adicionado não permite equívocos, haveria mais
inconveniente do que utilidade em substituir a expressão. (2)
O erro tinha a ver com a crença
de que se poderia usar imãs como instrumentos de cura no magnetismo animal. Do
que se tratava o novo fenômeno?
Kardec define de forma bastante
didática e sumária esse novo 'magnetismo':
O magnetismo animal pode
assim ser definido: ação recíproca de dois seres vivos por meio de um agente
especial chamado fluído magnético.
(2)
Essa definição nos leva a outro
termo: o fluido magnético. Como no
caso da apropriação que aconteceu com o próprio termo 'magnetismo', aqui
também, por uma sequência de assimilações agora no mecanismo de atuação do
fenômeno, um fluido é evocado como responsável pela intermediação dos efeitos.
A floresta terminológica agora se adensa, porque mais de um nome é usado para o
mesmo fluido: fluido vital, fluido nervoso etc.
Não só isso: chegamos a uma
bifurcação conceitual importante, que está na raiz dos conceitos de cura
frequentemente tema de dissertações espíritas, e as explicações da moderna
ciência médica propriamente dita.
Para alguns, o princípio vital é uma propriedade da
matéria, um efeito que se produz quando a matéria se acha em dadas
circunstâncias. Segundo outros, e esta é a ideia mais comum, ele reside em um
fluido especial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila
uma parcela durante a vida, tal como os corpos inertes absorvem a luz. Esse
seria então o fluido vital que, na opinião de alguns, em nada difere do fluido
elétrico animalizado, ao qual também se dão os nomes de fluido magnético,
fluido nervoso etc. (3) (grifo nosso).
Kardec parecia estar bem informado a respeito do
debate entre o fisicalismo e o vitalismo, conforme esse trecho acima
sugere. O vitalismo é uma linha de raciocino que argumenta ser a vida
essencialmente irredutível às leis físicas. Para o fisicalismo, a vida nada
mais é do que uma manifestação mecânica dessas leis. Embora seja crença
universal que o fisicalismo ganhou o debate, as grandes mudanças que
aconteceram em nossa compreensão sobre as leis físicas podem ainda revelar
surpresas (4). De qualquer forma, seja porque tivesse preferência pelo
vitalismo ou porque os Espíritos usaram largamente o fluido magnético como
explicação para muitas curas, Kardec tomou claramente a via não fiscalista
(4b).
O magnetismo animal continua
vivo por meio de inúmeros tratamentos alternativos e complementares tais como o
passe espírita, o toque terapêutico, o Reiki dentre outros.
A ideia de que um fluido é
transmitido entre seres vivos sustenta um número grande de terapias
alternativas, como é o caso do Reiki, do Jorrei, do Toque Terapêutico e do
próprio passe espírita. Independente de qual 'teoria' esteja certa no contexto
do debate considerado 'terminado' entre o vitalismo e o fisicalismo, evidências
importam na demonstração de que, de fato, 'algo' é transferido entre os seres
vivos, notadamente de curadores para pacientes e também para outros seres
vivos. Basta uma simples pesquisa para
se levantar uma quantidade grande de estudos que mostram a existência do efeito
(5), independente da opinião de céticos:
o
O "toque terapêutico estimula a
proliferação de células humanas em culturas", ver (5), ref. 2.
o
O "impacto potencial do tratamento do
biocampo sobre células de tumor cerebral" (5, ref. 7).
o
"Efeito do passe espírita no crescimento de
culturas de bactérias." (5, ref. 8)
o
"O Toque Terapêutico tem efeitos
significativos sobre metástases de câncer mamário de ratos e resposta
imunológica, mas não sobre tamanho do tumor primário". (5 ref. 9)
o
"O Johrei, uma técnica de cura Japonesa, é
capaz de aumentar o crescimento de cristais de sucrose". (5, ref .10)
Para mim está claro que o
magnetismo animal sobrevive como causa desses fenômenos. Os efeitos, porém, são
pequenos (6), não só porque se desconhece os mecanismos pelos quais eles
poderiam ser aumentados, como também, a despeito da boa vontade, muitos dos
'doadores de fluidos' não dispõem de recursos maiores. Hoje o magnetismo animal
encontra-se travestido por outros nomes tais como 'biocampo', 'terapias energéticas'
e 'campo energético', entretanto, trata-se do mesmo efeito de ação à distância
entre seres vivos.
A transformação do
magnetismo de Mesmer em Hipnotismo
Desde o início do magnetismo
animal, era necessário dar uma explicação convincente sobre as inúmeras curas e
comportamentos insólitos observados junto aos pacientes tratados por Mesmer.
Por 'convincente' entende-se explicações que satisfaçam ao senso comum e que
fossem aceitas amplamente.
Já em 1784, uma comissão de
notáveis (7) organizada pelo Rei Luís XVI - a incluir Lavoisier e Franklin -
verificou a realidade das curas obtidas por ele. O objetivo da comissão era não
só atestar as curas, mas também saber se a explicação dada por Mesmer (que
envolvia o fluido magnético) era correta. Como tal fluido não pôde ser visto,
ela concluiu pela sua inexistência. A comissão também concluiu que as curas
observadas eram devidas ao efeito da 'imaginação' dos pacientes.
Começava então a fase das
explicações de produto da sugestão, a partir de trabalhos de Abbe Faria
(1756-1819) e James Braid (1795-1860), que criou o termo hipnotismo. A partir de então, por um processo de assimilação e
explicação simplificada, o magnetismo animal foi associado inteiramente ao
hipnotismo como explicação. Nas palavras de Braid:
...E em oposição ao
Mesmerismo Transcendental (a saber, metafísico)
dos mesmeristas... [supostamente] induzido pela transmissão de uma influência
oculta do [corpo do operador para o do sujeito], o Hipnotismo, [pelo qual] eu quero dizer uma condição peculiar do
sistema nervoso, na qual ele pode ser lançado por uma manobra artificial ...[é
uma posição teórica] inteiramente consistente com os princípios geralmente
admitidos da ciência fisiológica e psicológica e, portanto [deve ser mais
apropriadamente] chamado Mesmerismo
Racional. (8)
A ideia de que pessoas seriam
'sugestionáveis' ou poderiam cair em um estado de percepção exacerbada foi
tanto uma descoberta como uma explicação conveniente para os desafetos de
Mesmer, que incluíam grande parte do mundo médico de sua época, praticantes de
uma medicina que pouco tinha evoluído desde a antiguidade. Essa explicação,
entretanto, desconsiderou sem razão as inúmeras curas e peculiaridades dos
fenômenos do magnetismo animal. E curas o hipnotismo não foi capaz de prodigalizar,
ainda que se integrasse à prática médica (9).
Com vimos, o que fazer com as centenas de evidências de alterações
observadas em tecidos biológicos por meio do processo de imposição de mãos?
É inquestionável que o fenômeno
hipnótico existe, porém, ele não é a explicação correta para o magnetismo
animal, que permanece como um fenômeno de fronteira.
Conclusões
A explicação popular de que o
mesmerismo ou magnetismo animal nada mais é do que um fenômeno de sugestão,
modernamente conhecida como hipnotismo, é falsa.
O magnetismo animal sobrevive conforme atestam centenas de trabalhos
científicos com amostras inanimadas ou com vida orgânica simples, desbancando
as 'teorias de placebo', que propõem esse efeito como causa única das curas observadas em humanos.
Não obstante isso, o efeito
placebo e o hipnotismo existem e são amplamente usados em medicina.
Provavelmente o placebo é de causa ainda mais complexa, porque envolve um ser
consciente que pode atuar sobre si. Todos esses efeitos secundários
(sugestibilidade, excitabilidade etc.) podem atuar junto ao magnetismo animal,
tornando ainda mais difícil compreender o fenômeno da cura observado em seus
diversos componentes.
Tanto os termos 'fluido
magnético' como 'sugestão' ou 'placebo' são contêineres genéricos que carecem,
eles mesmos da determinação de causas subjacentes. Embora seja possível traçar
a atuação bioquímica de processos metabólicos que induzam ou suprimam os
sintomas de várias doenças, existem inúmeros caminhos desconhecidos que também
desembocam nesses processos, resultando nos mesmos efeitos. Considero
particularmente problemático chamar esses mecanismos de 'não-físicos', visto
que tudo que existe na Natureza pode ser explicado por uma via racional,
dispensando-se qualificativos 'místicos' ou 'miraculosos'.
Para complicar ainda mais as
coisas, o Espiritismo vai além e descobriu um terceiro elemento na complexa cadeia de processos de cura: os
Espíritos desencarnados. Um médium de cura é um curador ou magnetizador capaz
de manipular o fluido magnético potencializado pela ação dos Espíritos. Os Espíritos
podem tanto aumentar a capacidade curativa do fluido como suprimi-la
completamente. Essa é a razão, talvez, porque muitos desses fenômenos não
ocorrem de forma homogênea em todos os lugares da Terra. Também é a razão para
não acreditar que eles possam atualmente prover uma terapia bem definida, ainda
que complementar, tendo em vista seu caráter incontrolável.
Referências e
comentários
(1) A. Kardec. O Livro dos
Espíritos. 4a Parte, "Das esperanças e consolações". Conclusão, I. Versão
www.ipeak.com
(2) A. Kardec. Instruções práticas
sobre as manifestações espíritas. Termo "Magnetismo animal".
Kardecpedia.com
(3) A. Kardec. O Livro dos Espíritos. "Introdução
ao Estudo da Doutrina Espírita", II. Versão www.ipeak.com
(4) Aqui temos claramente
um problema pois, se entendemos por 'leis físicas' aquelas conhecidas no século
19, o fisicalismo disso resultante deixará muito a desejar. Mas, não parece ser
fácil negar esse argumento mesmo com a física moderna, afinal quem tem certeza
de que temos as leis finais ?
(4b) A posição de Kardec
pode também ter sido motivada pela identificação mais forte do fisicalismo com
o materialismo.
(5) Ver, por exemplo:
Burden, B., Herron-Marx, S., & Clifford, C. (2005). The increasing
use of Reiki as a complementary therapy in specialist palliative care.
International Journal of Palliative Nursing, 11(5), 248-253.
Gronowicz, G. A., Jhaveri, A., Clarke, L. W., Aronow, M. S., &
Smith, T. H. (2008). Therapeutic touch stimulates the proliferation of human
cells in culture. The Journal of Alternative and Complementary Medicine, 14(3),
233-239.
Radin, D., Schlitz, M., & Baur, C. (2015). Distant Healing Intention
therapies: An overview of the scientific evidence. Global advances in health
and Medicine, 4(1_suppl), gahmj-2015.
Monroe, C. M. (2009). The effects of therapeutic touch on pain. Journal
of Holistic Nursing, 27(2), 85-92.
VanderVaart, S., Gijsen, V. M., de Wildt, S. N., & Koren, G. (2009).
A systematic review of the therapeutic effects of Reiki. The Journal of
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Wardell, D. W., & Engebretson, J. (2001). Biological correlates of Reiki
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Trivedi, M. K., Patil, S., Shettigar, H., Mondal, S. C., & Jana, S.
(2015). The potential impact of biofield treatment on human brain tumor cells:
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ouvertes. https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-01416895/document
Lucchetti, G., de Oliveira,
R. F., de Bernardin Gonçalves, J. P., Ueda, S. M. Y., Mimica, L. M. J., &
Lucchetti, A. L. G. (2013). Effect of Spiritist “passe”(Spiritual healing) on
growth of bacterial cultures. Complementary therapies in medicine, 21(6),
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Gronowicz, G., Secor, E. R., Flynn, J. R., Jellison, E. R., & Kuhn,
L. T. (2015). Therapeutic touch has significant effects on mouse breast cancer
metastasis and immune responses but not primary tumor size. Evidence-Based
Complementary and Alternative Medicine, 2015. http://downloads.hindawi.com/journals/ecam/2015/926565.pdf
Teixeira, P. C. N., Rocha,
H., & Neto, J. A. C. (2010). Johrei, a Japanese healing technique, enhances the
growth of sucrose crystals. Explore: The
Journal of Science and Healing, 6(5), 313-323.
(6) Com isso queremos dizer
que não é possível a cura ostensiva de doenças. A grande maioria dos trabalhos
tratado do alívio e da melhora dos sintomas associados a determinadas
enfermidades que são devidamente acompanhadas por seus tratamentos médicos.
Isso não significa que a cura completa de doenças não possa acontecer por meio
do magnetismo animal. Para isso importa determinar o mecanismo de sua atuação
que tornaria possível o seu controle e aumentar seus efeitos.
(7) IML Donalson (20150. Reports on the Royal Commission of 1784 on
Mesmer's system of Animal Magnetism. Disponível
em :
(8) J. Braid (1850). "Observations on Trance: Or, Human
Hybernation". "Ver vocábulo
'Animal Magnetism' na Wikipedia.
(9). De fato, a hipnose não
constitui terapia. Ver Spiegel, H., & Spiegel, D. (2008). Trance and treatment:
Clinical uses of hypnosis. American Psychiatric Pub.
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