A passagem seguinte, tirada de
Santo Atanásio, patriarca de Alexandria, um dos pais da Igreja grega, parece
ter sido escrita sob a inspiração das ideias espíritas de hoje:
A alma não morre,
mas o corpo morre quando dele ela se afasta. A alma é para si mesma seu próprio
motor; o movimento da alma é a sua vida. Mesmo quando está prisioneira no corpo
e como que a ele ligada, ela não se amesquinha às suas estreitas proporções e
aí não se encerra. Mas muitas vezes, quando o corpo jaz imóvel e como que
inanimado, ela fica desperta por sua própria virtude; e, saindo da matéria, não
obstante a ela ainda ligada, concebe, contempla existências além do globo
terrestre; vê os santos desprendidos do envoltório dos corpos, vê os anjos e a
eles ascende na liberdade de sua pura inocência.
Inteiramente
separada do corpo e quando aprouver a Deus tirar-lhe a cadeia que lhe é
imposta, não terá ela, eu vos pergunto, uma visão muito mais clara de sua
natureza imortal? Se hoje mesmo, e nos entraves da carne, ela já vive uma vida completamente
exterior, viverá muito mais depois da morte do corpo, graças a Deus que, por
seu Verbo, a fez assim. Ela compreende, abarca em si as ideias de eternidade,
de infinito, pois é imortal.
Assim como o corpo,
que é mortal, não percebe senão o que é material e perecível, também a alma,
que vê e medita as coisas imortais, é necessariamente imortal em si mesma e
viverá sempre, porque os pensamentos e as imagens de imortalidade jamais a deixam
e nela são como um foco vivo, que alimenta e assegura a sua imortalidade.
(Sanct. Athan. Oper., t. I, p. 32. –
Villemain, Quadro da eloquência cristã no IV século)
Com efeito, não está aí uma
descrição exata da irradiação exterior da alma durante a vida corporal, e de
sua emancipação no sono, no êxtase, no sonambulismo e na catalepsia?
O Espiritismo diz exatamente a
mesma coisa, e o prova pela experiência.
Com as ideias esparsas contidas
na Bíblia, nos Evangelhos e nos Pais da Igreja, sem falar dos escritores
profanos, pode constituir-se toda a doutrina espírita moderna. Os comentários
feitos desses escritos geralmente o foram de um ponto de vista exclusivo e com ideias
preconcebidas, e muitos só viram neles o que queriam ver ou lhes faltava a
chave necessária para ver outra coisa; mas hoje o Espiritismo é a chave que dá
o verdadeiro sentido das passagens mal compreendidas. Até o momento esses fragmentos
são recolhidos parcialmente, mas dia virá em que homens de paciência e saber, e
cuja autoridade não poderá ser desconhecida, farão deste estudo o objeto de um
trabalho especial e completo, que projetará luz sobre todas essas questões,
fazendo que todos se submetam, ante a evidência claramente demonstrada.
Esse trabalho considerável –
creio poder dizer – será obra de membros eminentes da Igreja, que receberão
esta missão, porque compreenderão que a religião deve ser progressiva como a Humanidade,
sob pena de ser ultrapassada, porque, como na política, há ideias retrógradas
na religião. Em tal caso, não avançar é recuar. O que faz os incrédulos é
precisamente o fato de a religião colocar-se fora do movimento científico e
progressivo. Ela faz mais: declara este movimento obra do demônio e sempre o combateu.
Disso resultou que a Ciência, sendo repelida pela religião, por sua vez repeliu
a religião. Daí um antagonismo que não cessará senão quando a religião
compreender que não só deve marchar com o progresso, mas ser um elemento do
progresso.
Todos acreditarão em Deus,
quando ela não o apresentar em contradição com as leis da Natureza, que são
obra sua.
[1] Revista
Espírita – Janeiro/1864 – Allan Kardec
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