terça-feira, 27 de novembro de 2018

SANTO ATANÁSIO, ESPÍRITA SEM O SABER[1]




A passagem seguinte, tirada de Santo Atanásio, patriarca de Alexandria, um dos pais da Igreja grega, parece ter sido escrita sob a inspiração das ideias espíritas de hoje:
A alma não morre, mas o corpo morre quando dele ela se afasta. A alma é para si mesma seu próprio motor; o movimento da alma é a sua vida. Mesmo quando está prisioneira no corpo e como que a ele ligada, ela não se amesquinha às suas estreitas proporções e aí não se encerra. Mas muitas vezes, quando o corpo jaz imóvel e como que inanimado, ela fica desperta por sua própria virtude; e, saindo da matéria, não obstante a ela ainda ligada, concebe, contempla existências além do globo terrestre; vê os santos desprendidos do envoltório dos corpos, vê os anjos e a eles ascende na liberdade de sua pura inocência.
Inteiramente separada do corpo e quando aprouver a Deus tirar-lhe a cadeia que lhe é imposta, não terá ela, eu vos pergunto, uma visão muito mais clara de sua natureza imortal? Se hoje mesmo, e nos entraves da carne, ela já vive uma vida completamente exterior, viverá muito mais depois da morte do corpo, graças a Deus que, por seu Verbo, a fez assim. Ela compreende, abarca em si as ideias de eternidade, de infinito, pois é imortal.
Assim como o corpo, que é mortal, não percebe senão o que é material e perecível, também a alma, que vê e medita as coisas imortais, é necessariamente imortal em si mesma e viverá sempre, porque os pensamentos e as imagens de imortalidade jamais a deixam e nela são como um foco vivo, que alimenta e assegura a sua imortalidade.

(Sanct. Athan. Oper., t. I, p. 32. – Villemain, Quadro da eloquência cristã no IV século)


Com efeito, não está aí uma descrição exata da irradiação exterior da alma durante a vida corporal, e de sua emancipação no sono, no êxtase, no sonambulismo e na catalepsia?
O Espiritismo diz exatamente a mesma coisa, e o prova pela experiência.
Com as ideias esparsas contidas na Bíblia, nos Evangelhos e nos Pais da Igreja, sem falar dos escritores profanos, pode constituir-se toda a doutrina espírita moderna. Os comentários feitos desses escritos geralmente o foram de um ponto de vista exclusivo e com ideias preconcebidas, e muitos só viram neles o que queriam ver ou lhes faltava a chave necessária para ver outra coisa; mas hoje o Espiritismo é a chave que dá o verdadeiro sentido das passagens mal compreendidas. Até o momento esses fragmentos são recolhidos parcialmente, mas dia virá em que homens de paciência e saber, e cuja autoridade não poderá ser desconhecida, farão deste estudo o objeto de um trabalho especial e completo, que projetará luz sobre todas essas questões, fazendo que todos se submetam, ante a evidência claramente demonstrada.
Esse trabalho considerável – creio poder dizer – será obra de membros eminentes da Igreja, que receberão esta missão, porque compreenderão que a religião deve ser progressiva como a Humanidade, sob pena de ser ultrapassada, porque, como na política, há ideias retrógradas na religião. Em tal caso, não avançar é recuar. O que faz os incrédulos é precisamente o fato de a religião colocar-se fora do movimento científico e progressivo. Ela faz mais: declara este movimento obra do demônio e sempre o combateu. Disso resultou que a Ciência, sendo repelida pela religião, por sua vez repeliu a religião. Daí um antagonismo que não cessará senão quando a religião compreender que não só deve marchar com o progresso, mas ser um elemento do progresso.
Todos acreditarão em Deus, quando ela não o apresentar em contradição com as leis da Natureza, que são obra sua.




[1] Revista Espírita – Janeiro/1864 – Allan Kardec

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