quarta-feira, 3 de outubro de 2018

O que a física quântica tem a ver com o Espiritismo?[1]


 
Alexandre Fonseca[2]
    

Há pouco mais de um século, o físico Max Planck tentava compreender a energia irradiada pelo espectro da radiação térmica, calor que todos os corpos emitem, e chegou a algumas conclusões que balançaram os princípios da física clássica. Nascia assim a física ou mecânica quântica, trazendo novos conceitos, como a não-localidade.
Fala-se em física quântica hoje como algo relacionado à espiritualidade, tentando-se unir conceitos quânticos com teorias sobre consciência. Por envolver conceitos como os de partícula, onda, espaços vazios, alguns físicos valendo-se desses novos conceitos começam a justificar pela nova teoria a existência de uma realidade mais ampla, apresentando-a como prova da existência da imortalidade, da reencarnação e da vida após a morte.
Buscando esclarecer o assunto, em tempos de muitas novidades advindas da "moda" quântica, entrevistamos o físico Alexandre Fontes da Fonseca.
Ele responde dúvidas básicas de espíritas e não espíritas sobre esta suposta relação, que se embaraça na falta de um maior conhecimento, mesmo porque essa descoberta foi realizada após a vinda da doutrina espírita à Terra, codificada por Allan Kardec, no século 19, na França.
O que é física quântica?
Física quântica é o ramo da física que estuda e descreve o comportamento da matéria em escala microscópica (atômica e subatômica). Ela se baseia no fato de que trocas de energia entre sistemas atômicos só podem ocorrer em múltiplos de um determinado valor que é, então, chamado de quantum, daí o adjetivo "quântico (a)". A energia do sistema não pode ter qualquer valor, mas apenas valores associados a determinados "estados físicos". Podemos comparar esses "estados físicos" a prateleiras de uma estante. Os livros só podem se situar em alturas dadas por cada prateleira, mas nunca entre uma prateleira e outra.
A Física Quântica, é preciso enfatizar, é uma teoria da matéria, isto é, desenvolvida para descrever o comportamento de objetos materiais.
 A física quântica é aceita pela ciência?
Sim! A física quântica é um ramo da física e foi desenvolvida com todo o rigor que a Física determina. Ela é tão aceita, que é ensinada nos cursos de graduação em Física e, mesmo no ensino médio, em aulas de química, através dos chamados números quânticos.
Além de prever com certa precisão as propriedades físicas de um sistema, ela descreve e explica vários fenômenos que, no começo do século passado, intrigaram os cientistas. Em particular, o fenômeno de emissão e absorção de radiação eletromagnética por um corpo.
 Como assim, "prever com certa precisão"? A Física não é uma ciência exata?
Uma ciência não é exata por medir ou prever números com 100% de certeza absoluta para as propriedades físicas de um sistema. Uma ciência é exata quando é capaz de precisar os limites de validade de uma medida ou previsão teórica. Em outras palavras, o que é "exato" é o conhecimento da magnitude dos erros ou imprecisões em uma medida ou previsão teórica. Para ficar mais claro, vamos dar um exemplo. Considere a medida do comprimento de um objeto usando uma régua comum. A menor escala de uma régua comum é o milímetro. Logo, com uma régua comum podemos medir o comprimento de um objeto com precisão de milímetros. Isso equivale a dizer que o resultado de uma medida de comprimento do objeto é um determinado valor, por exemplo, 4 centímetros e 3 milímetros "mais ou menos 1 milímetro" (entre aspas a magnitude do erro, isto é, a medida real do comprimento do objeto é um valor entre 4 centímetros e 2 milímetros e 4 centímetros e 4 milímetros; com uma régua comum, não se pode precisar que valor seria dentro desse intervalo, mas apenas que o valor está dentro desse intervalo). Porém, se usarmos um instrumento chamado paquímetro, a precisão na medida de comprimento do mesmo objeto é de um milésimo de milímetro, ou seja, mil vezes melhor do que a precisão de uma medida feita com uma régua comum. Porém, mesmo o paquímetro não apresenta precisão infinita e por isso é que sempre se diz que em toda medida experimental há um erro por menor que seja. Determinar numericamente a magnitude desse erro é um dos papeis da ciência exata.
No caso da física quântica, ganhamos uma complicação a mais. Do ponto de vista das teorias clássicas da física, as limitações na precisão de uma medida são apenas tecnológicas, isto é, em teoria, nada impediria a determinação de uma medida com erro infinitamente pequeno. Porém, a teoria quântica apresenta um novo tipo de limitação na natureza: como toda tentativa de medição de qualquer propriedade física de um sistema quântico acarreta influência sobre o mesmo, a teoria quântica prevê que nunca conseguiremos medir com precisão absoluta e ao mesmo tempo certos pares de propriedades físicas. Exemplo: posição e velocidade de um elétron. Ou se conhece com boa precisão a posição de um elétron e perde-se informação sobre a sua velocidade; ou o contrário. Isso é consequência do chamado Princípio de Incerteza de Heisenberg.
 É possível comprovar experimentalmente a teoria quântica?
Se isso já não tivesse ocorrido, ela, a física quântica, não seria um ramo da Física! Além de explicar experimentos fundamentais de interação entre a luz e a matéria realizados no fim do século 19 e início do século 20, diversos desdobramentos da teoria quântica têm sido demonstrados experimentalmente até o presente. Exemplos recentes é a chamada ligação não-local, uma espécie de relação entre partes de um sistema quântico onde a ação sobre uma parte influencia, de certa forma, a outra parte, mesmo a distância. Tem também a recente comprovação do chamado bóson de Higgs, que é uma partícula subatômica que foi prevista teoricamente na década de 1960 com base no chamado Modelo Padrão da Física de Partículas que é uma teoria totalmente baseada na física quântica. Importante comentar, também, que desde o desenvolvimento do transistor, nossa tecnologia em mídias eletrônicas se deve a aplicações da teoria quântica.
Aproveito sua pergunta para comentar um detalhe importante. Qualquer nova teoria que surja na Física, mesmo aquelas que se baseiam em conceitos básicos da física quântica, se não puderem ser validadas experimentalmente ou através de observações de fenômenos, no máximo vai ficar de molho por muito tempo. Logo, se na Física isso acontece, isto é, não é qualquer teoria que use conceitos da física quântica que é aceita, mais vigilância ainda devemos ter quando se usam esses conceitos na proposta de teorias espiritualistas.
O que a física quântica tem a ver com o Espiritismo? Precisamos dela para compreendê-lo?
Não tem nada a ver com o Espiritismo. Ambas são teorias diferentes, desenvolvidas para descrição de 'objetos' de estudo distintos. Enquanto a física quântica é uma teoria da matéria, o Espiritismo é a ciência do espírito.
Para apreender e compreender o Espiritismo e seus pontos fundamentais em nada precisamos da física quântica ou de outras teorias modernas da ciência.
Percebe-se um alvoroçado interesse dos espíritas pela física quântica, muitas vezes para justificar a existência do espírito. Isso está correto?
Apesar de a intenção ser boa, isso não está correto! Esse interesse decorre de algumas interpretações 'estranhas' da teoria quântica (isto é, que estão fora do senso comum) que fazem pensar que os fenômenos espíritas (também considerados fora do senso comum) devam ter relação direta com essas interpretações. Esse tipo de extrapolação ou relação superficial entre conceitos da física e do Espiritismo não é uma prática científica!
 O que seriam essas "interpretações estranhas"? Pode dar um exemplo?
Ao tentar entender o comportamento quântico das partículas em nível microscópico, surgem interpretações como: um objeto pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo; influência da consciência do observador nas medidas experimentais; uma partícula pode se comportar como uma onda e vice-versa; a existência de universos paralelos; ligação não-local etc.
Essas interpretações são estranhas, pois decorrem da tentativa de perceber o comportamento das partículas microscópicas com as impressões que temos do mundo macroscópico através dos nossos cinco sentidos. Essa é apenas uma das razões para evitar que se façam relações superficiais entre conceitos quânticos e conceitos espíritas.
 Mas que problemas acarretariam a aceitação desse tipo de relação entre física quântica e Espiritismo?
A invigilância e a falta de conhecimento sobre o que é ciência e como ela progride favorecem a abertura de brechas no movimento espírita para a assimilação de teorias e doutrinas pseudocientíficas que, por usarem conceitos da física quântica na sua descrição, encantam as pessoas fazendo-as achar que se tratam de teorias e doutrinas científicas. Como Kardec, em A Gênese, propõe que o Espiritismo esteja sempre de acordo com a ciência, alguns companheiros espíritas um pouco apressados e sem entendimento profissional do assunto adotam e propagam algumas teorias e práticas místicas só porque elas se consideram científicas por usarem conceitos da Física. Esquecem-se de que o Espiritismo orienta que "é melhor repelir dez verdades do que admitir uma só falsidade" (Erasto, item 230 de O livro dos médiuns). A vigilância, portanto, com relação a esse tipo de assunto deve ser mais que redobrada! E tem gente se aproveitando da ignorância do público leigo para ganhar dinheiro com venda de livros, dvd's, seminários, documentários, cursos, congressos etc., todos se utilizando o adjetivo "quântico" sem ter respaldo formal e rigoroso da Física. O movimento espírita deve se precaver contra isso. Se estudarem a fundo o que é ciência, o que é Física e, o mais importante, o que é o Espiritismo, muitas dessas confusões vão deixar de existir.
Para quem, de fato, deseja se instruir sobre ciência e Espiritismo, sugerimos a leitura de alguns artigos sobre o assunto.
 Você teria um exemplo de teorias e práticas baseadas na física quântica que mesmo bem intencionadas carecem de bases científicas?
Sim. Uma dessas teorias, que tem sido muito divulgada no movimento espírita como demonstração científica de conceitos como Deus, alma, reencarnação e mediunidade, está contida na obra “Física da Alma”, de Amit Goswami. Segundo ele, a alma após o desencarne permanece num estado permanente de sono, que perdura até a próxima encarnação. Para Goswami, o mundo espiritual não tem graça, por permanecerem os espíritos inconscientes. “Nosso Lar” e André Luiz não existem no mundo espiritual de Goswami. Vê-se que não precisa saber de física quântica para perceber o absurdo doutrinário das teorias de Goswami!
Vou fazer, aqui, apenas uma referência para o leitor interessado em conhecer mais sobre os problemas com essa teoria leia o artigo: (uma versão mais completa desta análise foi publicada na coletânea de trabalhos apresentados no 6º ENLIHPE[3]).
Outra teoria que tem atraído alguns companheiros espíritas é a chamada apometria. Ela surgiu como uma técnica de desdobramento destinada a ajudar pessoas com problemas espirituais e de saúde. Suas obras básicas são apresentadas como totalmente baseadas em conceitos e equações da física. Porém, essa teoria usa de maneira equivocada os conceitos da física, faz extrapolações no campo da pesquisa de maneira inapropriada e define equações sem nenhuma coerência interna ou com relação à física, não satisfazendo os rigores mínimos de desenvolvimento nessa área.  Detalhes e exemplos podem ser lidos em artigo específico (uma versão mais completa dessa análise será publicada na coletânea de trabalhos apresentados no 8º ENLIHPE).
Há também uma teoria baseada na física conhecida e respeitada no movimento espírita. O autor dedicou muitos anos à pesquisa de fenômenos espíritas e foi uma pessoa muito idealista, além de fraterna e inteligente, deixando inúmeros amigos e seguidores. Trata-se da “Teoria Corpuscular do Espírito” ou, mais recente, teoria do “Psi Quântico”, de Hernani G. Andrade. Hernani propôs uma teoria para a matéria psi similar à teoria quântica da matéria, propondo que o espírito fosse composto por essa matéria. A ideia é interessante, porém a forma como as partículas da matéria psi foram propostas não seguiram metodologia e rigores que se empregam na pesquisa e desenvolvimento de novas teorias em física. A teoria de Hernani contém erros de física, além de extrapolar conceitos sem o devido rigor formal usado na física. Apesar de valer a leitura pelas informações e pela criatividade, o psi quântico não pode ser considerado uma teoria científica legítima.
O leitor que tiver interesse em conhecer detalhes de uma análise científica dessas duas teorias de Hernani G. Andrade pode acessar os artigos específicos sobre o assunto.
Para o Espiritismo, temos na base de tudo Deus, espírito e matéria. Onde a física quântica se encaixaria?
A física quântica nada mais é do que uma criação humana para tentar descrever alguns fenômenos naturais em escala microscópica. É uma tentativa de entender, utilizando-se uma sofisticada linguagem matemática, algumas leis naturais válidas para a matéria.
Explique sobre a "partícula de Deus". Deus não é uno?
Essa questão é mais um dos "mal entendidos" que decorrem do desconhecimento sobre ciência e como os cientistas a desenvolvem. Na verdade, o que ocorre é o seguinte. Os físicos estavam buscando encontrar uma partícula que pudesse explicar as propriedades de massa de todas as outras, isto é, uma partícula cuja existência demonstraria (é o que pensam) que não é necessário existir um Deus para explicar a existência dos vários tipos de partículas subatômicas e algumas de suas propriedades. Essa partícula foi então apelidada de "partícula de Deus" e não é nada além do badalado bóson de Higgs.
Alguns companheiros, mais entusiasmados, acreditaram que a ciência estaria à procura de Deus, o que não é verdade. O que a ciência busca é descrever os fenômenos naturais. E os cientistas acreditam que não é necessário a existência de Deus para explicar esses fenômenos. E ninguém precisa se preocupar, por exemplo, com a descoberta do bóson de Higgs, pois sempre podemos formular a seguinte questão filosófica: o que criou o bóson de Higgs? Ou, mesmo, por que a natureza obedece a essas leis que os cientistas estão descobrindo?
Como analisar hoje o Espiritismo perante a ciência? Alguma coisa mudou desde Kardec que comprometa o conteúdo da Codificação?
Em minha opinião, o Espiritismo não tem nada a temer dos avanços da ciência. Isso pois o Espiritismo tem uma característica muito sólida que pouca gente tem sabido valorizar: o Espiritismo é uma doutrina "fenomenológica", isto é, ela tem seus pontos fundamentais baseados fortemente nos fatos e fenômenos espíritas! Não confundir isso com o aspecto filosófico do Espiritismo. O Espiritismo é uma doutrina filosófica que informa e orienta a respeito da realidade espiritual. Porém, as certezas que temos dos conceitos e princípios fundamentais do Espiritismo não decorrem unicamente da elaboração mental de Kardec, mas de tudo o que os Espíritos informaram e do que Kardec inferiu dos próprios fenômenos espíritas. Em outras palavras, Kardec não formulou hipóteses abstratas para os conceitos espíritas, mas a partir dos fenômenos e mensagens dos Espírito, ele codificou a doutrina. Kardec não se preocupou em justificar os fenômenos espíritas com base em teorias científicas de sua época, mas codificou para nós uma nova ciência, que trata de um objeto de estudo até então ignorado pelas outras disciplinas científicas: o espírito.
O caráter "fenomenológico" e seu valor para o Espiritismo, foi destacado pela primeira vez pelo Prof. Silvio Chibeni em artigo intitulado "Ciência Espírita", publicado na Revista Internacional de Espiritismo de março 1991.
Há algum exemplo de teoria fenomenológica na própria Física?
Na física, temos um exemplo de teoria fenomenológica que mesmo desconhecida dos leitores está ACIMA da física quântica! É a teoria chamada Termodinâmica, que é o ramo da Física que lida com o calor e as causas e efeitos na mudança de temperatura, volume, pressão, e outras propriedades físicas de sistemas macroscópicos. Ela foi desenvolvida no século retrasado e é uma teoria fenomenológica por estar diretamente vinculada aos fenômenos materiais. Por causa dessa ligação com os fatos, a Termodinâmica possui leis que determinam os limites de validade das teorias modernas da física (incluindo a teoria quântica). Em outras palavras, a física quântica não teria valor se contradissesse uma que fosse das leis fundamentais da Termodinâmica.
Transpondo isso para o Espiritismo, podemos afirmar com segurança que o Espiritismo é que deve ditar os limites de validade de teorias futuras que irão explicar novos fenômenos espíritas. Isso pois, o Espiritismo não é uma teoria ou doutrina baseada na imaginação de seu codificador, mas representa os fenômenos naturais espíritas e as vozes dos bons Espíritos.
 Afinal, existe uma nova física que possibilitaria outras vias de acesso ao conhecimento, além dos métodos da ciência atual? Que novidade é essa?
Não existe 'nova Física' que possibilite outra via de acesso ao conhecimento! "Para coisas novas precisamos de palavras novas", já dizia Kardec! Quando uma nova via de acesso ao conhecimento surgir, será preciso dar um nome novo para distingui-la das vias de acesso conhecidas. Precisará também ser testada e verificada como, de fato, uma "via de acesso ao conhecimento". Os defensores de uma nova Física apenas estão pretendendo valorizar conceitos místicos, usando o status que a Física tem na sociedade. Isso é uma forma moderna de enganar o público leigo que não conhece Física e não sabe avaliar cientificamente a 'novidade'. É preciso tomar muito cuidado, lembrando que Kardec sempre apoiou a ciência formal e não movimentos pseudocientíficos.
A existência de Deus pode ser comprovada pela ciência?
Boa pergunta! Em minha opinião, a ciência está distante de comprovar Deus por vários fatores que vão desde os limites próprios das teorias vigentes até os preconceitos dos cientistas. Mas, a existência de Deus, para mim, é demonstrável através de uma análise filosófica das "causas primárias" de todas as coisas como, aliás, bem propuseram os Espíritos. "A filosofia seria uma investigação das causas e princípios fundamentais de uma única e mesma realidade", frase contida e reproduzida do Wikipédia.
O que é a mente para a física quântica? Matéria ou inteligência?
Para a ciência, a mente é um subproduto ou fenômeno emergente da complexa rede de neurônios. Nisso, há teorias que propõem que a mente ou a consciência sejam fenômenos quânticos já que neurônios e organelas contidas neles são formados por átomos e moléculas. Até aí tudo bem, isto é, materialistas propondo que a mente seja um fenômeno quântico é perfeitamente coerente pois a física quântica é uma teoria da matéria. Nessas teorias, neurônios e organelas dentro deles são propostos possuírem determinadas propriedades que só são descritas por teorias quânticas e que essas propriedades é que dariam surgimento à consciência. O problema com essas teorias é que por serem baseadas na física quântica, a mente ou consciência deixa de existir quando os neurônios são desfeitos por ocasião da morte. Não existem propriedades quânticas desvinculadas de objetos materiais! Dizer o contrário é forçar a aceitação de conceitos não aprovados pela ciência. Para a ciência a inteligência é, portanto, produto da matéria e acaba com a morte do corpo.
 Com a física quântica, corre-se o risco de se confundir o que sejam os dois elementos gerais do universo: espírito e matéria?
O risco de confundir-se espírito e matéria é mais consequência da falta de estudo doutrinário dos espíritas do que da física quântica. Nada impede que conceitos da física quântica possam ajudar a descrever as propriedades da matéria que forma os fluidos espirituais. O que é preciso é, antes de tudo, que os espíritas estudem a fundo a doutrina espírita, e para aqueles que gostam de Física, que estudem a fundo a Física para não ficarem na superficialidade dos livros de divulgação científica e opiniões pessoais, para assim poderem contribuir de modo mais efetivo com o progresso do conhecimento espírita.
E o que dizer sobre curas e terapias que se dizem quânticas ? A ciência as reconhece?
Vários autores místicos têm sugerido a ideia de que curas milagrosas ou por meios alternativos são quânticas. Porém, isso é mais um exemplo de tentativa de obter-se crédito científico para um tema que não se sabe ainda explicar em termos científicos. Não se faz esse tipo de extrapolação em pesquisa séria dentro da área de Física. Logo, a ciência não reconhece as curas milagrosas como sendo curas quânticas. Entretanto, podemos dizer com segurança, que a ciência reconhece um tipo de cura quântica que os místicos até o momento desconhecem. Para a Ciência, é possível definir cura quântica de maneira rigorosa! É bem simples. Como a física quântica é a teoria que descreve o comportamento das partículas atômicas e subatômicas da matéria, e como toda reação química se baseia na interação entre átomos, a alopatia, que se baseia na reação química de drogas e compostos diversos com as biomoléculas do nosso corpo, é quântica por natureza! Quando tomamos um remédio para dor de cabeça, estamos realizando um tratamento quântico para o resfriado. Quando alguém se trata de câncer através da quimioterapia, está realizando um tratamento quântico. A aspirina (quem diria?) é um remédio quântico.
 Uma outra questão que gera controvérsias: Como analisar o fluido cósmico? É da alçada da ciência ou é objeto de estudo metafísico?
Tudo que Deus criou é passível de investigação científica. O Fluido Universal (FU) foi definido pelos Espíritos como elemento primitivo criado por Deus e presente em todo o universo, constituindo-se na matéria-prima de tudo o que conhecemos como matéria, inclusive os fluidos espirituais. Sendo assim, o FU é da alçada da Ciência. Porém, precisamos "dar tempo ao tempo" e aguardar que a ciência progrida no sentido de reconhecer a existência da alma e, depois, o mundo espiritual, para então cogitar de estudar as variações da matéria fluídica que o compõe. Talvez necessitemos de concepções novas para a matéria que permitam descrever os conceitos que aprendemos no Espiritismo. O Espiritismo apenas garante que o FU existe. Caberá à ciência descrevê-lo bem como as suas propriedades.
Note que o espírito, isto é, o princípio inteligente do universo, também é uma criação de Deus e, portanto, é também passível de investigação científica, porém através de outros tipos de métodos, como os que Kardec utilizou. Os Espíritos, assim, são da alçada da ciência, mas na medida em que consideramos a ciência espírita. Não são da alçada das diversas disciplinas científicas ortodoxas que por serem materiais, por definição, não podem investigar o espírito. Só o Espiritismo, que tem todos os ingredientes filosóficos de uma disciplina científica legítima (ver artigos) é capaz de investigar de modo científico e completo os fenômenos espíritas. Até mesmo a Parapsicologia, em que pese a seriedade de seus pesquisadores, não pode ser considerada ainda uma ciência.
Naturalmente, tudo o que Deus criou também é um objeto de estudo metafísico, por não podermos nos desvencilhar da análise filosófica do assunto, a análise da realidade que nos cerca e nos contém.
Qual a relação da física quântica com a filosofia?
É papel da filosofia analisar as possíveis interpretações dos conceitos da física quântica, buscando o entendimento da realidade essencial das coisas, do universo. Grosso modo, a Física tem tido sucesso na descrição de 'como' a natureza 'funciona' e não no 'porque' ela 'funciona' dessa ou daquela maneira.
Não obstante, as dificuldades de interpretação da teoria quântica levam algumas pessoas a pensar que a física quântica não passa de uma mera "receita de bolo" para a descrição quantitativa das propriedades físicas mensuráveis de um sistema físico, não tendo, portanto, papel de revelar a realidade por trás do mesmo.
 Na sua visão, a física quântica vai identificar a existência do espírito, como inteligência, independente da matéria?
Não! Não é a física quântica a origem da inteligência no espírito! O espírito se revela pelo conteúdo de suas mensagens! E foi assim que o e Espiritismo identificou e comprovou a existência da alma, sua sobrevivência e a possibilidade de comunicação com os encarnados. No máximo, a Física um dia irá contribuir no entendimento de como ocorre a interação entre fluidos espirituais (perispírito, por exemplo) e matéria (corpo físico).
Devemos combater a tentação de obter mérito sem o devido aprofundamento no estudo. Espiritismo é uma doutrina ao mesmo tempo simples e robusta. Simples nos seus propósitos de regeneração da humanidade através da regeneração de cada um de nós; e robusta nas suas bases que não são somente científicas, mas também divinas. O Espiritismo é a única doutrina conhecida na humanidade que tem um duplo caráter de uma revelação: o caráter divino e o científico (Kardec, item 13 do cap. I de A Gênese). Portanto, saibamos valorizar o Espiritismo na forma como foi revelado pelos bons Espíritos, pois temos um compromisso de estudá-lo e compreendê-lo, para então poder ajudá-lo a se desenvolver dentro dos parâmetros de qualidade e seriedade que o tornarão conhecido e respeitado por todos.




[1] Entrevista, realizada por Eliana Haddad, publicada em versão simplificada no jornal Correio Fraterno, edição 452 - julho-agosto/2013.
[2] Participa no Centro Espírita Amor e Caridade, em Bauru, SP, e da Liga de Pesquisadores do Espiritismo. É fundador do Jornal de Estudos Espíritas (JEE), publicação online dedicada com artigos de pesquisa espírita.
[3] ENLIHPE – Encontro da Liga dos Historiadores e Pesquisadores Espíritas

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