quinta-feira, 4 de outubro de 2018

VICIAÇÕES MENTAIS[1]


Joanna de Ângelis

INSATISFAÇÃO

Há uma necessidade urgente de reprogramar-se a mente. Hábitos longamente mantidos, viciações sustentadas por largo prazo, acomodações psicológicas a acontecimentos e atitudes justificadas por mecanismos de evasão do ego tornam-se outra forma de natureza nos automatismos da própria natureza.
Quando a mente está pronta, parece que todas as coisas o estão igualmente, isto porque dela dependem o senso crítico, a avaliação, o discernimento. Enquanto se encontra entorpecida ou mal desenvolvida, não consegue abranger a finalidade existencial, e também se adapta ao habitual, automatizando-se.
À medida que se amplia o campo mental, mais fáceis se tornam as novas aquisições psíquicas, favorecendo a memória, que supera os lapsos, por liberar-se das cargas negativas que a obnubilam.
A autodepreciação é fator preponderante para a infelicidade pessoal e para o relacionamento com outras pessoas, em razão do desrespeito a si mesmo. Quem se subestima, supervaloriza os outros, fazendo confrontos entre si e os demais de forma inadequada, ou projeta a sua sombra, acreditando que são todos iguais, variando apenas na habilidade que aqueles possuem para mascarar-se. O seu é um critério de avaliação distorcido, doentio, sem parâmetros bem delineados.
Quando tal ocorre, pensa-se em viajar, mudar de trabalho, acabar o casamento ou casar-se, conforme o caso, variar os relacionamentos sociais... O problema, no entanto, não se encontra nos outros, mas no próprio indivíduo, nele enraizado. Claramente possui uma autoimagem incorreta, feita de autopiedade ou com autopunição, o que se transforma em uma lente defeituosa que altera a visão do mundo e das outras criaturas.
Para onde o ser se transfere, fugindo, leva-se consigo e reencontra-se, logo mais, no novo lugar, assim se acostume com a novidade.
O fundamento não é mudar de atividade profissional, alterar a vida conjugal e social... Talvez essas atitudes possam contribuir para um despertamento interior, que é difícil, mas o essencial é a coragem para enfrentar-se, despir-se e querer realmente modificar-se.
O tentame se coroará de êxito mediante uma reprogramação da mente, iniciando-a com a indispensável conceituação da autoimagem, reforçada com a disposição de não retroceder. Funcionará, à vontade, na forma de dever para consigo mesmo, de reestruturação do programa da vida, do redescobrimento do Si e da sua eternidade diante do Cosmo.
Diminuem, nesse momento, os gigantes íntimos ameaçadores, que se fazem pigmeus e se desintegram na sucessão da experiência renovadora.
Nessa fase de reprogramação mental, a pessoa descobre que todos são diferentes uns dos outros, com desafios parecidos, mas não iguais, em lutas contínuas, no entanto, específicas, e que a vitória alcançada por eles, em determinados combates não lhes impede nem lhes evita novos enfrentamentos.
Lentamente nascem os estímulos para avançar, as disposições para não ceder às tentações da acomodação, e a lucidez mental propicia a percepção das vantagens que advêm de cada conquista alcançada. Os problemas e dificuldades se tornam mais fáceis de ser resolvidos e ultrapassados, fazendo a vida mais agradável, não lhes dando maior importância.
Os obstáculos, que antes pareciam intransponíveis, agora são contornáveis, e as pessoas adquirem outro valor, na sua grandeza como na sua pequenez. Desaparecem os privilegiados e os abandonados pela sorte, passando a ser compreendidos e tolerados como são, e não pela forma da apresentação.
A tolerância, que resulta da melhor identificação dos valores éticos e das conquistas espirituais, enseja maior respeito por si mesmo, permitindo-se os limites aos quais não se submete mais, sem reações inamistosas nem aquiescências injustificáveis.
A insatisfação decorre da ignorância, do desconhecimento do Eu profundo e das suas inesgotáveis possibilidades. Supondo-se, equivocadamente, que tudo está feito e terminado, a entrega a esse fatalismo gera saturação, desmotivando para novas conquistas.
Quanto mais a pessoa se autopenetra, mais se descobre e mais possibilidades tem de conhecer-se. Essa conquista leva ao infinito, porque vai até o deus interno que abre as portas ao entendimento do Criador.
A psicologia da religião começa na análise dos recursos de cada um: sua fé, sua dedicação, seus interesses espirituais, suas buscas e fugas, seus medos e conflitos...
Na programação da mente, saturando o subconsciente de forças positivas, de legados idealistas, de esperanças factíveis de ser conseguidas, da luz do amor, do perdão, do Bem, todos os resíduos de negativismo, de depreciação, de antagonismo devem ser eliminados, sem saudades, iniciando- se novo ciclo de experiências de equilíbrio.
As agressões exteriores, os choques sociais e emocionais, mesmo que recebidos, passarão por critérios novos de avaliação e serão compreendidos, retirando-se deles o que seja positivo e diluindo os efeitos perturbadores.
A mente, desacostumada aos novos compromissos, expressará lapsos, reavivará fixações, que são os naturais fenômenos de sobrevivência das ideias usuais. Não abastecida pela mesma vibração dos pensamentos anteriores se lhes desabituará, imprimindo as novas ordens recebidas e ampliando a área de entendimento.
A insatisfação, irmã gêmea do tédio, nesse campo mental programado, com muita atividade a executar, não encontra área para permanecer e desaparece. Somente através do esforço do próprio indivíduo que se sente saturado, descontente com a vida, é que o fenômeno da sua transformação se opera.
INDIFERENÇA
Nos estados depressivos a apatia se manifesta, não raro, dominando as paisagens emocionais da pessoa. Essa apatia impede a realização das atividades habituais, matando o interesse por quaisquer objetivos. É uma indiferença tormentosa, que isola, a pouco e pouco, o paciente do mundo objetivo, alienando-o.
Além dessa manifestação psicopatológica, há aquela que resulta da viciação mental em não se preocupar com as outras pessoas, nem com o lugar onde se encontra. Tão grave quanto a primeira, essa indiferença provém de vários conflitos, como as decepções em relação à própria existência, em demasiada valorização do secundário em detrimento do essencial, que é a própria vida e não aqueles que a utilizam egoisticamente, de forma infeliz, com desrespeito pelo seu próximo, pela sociedade.
Noutros casos, há a atitude egocêntrica, que remanesce da infância e não alcançou a maturidade psicológica na idade adulta, sentindo-se o ser desconsiderado, desamparado, sem chance de triunfar; o cansaço decorrente de tentativas malogradas de autoafirmação, de empreendimentos perdidos; o desamor, em razão de haver aplicado mal o sentimento, como troca de interesses ou vigência de paixões; o abandono de si mesmo pela falta de autoestima...
Para esse tipo psicológico é mais fácil entregar-se à indiferença, numa postura fria de inimigo de todos, do que lutar contra as causas desse comportamento.
Vício mental profundamente alienador, arraigado nos derrotistas, a indiferença termina por matar os sentimentos, levando o paciente a patologias mais graves na sucessão do tempo.
Caracteriza também a personalidade esquizofrênica de muitos títeres e algozes da Humanidade, a insensibilidade que resulta da indiferença, quando praticam crimes, por mais hediondos sejam.
Inicia-se, às vezes, numa acomodação mental em relação aos acontecimentos, como mecanismo de defesa, para poupar-se a trabalho ou a preocupação, caracterizado num triste conceito: ‒ Deixa pra lá.
Toda questão não resolvida, retorna complicada.
Ninguém se pode manter em indiferença no inevitável processo da evolução. A vida é movimento e o repouso traduz pobreza de percepção dos fenômenos em volta.
Terminada uma cerimônia religiosa em plena Natureza, fez-se um imenso silêncio que tomou conta de todos os presentes. Sensibilizado, um jovem disse ao seu pastor:
Nunca percebi tão grande e profundo silêncio.
Ao que o outro respondeu: — Nunca havia ouvido toda a música das galáxias nas suas revoluções siderais...
Quando a indiferença começar a sinalizar as atividades emocionais, faz-se urgente interrompê-la, aplicar-lhe a terapia da mudança do centro de interesse emotivo, despertando outras áreas do sentimento, adormecidas ou virgens, a fim de poupar-se o indivíduo à sua soberania. Acostumando-se-lhe, inicia-se uma viciação mental mais difícil de ser corrigida, por ter um caráter anestesiante, tóxico, ao largo do tempo.
Se o estresse responde pela sua existência, em alguns casos, o relaxamento, acompanhado de novas propostas de vida, produz efeito salutar, que deve ser utilizado.
O Fluxo Divino da força da vida é incessante, e qualquer indiferença significa rebeldia aos códigos do movimento, da ação, proporcionando hipertrofia do ser e paralisia da alma.
Uma análise do próprio fracasso em qualquer campo redunda eficaz, para retirar proveitosa lição dele e levantar-se para novas tentativas.
Nas experiências retributivas da afetividade mal direcionada, das quais resulta a síndrome da indiferença, a escolha pelo amor sem recompensa, pelo bem sem gratidão, emula o indivíduo a sair do gelo interior para os primeiros ardores da emotividade e da autorrealização.
Nunca deixar que a indiferença se enraíze. E se, por acaso, crer que a própria vida não tem sentido nem significado, num gesto honroso de arrebentar algemas, deve experimentar dar-se ao próximo, a quem deseja viver, a quem, na paralisia e na enfermidade, busca uma quota mínima de alegria, de companheirismo, de afeto e de paz. Fazendo-o, esse indivíduo descobre que se encontra consigo mesmo no seu próximo ao doar-se, assim recuperando a razão e o objetivo para viver em atividade realizadora.
PÂNICO
No imenso painel dos distúrbios psicológicos, o medo avulta, predominando em muitos indivíduos e apresentando-se, quando na sua expressão patológica, em forma de distúrbio de pânico.
O medo, em si mesmo, não é negativo, assim se mostrando quando, irracionalmente, desequilibra a pessoa.
O desconhecido, pelas características de que se reveste, pode desencadear momentos de medo, o que também ocorre em relação ao futuro e sob determinadas circunstâncias, tornando-se, de certo modo, fator de preservação da vida, ampliação do instinto de autodefesa. Mal trabalhado na infância, por educação deficiente, o que poderia tornar-se útil, diminuindo os arroubos excessivos e a precipitação irrefletida, converte-se em perigoso adversário do equilíbrio do educando.
São comuns, nesse período, as ameaças e as chantagens afetivas:
— Se você não se alimentar, ou não dormir, ou não proceder bem, papai e mamãe não gostarão mais de você..., ou O bicho papão lhe pega etc. A criança, incapaz de digerir a informação, passa a ter medo de perder o amor, de ser devorada, perturbando a afetividade, que entorpece a naturalidade no seu processo de amadurecimento, tornando o adolescente inseguro e um adulto que não se sente credor de carinho, de respeito, de consideração.
A deformação leva-o às barganhas sentimentais ‒ conquistar mediante presentes materiais, bajulação, anulando a sua personalidade, procurando agradar o outro, diminuindo-se e supervalorizando o afeto que anela.
A pessoa é, e deve ser amada, assim como é. Naturalmente, todo o seu empenho deve ser direcionado para o crescimento interior, o desenvolvimento dos recursos que dignificam: não invejando quem lhe parece melhor — pois alcançará o mesmo patamar e outros mais elevados, se o desejar ‒ nem se magoando ante a agressividade dos que se encontram em níveis menores.
Por outro lado, em face das ameaças, o ser permanece tímido, procurando fazer-se bonzinho, não pela excelência das virtudes, mas por mecanismo de sobrevivência afetiva.
O medo, assim considerado, pode assumir estados incontroláveis, causando perturbações graves no comportamento.
Os fatores psicossociais, as pressões emocionais influem, igualmente, para tornar o indivíduo amedrontado, especialmente diante da liberação sexual, gerando temores injustificáveis a respeito do desempenho na masculinidade ou na feminilidade, que propiciam conflitos psicológicos de insegurança, a se refletirem na área correspondente, com prejuízos muito sérios.
Bem canalizado, o medo se transforma em prudência, em equilíbrio, auxiliando a discernir qual o comportamento ético adequado, até o momento em que o amadurecimento emocional o substitui pela consciência responsável.
Confunde-se o pânico como expressão do medo, quando irrompe acompanhado de sensações físicas: disritmia cardíaca, sudorese, sufocação, colapso periférico produzindo algidez generalizada. Essa sensação de morte com opressão no peito e esvaecimento das energias que aparece subitamente, desencadeada sem aparente motivo, tem outras causas, raízes mais profundas.
Na anamnese do distúrbio de pânico, constata-se o fator genético com alta carga de preponderância e especialmente a presença da noradrenalina no sistema nervoso central.
É, portanto, uma disfunção fisiológica. Predomina no sexo feminino, especialmente no período pré-catamenial, o que mostra haver a interferência de hormônios, sendo menor a incidência durante a gravidez.
Sem dúvida, a terapia psiquiátrica faz-se urgente, a fim de que determinadas substâncias químicas sejam administradas ao paciente, restabelecendo-lhe o equilíbrio fisiológico. Invariavelmente atinge os indivíduos entre os vinte e os trinta e cinco anos, podendo surgir também em outras faixas etárias, desencadeado por fatores psicológicos, requerendo cuidadosa terapia correspondente.
Há, entretanto, síndromes de distúrbio de pânico que fogem ao esquema convencional. Aquelas que têm um componente paranormal, como decorrência de ações espirituais em processos lamentáveis de obsessão.
Agindo psiquicamente sobre a mente da vítima, o ser espiritual estabelece um intercâmbio parasitário, transmitindo-lhe telepaticamente clichês de aterradoras imagens que vão se fixando, até se tornarem cenas vivas, ameaçadoras, encontrando ressonância no inconsciente profundo, onde estão armazenadas as experiências reencarnatórias, que, desencadeadas, emergem, produzindo confusão mental até o momento em que o pânico irrompe incontrolável, generalizado.
Dá-se, nesse momento, a incorporação do invasor do domicílio mental, que passa a controlar a conduta da vítima, que se lhe submete à indução cruel.
Cresce assustadoramente na sociedade atual essa psicopatologia mediúnica, que está requerendo sérios estudos e cuidadosas pesquisas.
As terapias de libertação têm a ver com a transformação moral do paciente, a orientação ao agente e a utilização dos recursos da meditação, da oração, da ação dignificadora e beneficente.
Quando a ingerência psíquica do agressor se faz prolongada, somatiza distúrbios fisiológicos que eliminam noradrenalina no sistema nervoso central do enfermo, requerendo, concomitantemente, a terapia especializada, já referida.
Mediante uma conduta saudável de respeito ao próximo e à vida, o indivíduo precata-se da interferência perniciosa dos seres espirituais perturbadores, adversários de existências passadas, que ainda se comprazem na ação perversa. Esse sítio que promovem, responde por inúmeros fenômenos de sofrimento entre os homens.
Não sendo a morte do soma o aniquilamento da vida, a essência que o vitaliza ‒ o Eu profundo — prossegue com suas conquistas e limitações, grandezas e misérias. Como o intercâmbio decorre das afinidades morais e psíquicas, fácil é constatarem-se as ocorrências que se banalizam.
O medo, portanto, necessita de canalização adequada, e o distúrbio do pânico, examinada a sua gênese, merece os cuidados competentes, sendo passíveis de recuperação ambos os fenômenos psicológicos viciosos, a que o indivíduo se adapta, mesmo sofrendo.
MEDO DA MORTE
O medo da morte resulta do instinto de conservação, que trabalha em favor da manutenção da vida. A vida, no entanto, são todos os acontecimentos existenciais que ocorrem durante a reencarnação — no corpo ‒ como fora dele ‒ no Espírito.
O desconhecimento da imortalidade, as informações fragmentárias, as lendas e fantasias, os mistérios, a ignorância, vestiram a morte de inusitadas e irreais expressões, que não correspondem à realidade. O fenômeno da morte diz respeito ao fatalismo biológico das transformações moleculares do corpo. Com o desaparecimento da forma, suspeitou- se que haveria o aniquilamento da essência, como se essa fosse derivada da matéria e não a sua responsável.
Para atenuar-se o desconhecimento, compuseram-se os funerais, as cerimônias e ritos fúnebres, ocultando a face inevitável da legitimidade imortal. Esses recursos são valiosos para os familiares, parentes e amigos que se desobrigam das responsabilidades humanas, na Terra, e dos deveres afetivos para com os que são desalojados do corpo. Para o Espírito somente valem os sentimentos, as preces e vibrações de autêntica afeição e honesta intercessão, especialmente os próprios pensamentos e atos mantidos durante a experiência carnal.
Em outras circunstâncias, porque a fantasia concebeu o Divino Poder com sentimentos arbitrários e apaixonados, que perdoa e pune irremissivelmente, as consciências culpadas temem-lhe o encontro, quando seriam duramente castigadas, elaborando, inconscientemente, mecanismos de evasão.
Às vezes se torna tão grave o medo da morte que portadores de transtornos psicológicos matam-se para não aguardarem a morte, em terrível atitude paradoxal. Não houvesse a morte física, e o sentido da vida desapareceria, assim como a finalidade da luta, da conquista de valores e do desenvolvimento intelecto-moral do ser.
Analisando-se a sobrevivência — fenômeno natural e consequência da vida ‒ a existência terrestre adquire significado e a dimensão de tempo, um grande valor. Por ignorar-se quando ocorrerá a fatalidade orgânica, todo minuto e cada ação constituem admiráveis bênçãos e devem ser utilizados com sabedoria e propriedade, vivendo-os intensamente.
A compreensão da vida como um todo, feito de etapas, estimula a conquista dos patamares do progresso, ainda mais pela sua marcha ascensional. Fosse limitada ao período berço ‒ túmulo, todos os labores perderiam o seu conteúdo ético e os esforços esvair-se-iam na consumpção do nada. Considerando a energia psíquica valiosa e atuante, a mente, desatrelada do cérebro, prossegue independente dele, e a vida estua.
Desse modo, enfrentando-se com equilíbrio o conceito da sobrevivência, a morte desaparece e o medo que possa inspirar transforma-se em emulação para enfrentá-la com uma atitude psicológica saudável e rica de motivações, quando ocorrer naturalmente. Vício mental arraigado, o medo do fim converte-se em esperança de um novo princípio.




[1] Auto descobrimento - Uma Busca Interior - Divaldo P. Franco

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