(Mat. 17:20)
Caros irmãos e irmãs espíritas,
Estamos reunidos, neste dia
consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que
deixaram a Terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as
relações de afeição e de fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e
para chamar sobre eles a bondade do Todo-Poderoso. Mas, por que nos reunirmos?
Não podemos fazer, cada um em particular, o que nos propomos fazer em comum?
Qual a utilidade que pode haver em se reunir assim num dia determinado?
Jesus no-lo indica pelas
palavras citadas no alto. Essa utilidade está no resultado produzido pela
comunhão de pensamentos que se estabelece entre pessoas reunidas com o mesmo
objetivo.
Mas compreendemos bem todo o
alcance da expressão: Comunhão de pensamentos? Seguramente, até este dia, poucas
pessoas dela tinham feito uma ideia completa. O Espiritismo, que nos explica
tantas coisas pelas leis que nos revela, vem novamente nos explicar a causa, os
efeitos e o poder dessa situação do espírito.
Comunhão de pensamento quer
dizer pensamento comum, unidade de intenção, de vontade, de desejo, de
aspiração. Ninguém pode desconhecer que o pensamento é uma força, mas é uma
força puramente moral e abstrata? Não, pois do contrário não compreenderíamos
certos efeitos do pensamento, e ainda menos a comunhão do pensamento. Para
compreendê-lo, é preciso conhecer as propriedades e a ação dos elementos que
constituem a nossa essência espiritual, e é o Espiritismo que no-las ensina.
O pensamento é o atributo
característico do ser espiritual; é ele que distingue o espírito da matéria:
sem o pensamento, o espírito não seria espírito. A vontade não é atributo
especial do espírito, é o pensamento que atingiu um certo grau de energia; é o
pensamento transformado em força motriz. É pela vontade que o espírito imprime
aos membros e ao corpo movimentos num determinado sentido. Mas se ele tem a
força de agir sobre os órgãos materiais, quão maior não deve ser essa força
sobre os elementos fluídicos que nos cercam! O pensamento age sobre os fluidos
ambientes, como o som age sobre o ar; esses fluidos nos trazem o pensamento,
como o ar nos traz o som. Podemos dizer, portanto, com plena certeza, que há,
nesses fluidos, ondas e raios de pensamentos que se cruzam sem se confundirem,
como há no ar ondas e raios sonoros.
Uma assembleia é um foco onde se
irradiam pensamentos diversos; é como uma orquestra, um coro de pensamentos em
que cada um produz a sua nota. Resulta daí uma porção de correntes e de
eflúvios fluídicos, cada um dos quais recebe a impressão pelo sentido espiritual,
como num coro de música cada um recebe a impressão dos sons pelo sentido da
audição.
Mas, assim como há raios sonoros
harmônicos ou discordantes, também há pensamentos harmônicos ou discordantes.
Se o conjunto for harmônico, a impressão será agradável; se for discordante, a
impressão será penosa. Ora, para isso não é preciso que o pensamento seja
formulado em palavras; a radiação fluídica não deixa de existir pelo fato de
ser ou não ser expressa; se todas forem benevolentes, todos os assistentes
experimentarão um verdadeiro bem-estar e sentir-se-ão à vontade; mas se se
misturarem alguns pensamentos maus, produzem o efeito de uma corrente de ar
gelado num meio tépido.
Tal é a causa do sentimento de
satisfação que experimentamos numa reunião simpática; aí como que reina uma
atmosfera moral salubre, onde respiramos à vontade; daí saímos reconfortados,
porque ficamos impregnados de eflúvios fluídicos salutares. Assim se explicam,
também, a ansiedade, o mal-estar indefinível que sentimos num meio antipático,
em que pensamentos malévolos provocam, por assim dizer, correntes fluídicas
malsãs.
A comunhão de pensamentos
produz, assim, uma espécie de efeito físico, que reage sobre o moral; é o que
só o Espiritismo poderia dar a compreender. O homem o sente instintivamente,
porquanto ele procura as reuniões onde sabe que encontra essa comunhão. Nessas
reuniões homogêneas e simpáticas ele adquire novas forças morais; poder-se-ia
dizer que ele aí recupera as perdas fluídicas que ocorrem diariamente pela
radiação do pensamento, como recupera pelos alimentos as perdas do corpo
material.
A esses efeitos da comunhão dos
pensamentos, junta-se um outro que é a sua consequência natural, e que importa
não perder de vista: é o poder que adquire o pensamento ou a vontade, pelo conjunto
de pensamentos ou vontades reunidas. Sendo a vontade uma força ativa, essa
força é multiplicada pelo número de vontades idênticas, como a força muscular é
multiplicada pelo número dos braços.
Estabelecido este ponto,
concebe-se que nas relações que se estabelecem entre os homens e os Espíritos,
há, numa reunião onde reina uma perfeita comunhão de pensamentos, uma força
atrativa ou repulsiva que nem sempre possui um indivíduo isolado. Se, até o
presente, as reuniões muito numerosas são menos favoráveis, é pela dificuldade
de obter uma homogeneidade perfeita de pensamentos, o que depende da
imperfeição da natureza humana na Terra. Quanto mais numerosas são as reuniões,
mais aí se misturam elementos heterogêneos que paralisam a ação dos bons
elementos, e que são como grãos de areia numa engrenagem. Não é assim nos
mundos mais adiantados, e tal estado de coisas mudará na Terra, à medida que os
homens se tornarem melhores.
Para os espíritas, a comunhão de
pensamentos tem um resultado ainda mais especial. Vimos o efeito dessa comunhão
de homem a homem; o Espiritismo nos prova que ele não é menor dos homens para
os Espíritos, e vice-versa. Com efeito, se o pensamento coletivo adquire força
pelo número, um conjunto de pensamentos idênticos, tendo o bem por objetivo,
terá mais força para neutralizar a ação dos maus Espíritos; assim, vemos que a
tática destes últimos é impelir para a divisão e para o isolamento. Sozinho, um
homem pode sucumbir, ao passo que se sua vontade for corroborada por outras
vontades, ele poderá resistir, segundo o axioma: A união faz a força. Axioma verdadeiro tanto do ponto de vista
moral quanto do físico.
Por outro lado, se a ação dos
Espíritos malévolos pode ser paralisada por um pensamento comum, é evidente que
a dos bons Espíritos será secundada. Sua influência salutar não encontrará
obstáculos; não sendo os seus eflúvios fluídicos detidos por correntes
contrárias, espalhar-se-ão sobre todos os assistentes, precisamente porque
todos tê-los-ão atraído pelo pensamento, não cada um em proveito pessoal, mas
em proveito de todos, conforme a lei da caridade. Esses eflúvios descerão sobre
eles em línguas de fogo, para nos servirmos de uma admirável imagem do
Evangelho.
Assim, pela comunhão de
pensamentos, os homens se assistem entre si, e ao mesmo tempo assistem os
Espíritos e são por estes assistidos. As relações entre o mundo visível e o
mundo invisível não são mais individuais, são coletivas, por isto mesmo são
mais poderosas para o proveito das massas, como para o dos indivíduos. Numa
palavra, estabelecem a solidariedade, que é a base da fraternidade. Ninguém
trabalha para si só, mas para todos, e trabalhando por todos, cada um aí
encontra a sua parte. É isto que o egoísmo não entende.
Graças ao Espiritismo,
compreendemos, então, o poder e os efeitos do pensamento coletivo; entendemos
melhor o sentimento de bem-estar que experimentamos num meio homogêneo e
simpático; mas sabemos igualmente que o mesmo se dá com os Espíritos, porque
eles também recebem os eflúvios de todos os pensamentos benévolos que para eles
se elevam como uma nuvem de perfume. Os que são felizes experimentam uma
alegria ainda maior por esse concerto harmonioso; os que sofrem sentem um maior
alívio.
Todas as reuniões religiosas,
seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos;
é aí, com efeito, que elas devem e podem exercer toda a sua força, porque o
objetivo deve ser o desprendimento do pensamento das injunções da matéria.
Infelizmente, a maioria se afasta desse princípio, à medida que fazem da
religião uma questão de forma. Disso resulta que cada um fazendo consistir seu
dever na realização da forma, julga-se quite com Deus e com os homens quando
praticou uma fórmula. Resulta, também, que cada um vai aos lugares de reuniões
religiosas com um pensamento pessoal, por sua própria conta, e o mais das vezes
sem nenhum sentimento de confraternidade em relação aos outros assistentes; ele
está isolado em meio à multidão, e não pensa no Céu senão para si mesmo.
Certamente não era assim que
entendia Jesus quando disse: “Quando diversos de vós estiverdes reunidos em meu
nome, eu estarei entre vós”. Reunidos em meu nome quer dizer com um pensamento
comum, mas não podemos estar reunidos em nome de Jesus sem assimilar os seus
princípios, a sua doutrina. Ora, qual é o princípio fundamental da doutrina de
Jesus? A caridade em pensamentos, palavras e obras. Os egoístas e os orgulhosos
mentem quando se dizem reunidos em nome de Jesus, porque Jesus não os reconhece
como seus discípulos.
Feridas por estes abusos e por
estes desvios, há criaturas que negam a utilidade das assembleias religiosas e,
por conseguinte, dos edifícios consagrados a tais assembleias. Em seu
radicalismo, pensam que seria melhor construir hospícios do que templos, porque
o templo de Deus está em toda parte; porque Deus pode ser adorado em toda
parte; porque cada um pode orar em sua própria casa e a qualquer hora, ao passo
que os pobres, os doentes e os enfermos necessitam de lugares de refúgio.
Mas pelo fato de terem cometido
abusos; de terem se afastado do reto caminho, segue-se que não existe o caminho
reto e que tudo aquilo de que abusam seja mau? Falar assim é desconhecer a
fonte e os benefícios da comunhão de pensamentos que deve ser a essência das
assembleias religiosas; é ignorar as causas que a provocam. Concebemos que os
materialistas professem semelhantes ideias, porque eles, em todas as coisas,
fazem abstração da vida espiritual, mas da parte dos espiritualistas, e mais
ainda dos espíritas, seria um contrassenso. O isolamento religioso, como o
isolamento social, conduz ao egoísmo. Que alguns homens sejam bastante fortes
por si mesmos, muito largamente dotados pelo coração, para que sua fé e sua
caridade não necessitem ser reaquecidas num foco comum, é possível, mas assim
não se dá com as massas, às quais é preciso um estimulante, sem o qual elas
poderiam deixar-se dominar pela indiferença. Além disto, qual o homem que
poderia dizer-se bastante esclarecido para nada ter a aprender em relação aos
seus interesses futuros, e suficientemente perfeito para dispensar conselhos na
vida presente? É ele sempre capaz de instruir-se por si mesmo? Não; à maioria
deles são necessários ensinamentos diretos em matéria de Religião e de Moral,
como em matéria de Ciência. Sem dúvida esse ensinamento pode ser dado por toda
parte, sob a abóbada do céu como sob a de um templo, mas por que não teriam os
homens lugares especiais para os negócios do Céu, como os têm para os negócios
da Terra? Por que não teriam assembleias religiosas, como têm assembleias
políticas, científicas e industriais? Aqui está uma bolsa onde se ganha sempre,
sem que ninguém perca. Isto não impede as fundações em proveito dos infelizes,
mas nós acrescentamos que quando os homens compreenderem melhor seus interesses
do Céu, haverá menos gente nos hospícios.
Se as assembleias religiosas ‒ nós falamos em geral, sem alusão a qualquer culto ‒ muitas vezes se
afastaram do objetivo primitivo principal, que é a comunhão
fraterna do pensamento; se o ensino que aí é
dado nem sempre seguiu o movimento progressivo da Humanidade, é que os homens
não progridem todos ao mesmo tempo; o que eles não fazem num período, fazem-no
em outro; à medida que se esclarecem, veem as lacunas que existem em suas
instituições, e as preenchem; compreendem que o que era bom numa época, em
relação ao grau da civilização, torna-se insuficiente num estado mais
adiantado, e restabelecem o nível. Sabemos que o Espiritismo é a grande
alavanca do progresso em todas as coisas; que ele marca uma era de renovação.
Saibamos, pois, esperar, e não peçamos a uma época mais do que ela pode dar.
Como as plantas, é preciso que as ideias amadureçam para serem colhidos os
frutos. Além disto, saibamos fazer as concessões necessárias nas épocas de
transição, porque nada, na Natureza, se opera de maneira brusca e instantânea.
Dissemos que o verdadeiro
objetivo das assembleias religiosas deve ser a comunhão de pensamentos; é que,
com efeito, a palavra religião quer dizer laço. Uma religião, em sua acepção
ampla e verdadeira, é um laço que religa os homens numa comunhão de
sentimentos, de princípios e de crenças. Consecutivamente, esse nome foi dado a
esses mesmos princípios codificados e formulados em dogmas ou artigos de fé. É
neste sentido que se diz: a religião política; entretanto, mesmo nesta acepção,
a palavra religião não é sinônima de opinião; implica uma ideia particular: a
de fé conscienciosa; eis por que se diz também: a fé política. Ora, os homens
podem alistar-se, por interesse, num partido, sem ter fé nesse partido, e a
prova é que o deixam sem escrúpulo, quando encontram seu interesse alhures, ao
passo que aquele que o abraça por convicção é inabalável; ele persiste à custa
dos maiores sacrifícios, e a abnegação dos interesses pessoais é a verdadeira pedra
de toque da fé sincera. Contudo, se a renúncia a uma opinião, motivada pelo
interesse, é um ato de desprezível covardia, é respeitável, ao contrário,
quando fruto do reconhecimento do erro em que se estava; é então um ato de
abnegação e de bom-senso. Há mais coragem e grandeza em reconhecermos
abertamente que nos enganamos, do que persistirmos, por amor-próprio, no que
sabemos ser falso, e para não darmos um desmentido a nós mesmos, o que acusa
mais teimosia do que firmeza, mais orgulho do que bom-senso, mais fraqueza do
que força. É mais ainda: é hipocrisia, porque queremos parecer o que não somos;
além disso é uma ação má, porque é encorajar o erro por nosso próprio exemplo.
O laço estabelecido por uma
religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, um laço essencialmente moral
que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não
apenas o fato de compromissos materiais que podemos romper à vontade, ou da
realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse
laço moral é o de estabelecer entre as pessoas que ele une, como consequência
da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a
indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que também se diz: a
religião da amizade, a religião da família.
Se assim é, perguntarão, então o
Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores; no sentido
filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos glorificamos por isto,
porque é a doutrina que funda os laços da fraternidade e da comunhão de
pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre as mais sólidas bases:
as próprias leis da Natureza.
Por que, então, temos declarado
que o Espiritismo não é uma religião? Porque não há uma palavra para exprimir
duas ideias diferentes, e porque, na opinião geral, a palavra religião é
inseparável da ideia de culto; porque ela desperta exclusivamente uma ideia de
forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse religião, o
público não veria aí senão uma nova edição, uma variante, se quiserem, dos
princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de
hierarquias, de cerimônias e de privilégios; ele não o separaria das ideias de
misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião pública se
levantou.
Não tendo o Espiritismo nenhum
dos caracteres de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem
devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor as pessoas inevitavelmente
ter-se-iam equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e
moral.
As reuniões espíritas podem,
pois, ser feitas religiosamente, isto é, com o recolhimento e o respeito que
comporta a natureza grave dos assuntos de que elas se ocupam. Pode-se mesmo, na
ocasião, fazer preces que em vez de serem ditas em particular, são ditas em
comum, sem que por isto as tomem por assembleias religiosas. Não penseis que
isto seja um jogo de palavras; a nuança é perfeitamente clara, e a aparente
confusão é devida à falta de um vocábulo para cada ideia.
Qual é, pois, o laço que deve
existir entre os espíritas? Eles não estão unidos entre si por nenhum contrato
material, por nenhuma prática obrigatória; qual o sentimento no qual se devem
confundir todos os pensamentos? É um sentimento todo moral, todo espiritual,
todo humanitário: o da caridade para com todos, ou, por outras palavras: o amor
ao próximo, que compreende os vivos e os mortos, pois sabemos que os mortos
também fazem parte da Humanidade.
A caridade é a alma do
Espiritismo. Ela resume todos os deveres do homem para consigo mesmo e para com
os seus semelhantes; eis por que podemos dizer que não há verdadeiro espírita
sem caridade.
Mas a caridade é ainda uma
dessas palavras de sentido múltiplo, cujo inteiro alcance deve ser bem
compreendido, e se os Espíritos não cessam de pregá-la e defini-la, é que
provavelmente eles reconhecem que isto ainda é necessário.
O campo da caridade é muito
vasto. Ele compreende duas grandes divisões que, na falta de termos especiais,
podemos designar pelas expressões: caridade beneficente e caridade benevolente.
Compreende-se facilmente a primeira, que é naturalmente proporcional aos
recursos materiais de que se dispõe; mas a segunda está ao alcance de todos,
tanto do mais pobre quanto do mais rico. Se a beneficência é forçosamente limitada,
nada, além da vontade, poderia colocar limites à benevolência.
O que é preciso, então, para
praticar a caridade benevolente? Amar ao próximo como a si mesmo: ora, se
amarmos ao próximo como a nós mesmos, amá-lo-emos muito; agiremos para com os
outros como gostaríamos que os outros agissem para conosco; não desejaremos nem
faremos mal a ninguém, porque não gostaríamos que no-lo fizessem.
Amar ao próximo é, pois, abjurar
todo sentimento de ódio, de animosidade, de rancor, de inveja, de ciúme, de
vingança, numa palavra, todo desejo e todo pensamento de prejudicar; é perdoar
aos seus inimigos e retribuir o mal com o bem; é ser indulgente para com as
imperfeições de seus semelhantes e não procurar o cisco no olho do vizinho,
quando não vemos a trave que temos no nosso; é cobrir ou desculpar as faltas
dos outros, em vez de nos comprazermos em pô-las em relevo por espírito de
maledicência; é, ainda, não nos fazermos valorizar à custa dos outros; não
procurarmos esmagar a pessoa sob o peso de nossa superioridade; não
desprezarmos ninguém por orgulho. Eis a verdadeira caridade benevolente, a
caridade prática, sem a qual a caridade é palavra vã; é a caridade do
verdadeiro espírita como do verdadeiro cristão, aquela sem a qual quem diz:
Fora da caridade não há salvação, pronuncia sua própria condenação, tanto neste
quanto no outro mundo.
Quanta coisa haveria a dizer a
tal respeito! Quantas belas instruções nos dão os Espíritos incessantemente!
Sem o receio de alongar-me e de abusar de vossa paciência, senhores, seria
fácil demonstrar que, em se colocando no ponto de vista do interesse pessoal,
egoísta, se preferirdes, porque nem todos os homens estão maduros para uma
completa abnegação para fazer o bem unicamente por amor do bem, digo que seria
fácil demonstrar que eles têm tudo a ganhar em agir deste modo e tudo a perder
agindo diversamente, mesmo em suas relações sociais; depois, o bem atrai o bem
e a proteção dos bons Espíritos; o mal atrai o mal e abre a porta à
malevolência dos maus. Mais cedo ou mais tarde o orgulhoso será castigado pela
humilhação, o ambicioso pelas decepções, o egoísta pela ruína de suas
esperanças, o hipócrita pela vergonha de ser desmascarado. Aquele que abandona
os bons Espíritos por estes é abandonado e de queda em queda se vê, por fim, no
fundo do abismo, ao passo que os bons Espíritos erguem e amparam aquele que,
nas maiores provações, não deixa de confiar na Providência e jamais se desvia
do reto caminho, aquele, enfim, cujos secretos sentimentos não dissimulam
nenhum pensamento oculto de vaidade ou de interesse pessoal. Então, de um lado,
ganho assegurado; do outro, perda certa; cada um, em virtude de seu
livre-arbítrio, pode escolher os riscos que quer correr, mas não poderá
queixar-se senão de si mesmo pelas consequências de sua escolha.
Crer num Deus todo-poderoso,
soberanamente justo e bom; crer na alma e em sua imortalidade; na preexistência
da alma como única justificação do presente; na pluralidade das existências
como meio de expiação, de reparação e de adiantamento intelectual e moral; na
perfectibilidade dos mais imperfeitos seres; na felicidade crescente com a
perfeição; na equitável remuneração do bem e do mal, conforme o princípio: a
cada um segundo as suas obras; na igualdade da justiça para todos, sem
exceções, favores nem privilégios para nenhuma criatura; na duração da expiação
limitada pela da imperfeição; no livre-arbítrio do homem, que lhe deixa sempre
a escolha entre o bem e o mal; crer na continuidade das relações entre o mundo
visível e o mundo invisível; na solidariedade que religa todos os seres
passados, presentes e futuros, encarnados e desencarnados; considerar a vida
terrestre como transitória e uma das fases da vida do Espírito, que é eterna;
aceitar corajosamente as provações, em vista do futuro mais desejável que o
presente; praticar a caridade em pensamentos, palavras e obras na mais larga
acepção da palavra; esforçar-se todos os dias para ser melhor que na véspera,
extirpando alguma imperfeição de sua alma; submeter todas as crenças ao
controle do livre exame e da razão e nada aceitar pela fé cega; respeitar todas
as crenças sinceras, por mais irracionais que nos pareçam e não violentar a
consciência de ninguém; ver, enfim, nas descobertas da Ciência a revelação das
leis da Natureza, que são as leis de Deus: eis o Credo, a religião do
Espiritismo, religião que pode congraçar-se com todos os cultos, isto é, com
todas as maneiras de adorar Deus. É o laço que deve unir todos os espíritas
numa santa comunhão de pensamentos, esperando que ele ligue todos os homens sob
a bandeira da fraternidade universal.
Com a fraternidade, filha da
caridade, os homens viverão em paz e se pouparão dos males inumeráveis que
nascem da discórdia, por sua vez filha do orgulho, do egoísmo, da ambição, do
ciúme e de todas as imperfeições da Humanidade.
O Espiritismo dá aos homens tudo
o que é preciso para a felicidade aqui na Terra, porque lhes ensina a se
contentarem com o que eles têm. Que os espíritas sejam, pois, os primeiros a
aproveitar os benefícios que ele traz, e que inaugurem entre si o reino da
harmonia que resplandecerá nas gerações futuras.
Os Espíritos que nos rodeiam
aqui são inumeráveis, atraídos pelo objetivo que nos propusemos ao nos
reunirmos, a fim de dar aos nossos pensamentos a força que nasce da união.
Demos aos que nos são caros um boa lembrança e o penhor de nossa afeição,
encorajamento e consolações aos que estão necessitados. Façamos de modo que
cada um recolha a sua parte dos sentimentos de caridade benevolente de que
estivermos animados, e que esta reunião produza os frutos que todos têm o
direito de esperar.
ALLAN KARDEC
[1] Revista
Espírita – Dezembro/1868 - Sessão
anual comemorativa dos mortos – Discurso de Abertura pelo Sr. Allan Kardec - O
Espiritismo é uma religião?
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