quarta-feira, 15 de agosto de 2018

CONICE: a importância dos congressos espíritas[1]


Congresso Espirita Internacional de Paris (1925). Vemos, ao centro, Leon Denis.


Carlos Gomes


A partir do século XVII a ciência vem enfatizando o pensamento racional, baseado em Renné Descartes, filósofo, médico e matemático francês, que propôs a ideia do cogitoergo sum (penso, logo existo) tornando-se, assim, o pai do pensamento racional, ou da ciência moderna. Por isso a ciência atual é também conhecida como ciência cartesiana, ou cartesianismo, em sua homenagem.

Descartes propõe a decomposição do pensamento (análise) e dos problemas em suas partes componentes e sua disposição em uma ordem lógica.

Para ele, a análise mostra o caminho verdadeiro para o qual foi inventada e revela que os efeitos dependem de suas causas.

Propôs ainda que o ponto fundamental do método analítico seria a dúvida, e para isso deveria ser utilizado o raciocínio. Baseado na razão, começou-se a pensar o modo de vida da sociedade, visando o bem-estar e equilíbrio para o homem e todo o seu entorno.

Na medicina, por exemplo, adota-se a partir de então o estudo sistematizado do organismo humano, buscando-se na observação científica a confirmação dos fatos.

O médico Núbor Facure (2000) destaca o século XVII como aquele que seria marcado pelo desenvolvimento das Ciências Naturais, em termos de pesquisa, experimentos, análise dos fatos, verificação de sua repetição e constância na natureza e daí seriam tiradas as conclusões mais objetivas.

A proposta era observar para compreender a natureza, eliminando dessa forma as crenças e superstições.

Diante disso, iniciam-se encontros entre pensadores para discutir ideias de maneira racional, dando início às reuniões e assembleias com apresentação de problemas para apreciação e surgimento de propostas de solução, o que hoje são conhecidos como congressos, simpósios e seminários.

Em meados do século XIX surge o Espiritismo como a Ciência do Espírito que, por mais de cento e sessenta anos tem fornecido a comprovação da existência do mundo espiritual e suas relações com o mundo material. Essa Ciência, que tem também caráter filosófico e religioso é resultado das pesquisas realizadas pelo professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que adotou o pseudônimo de Allan Kardec.

Para ele “o espiritismo explica uma imensidade de fenômenos incompreendidos e, por isso mesmo, considerados inadmissíveis por parte de certa classe de pensadores”.

Kardec chegou a criar uma revista para discutir suas ideias a público. Em 1858 surge a Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Na introdução de sua primeira edição ele refere-se à ciência espírita como uma ciência filosófica e como toda ciência, o Espiritismo já consegue pela observação dos fatos deduzir seus princípios gerais.

Sobre o caráter da revelação espírita, o autor apresenta sua natureza tanto de revelação divina, quanto de revelação científica.

Divina porque advinda do ensinamento dos Espíritos para esclarecimentos dos homens.

Científica porque objeto de investigação, observação e pesquisa. Kardec afirma ainda que: “a Doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as consequências e aplicações”. (KARDEC, 2013 p. 20)

Kardec deixa bem claro que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. Observação que requer condições especiais para ser realizada. O objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual.

Ele enfatiza que a Ciência sem o Espiritismo se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria.

O Espírito Emmanuel em psicografia de Chico Xavier acrescenta que “a ciência do mundo, se não deseja continuar no papel de comparsa da tirania e da destruição, tem absoluta necessidade do Espiritismo, cuja finalidade divina é a iluminação dos sentimentos”. (XAVIER, 2013).

O Espiritismo como ciência exige um estudo sério.

Na introdução de O Livro dos Espíritos Kardec afirma que “o que caracteriza um estudo sério é a continuidade que se lhe dá”.

E complementa dizendo que “aquele que deseje tornar-se versado numa ciência tem que a estudar metodicamente, começando pelo princípio e acompanhando o encadeamento e o desenvolvimento das ideias”.

O próprio Allan Kardec foi o fundador do primeiro grupo de estudo e pesquisa do Espiritismo: a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, com sede em sua própria casa, mais tarde transferindo-se para um local maior. Segundo registro no cap. XXX de O Livro dos Médiuns (2013) a sociedade tinha por objetivo estudar os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas. Seus estudos eram mais de caráter teórico ou filosófico do que experimental.

Hernani G. Andrade (2007) destaca que existe atualmente muita curiosidade em relação aos fenômenos espíritas, muitos querendo provas da sobrevivência do Espírito, mas que tal fato não passa de observação pessoal, faltando um certo rigor do controle científico.

Ele lamenta que o componente científico do Espiritismo se encontre estagnado, em detrimento de seu aspecto filosófico e religioso.

Andrade (2007) observa que, enquanto as ciências do século XIX evoluíram, apresentando princípios e teorias para sua fundamentação, para o Espiritismo ainda faltam teorias que lhe facultem avanço seguro na estrada da pesquisa metódica de laboratório.

A Ciência Espírita tem campo aberto à pesquisa e ao desenvolvimento de seus princípios básicos, os quais podem e devem evoluir paralelamente à Ciência Oficial. Só assim o Espiritismo logrará fugir à triste sorte de converter em dogmas as suas conceituações, impondo-as como artigos de fé. (ANDRADE, 2007 p. 46).

Para esse autor, não se pode esquecer o caráter científico do Espiritismo. Deve-se perder a timidez e o comodismo e soltar as asas da inteligência, acompanhando o progresso.

Assim, cabe ao Movimento Espírita dar continuidade às pesquisas iniciadas pelo mestre lionês no século XIX, organizando grupos de estudo e pesquisa, realizando congressos e eventos correlatos para apresentação e debate dos seus resultados.

Já é possível observar a organização de alguns grupos com essa finalidade, mesmo que incipientes ainda. O mais conhecido é o grupo formado por médicos espíritas, a Associação Médica Espírita (AME).

Desde 1991 médicos espíritas se reúnem num congresso nacional, o Mednesp, para a troca de experiências, estudos e interação entre os pares. Esse congresso inicialmente foi promovido pela AME-SP –Associação Médico-Espírita de São Paulo, entidade fundada em 31 de março de 1968. Em junho de 1995 foi fundada a Associação Médico-Espírita do Brasil (AME-Brasil), que passou a organizar os congressos seguintes tanto em nível nacional, quanto internacional.

Para assumir a presidência da AME-Brasil foi convidada a Dra. Marlene Rossi Severino Nobre (1937-2015) que, em entrevista ao jornal Folha Espírita afirmou: “o Espiritismo tem tanto a oferecer à Ciência, em particular à Medicina, que nos sentimos pequenos diante da tarefa a ser executada”.

Dra. Marlene disse ainda, à época, que o objetivo da AME-Brasil é o de ampliar as pesquisas médico-espíritas, envolvendo, tanto quanto possível, equipes multidisciplinares, a fim de consolidarem no campo científico, os paradigmas espíritas – a sobrevivência da alma, a reencarnação, a evolução dos seres, a comunicabilidade entre diferentes planos da vida etc.

Concordando com a afirmação apresentada pela Dra. Marlene Nobre na entrevista citada: “o Espiritismo tem tanto a oferecer à Ciência”, pensou-se em incentivar a pesquisa e formar pesquisadores na região do sul de Minas Gerais. Daí teve início o CONICE – Congresso de Iniciação Científica Espírita do Sul de Minas.

O CONICE surgiu da iniciativa do Lar Espírita Mãos de Amor – LEMA, da cidade de Santa Rita do Sapucaí, com a adesão da AME (Aliança Municipal Espírita) de Santa Rita do Sapucaí e de Itajubá e apoio do 23º CRE – Conselho Regional Espírita. Atualmente esse evento já se encontra em sua 5ª edição.

O objetivo geral do CONICE é o de promover no ambiente espírita o desenvolvimento de estudos espíritas alicerçados em metodologias científicas.

Outros objetivos do congresso são os de divulgação de trabalhos de pesquisa realizados por frequentadores de estudos em casas espíritas, incentivo do desenvolvimento da vocação para os campos da ciência nos centros espíritas, por meio de participação em projetos de pesquisa, além de promover a iniciação científica nas casas espíritas como alternativa pedagógica para a obtenção do conhecimento.

O primeiro CONICE ocorreu na cidade de Santa Rita do Sapucaí nas dependências de uma escola pública, em 2009.

Nessa primeira iniciativa foi incentivada a participação de pessoas que nunca tinham escrito um artigo científico. O Professor Doutor Vladas Urbanavicius Jr, presidente do Lar Espírita Mãos de Amor – LEMA, desta mesma cidade, orientou os trabalhos de sua instituição, ensinando aos interessados como se escrever e apresentar um trabalho acadêmico.

Além do grupo idealizador, outros centros espíritas participaram do evento com interessantes trabalhos apresentados e profícua discussão ao final.

No ano seguinte, 2010, pensou-se em realizar o evento de forma itinerante, tendo sido transferido para a cidade de Ouro Fino.

Por uma série de fatores o evento deixou de ser realizado por seis anos, voltando somente em 2016, de forma concomitante com outro evento, o I Seminário de Ética e Espiritualidade do Sul de Minas (SETESM).

Esse evento aconteceu no Centro Espírita Amor e Caridade Santarritense, na cidade de Santa Rita do Sapucaí, com a participação de palestrantes convidados de outras cidades.

Os trabalhos de pesquisa foram apresentados em forma de pôsteres.

Em 2017 o CONICE voltou a ser realizado independentemente do SETESM. Dessa vez ele aconteceu na cidade de Itajubá, na sede do Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade - CEFEC. Foram apresentados cinco trabalhos, durante uma tarde e após houve a formação de uma mesa-redonda para debates.

Para o ano de 2018, o evento está programado para acontecer nesse mesmo local, no dia quatro de agosto, atendendo sempre à proposta original. Formar pesquisadores e estimular o pensamento científico entre os Espíritas, contribuindo assim para o aspecto científico, sem esquecer os demais, o filosófico e o religioso. Maiores informações e os artigos apresentados podem ser encontrados no site www.conice.org.br .

Entende-se o Espiritismo como um centro de estudos, em primeiro lugar. O Espírito Emmanuel, mentor do médium Francisco C. Xavier diz que a Ciência tem o dever de investigar e de estudar e, no seu afã incessante de saber, fazer rolar por terra ideias errôneas e equivocadas.

Muitos se debruçam no intuito de encontrar o verdadeiro sentido da vida, mas, segundo Emmanuel (Xavier,2013b), nem sempre se preparam previamente para resolver tais questões. O êxito nos estudos desses problemas tão transcendentais, segundo ele, demanda a utilização de fatores morais, raramente encontrados em muitos pesquisadores.

O Dr. Paulo Fructuoso (2015) diz serem enormes as beneficências que a humanidade poderia usufruir se os grandes cientistas se voltassem para a pesquisa séria e desarmada dos fenômenos mediúnicos, principalmente, segundo ele, os ligados à ectoplasmia.

Se as ciências nascidas no século XIX conseguiram, através de muitas pesquisas e, por conseguinte, a realização de congressos para a apresentação de seus resultados, conquistar seu lugar como fonte de saber de objetos específicos, cabe aos espíritas, mormente os que atuam no cenário acadêmico, realizar também pesquisas e congressos e oportunizar a apresentação de trabalhos espíritas.

Espera-se com esse artigo que outros movimentos similares se levantem em prol da Ciência espírita, a favor da verdade, fundamentada com os instrumentos pertinentes a uma pesquisa científica. Oportunizando ao Espiritismo ocupar o lugar que lhe é de direito junto às demais ciências. A divulgação dessa Doutrina Consoladora e Esclarecedora passa pelos domínios da ciência e é dever do Espírita lançar mão desse instrumento.


REFERÊNCIAS

AME- Associação Médico - -Espírita de São Paulo. MEDNESP95. São Paulo: Editora Jornalística FE, 1996 (Boletim médico-espírita nº 10).

ANDRADE, H. Guimarães. A teoria corpuscular do espírito: uma extensão dos conceitos quânticos e atômicos à ideia do espírito. Votuporanga, SP: Casa Editora Espírita, 2007.

FRUCTUOSO, P. Cesar Reflexões Espiritualistas e Científicas de um Médico. Rio de Janeiro: Lar de Frei Luiz, 2015.

MORAES, M. C.. O Paradigma Educacional Emergente. 16ª. ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.

FACURE, N. O. A Ciência da Alma: de Mesmer a Kardec, São Paulo: Editora Jornalística FE, 2000.

KARDEC, A. A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra, da 5ª ed. Francesa.

2ª. ed. Brasília: FEB, 2013. __________ O Livro dos Espíritos.  Trad. Guillon Ribeiro

93ª. ed. Brasília: FEB, 2013. _________ O Livro dos Médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra

2ª. ed. Brasília, FEB, 2013. __________ Revista Espírita – 1º vol. Ano 1858. Trad. Salvador Gentile. São Paulo: Mundo Maior Editora, 2003.

WANTUIL, Z. THIESEN, F. Allan Kardec, vol. III, 4ª. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998.

XAVIER, F. C. (Espírito Emmanuel). O Consolador . 29ª. ed. Brasília,

DF:FEB, 2013a. __________Emmanuel 28. ed. Brasília, DF: FEB, 2013b.



[1] O Fóton – nº 12 – Julho/2018

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