Congresso Espirita Internacional de Paris (1925). Vemos, ao centro, Leon Denis.
Carlos Gomes
A partir do século XVII a
ciência vem enfatizando o pensamento racional, baseado em Renné Descartes,
filósofo, médico e matemático francês, que propôs a ideia do cogitoergo sum
(penso, logo existo) tornando-se, assim, o pai do pensamento racional, ou da
ciência moderna. Por isso a ciência atual é também conhecida como ciência
cartesiana, ou cartesianismo, em sua homenagem.
Descartes propõe a decomposição
do pensamento (análise) e dos problemas em suas partes componentes e sua
disposição em uma ordem lógica.
Para ele, a análise mostra o
caminho verdadeiro para o qual foi inventada e revela que os efeitos dependem
de suas causas.
Propôs ainda que o ponto
fundamental do método analítico seria a dúvida, e para isso deveria ser
utilizado o raciocínio. Baseado na razão, começou-se a pensar o modo de vida da
sociedade, visando o bem-estar e equilíbrio para o homem e todo o seu entorno.
Na medicina, por exemplo,
adota-se a partir de então o estudo sistematizado do organismo humano,
buscando-se na observação científica a confirmação dos fatos.
O médico Núbor Facure (2000)
destaca o século XVII como aquele que seria marcado pelo desenvolvimento das
Ciências Naturais, em termos de pesquisa, experimentos, análise dos fatos,
verificação de sua repetição e constância na natureza e daí seriam tiradas as
conclusões mais objetivas.
A proposta era observar para
compreender a natureza, eliminando dessa forma as crenças e superstições.
Diante disso, iniciam-se
encontros entre pensadores para discutir ideias de maneira racional, dando
início às reuniões e assembleias com apresentação de problemas para apreciação
e surgimento de propostas de solução, o que hoje são conhecidos como
congressos, simpósios e seminários.
Em meados do século XIX surge o
Espiritismo como a Ciência do Espírito que, por mais de cento e sessenta anos
tem fornecido a comprovação da existência do mundo espiritual e suas relações com
o mundo material. Essa Ciência, que tem também caráter filosófico e religioso é
resultado das pesquisas realizadas pelo professor francês Hippolyte Léon
Denizard Rivail, que adotou o pseudônimo de Allan Kardec.
Para ele “o espiritismo explica
uma imensidade de fenômenos incompreendidos e, por isso mesmo, considerados
inadmissíveis por parte de certa classe de pensadores”.
Kardec chegou a criar uma
revista para discutir suas ideias a público. Em 1858 surge a Revista Espírita:
jornal de estudos psicológicos. Na introdução de sua primeira edição ele
refere-se à ciência espírita como uma ciência filosófica e como toda ciência, o
Espiritismo já consegue pela observação dos fatos deduzir seus princípios
gerais.
Sobre o caráter da revelação
espírita, o autor apresenta sua natureza tanto de revelação divina, quanto de
revelação científica.
Divina porque advinda do
ensinamento dos Espíritos para esclarecimentos dos homens.
Científica porque objeto de
investigação, observação e pesquisa. Kardec afirma ainda que: “a Doutrina não
foi ditada completa, nem imposta à crença cega porque é deduzida, pelo trabalho
do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das
instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de
tirar ele próprio as consequências e aplicações”. (KARDEC, 2013 p. 20)
Kardec deixa bem claro que o
Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. Observação
que requer condições especiais para ser realizada. O objeto especial do
Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual.
Ele enfatiza que a Ciência sem o
Espiritismo se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas
leis da matéria.
O Espírito Emmanuel em
psicografia de Chico Xavier acrescenta que “a ciência do mundo, se não deseja
continuar no papel de comparsa da tirania e da destruição, tem absoluta
necessidade do Espiritismo, cuja finalidade divina é a iluminação dos
sentimentos”. (XAVIER, 2013).
O Espiritismo como ciência exige
um estudo sério.
Na introdução de O Livro dos
Espíritos Kardec afirma que “o que caracteriza um estudo sério é a continuidade
que se lhe dá”.
E complementa dizendo que
“aquele que deseje tornar-se versado numa ciência tem que a estudar
metodicamente, começando pelo princípio e acompanhando o encadeamento e o
desenvolvimento das ideias”.
O próprio Allan Kardec foi o
fundador do primeiro grupo de estudo e pesquisa do Espiritismo: a Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas, com sede em sua própria casa, mais tarde
transferindo-se para um local maior. Segundo registro no cap. XXX de O Livro
dos Médiuns (2013) a sociedade tinha por objetivo estudar os fenômenos
relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais,
físicas, históricas e psicológicas. Seus estudos eram mais de caráter teórico
ou filosófico do que experimental.
Hernani G. Andrade (2007)
destaca que existe atualmente muita curiosidade em relação aos fenômenos
espíritas, muitos querendo provas da sobrevivência do Espírito, mas que tal
fato não passa de observação pessoal, faltando um certo rigor do controle
científico.
Ele lamenta que o componente
científico do Espiritismo se encontre estagnado, em detrimento de seu aspecto
filosófico e religioso.
Andrade (2007) observa que,
enquanto as ciências do século XIX evoluíram, apresentando princípios e teorias
para sua fundamentação, para o Espiritismo ainda faltam teorias que lhe
facultem avanço seguro na estrada da pesquisa metódica de laboratório.
A Ciência Espírita tem campo aberto
à pesquisa e ao desenvolvimento de seus princípios básicos, os quais podem e
devem evoluir paralelamente à Ciência Oficial. Só assim o Espiritismo logrará
fugir à triste sorte de converter em dogmas as suas conceituações, impondo-as como
artigos de fé. (ANDRADE, 2007 p. 46).
Para esse autor, não se pode
esquecer o caráter científico do Espiritismo. Deve-se perder a timidez e o
comodismo e soltar as asas da inteligência, acompanhando o progresso.
Assim, cabe ao Movimento Espírita
dar continuidade às pesquisas iniciadas pelo mestre lionês no século XIX, organizando
grupos de estudo e pesquisa, realizando congressos e eventos correlatos para
apresentação e debate dos seus resultados.
Já é possível observar a organização
de alguns grupos com essa finalidade, mesmo que incipientes ainda. O mais conhecido
é o grupo formado por médicos espíritas, a Associação Médica Espírita (AME).
Desde 1991 médicos espíritas se
reúnem num congresso nacional, o Mednesp, para a troca de experiências, estudos
e interação entre os pares. Esse congresso inicialmente foi promovido pela
AME-SP –Associação Médico-Espírita de São Paulo, entidade fundada em 31 de
março de 1968. Em junho de 1995 foi fundada a Associação Médico-Espírita do
Brasil (AME-Brasil), que passou a organizar os congressos seguintes tanto em
nível nacional, quanto internacional.
Para assumir a presidência da
AME-Brasil foi convidada a Dra. Marlene Rossi Severino Nobre (1937-2015) que, em
entrevista ao jornal Folha Espírita afirmou: “o Espiritismo tem tanto a
oferecer à Ciência, em particular à Medicina, que nos sentimos pequenos diante da
tarefa a ser executada”.
Dra. Marlene disse ainda, à
época, que o objetivo da AME-Brasil é o de ampliar as pesquisas
médico-espíritas, envolvendo, tanto quanto possível, equipes
multidisciplinares, a fim de consolidarem no campo científico, os paradigmas
espíritas – a sobrevivência da alma, a reencarnação, a evolução dos seres, a
comunicabilidade entre diferentes planos da vida etc.
Concordando com a afirmação apresentada
pela Dra. Marlene Nobre na entrevista citada: “o Espiritismo tem tanto a
oferecer à Ciência”, pensou-se em incentivar a pesquisa e formar pesquisadores
na região do sul de Minas Gerais. Daí teve início o CONICE – Congresso de
Iniciação Científica Espírita do Sul de Minas.
O CONICE surgiu da iniciativa do
Lar Espírita Mãos de Amor – LEMA, da cidade de Santa Rita do Sapucaí, com a adesão
da AME (Aliança Municipal Espírita) de Santa Rita do Sapucaí e de Itajubá e
apoio do 23º CRE – Conselho Regional Espírita. Atualmente esse evento já se
encontra em sua 5ª edição.
O objetivo geral do CONICE é o
de promover no ambiente espírita o desenvolvimento de estudos espíritas alicerçados
em metodologias científicas.
Outros objetivos do congresso
são os de divulgação de trabalhos de pesquisa realizados por frequentadores de estudos
em casas espíritas, incentivo do desenvolvimento da vocação para os campos da
ciência nos centros espíritas, por meio de participação em projetos de
pesquisa, além de promover a iniciação científica nas casas espíritas como
alternativa pedagógica para a obtenção do conhecimento.
O primeiro CONICE ocorreu na
cidade de Santa Rita do Sapucaí nas dependências de uma escola pública, em
2009.
Nessa primeira iniciativa foi
incentivada a participação de pessoas que nunca tinham escrito um artigo
científico. O Professor Doutor Vladas Urbanavicius Jr, presidente do Lar
Espírita Mãos de Amor – LEMA, desta mesma cidade, orientou os trabalhos de sua
instituição, ensinando aos interessados como se escrever e apresentar um
trabalho acadêmico.
Além do grupo idealizador, outros
centros espíritas participaram do evento com interessantes trabalhos
apresentados e profícua discussão ao final.
No ano seguinte, 2010, pensou-se
em realizar o evento de forma itinerante, tendo sido transferido para a cidade
de Ouro Fino.
Por uma série de fatores o
evento deixou de ser realizado por seis anos, voltando somente em 2016, de
forma concomitante com outro evento, o I Seminário de Ética e Espiritualidade do
Sul de Minas (SETESM).
Esse evento aconteceu no Centro
Espírita Amor e Caridade Santarritense, na cidade de Santa Rita do Sapucaí, com
a participação de palestrantes convidados de outras cidades.
Os trabalhos de pesquisa foram apresentados
em forma de pôsteres.
Em 2017 o CONICE voltou a ser
realizado independentemente do SETESM. Dessa vez ele aconteceu na cidade de Itajubá,
na sede do Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade - CEFEC. Foram apresentados
cinco trabalhos, durante uma tarde e após houve a formação de uma mesa-redonda
para debates.
Para o ano de 2018, o evento
está programado para acontecer nesse mesmo local, no dia quatro de agosto, atendendo
sempre à proposta original. Formar pesquisadores e estimular o pensamento
científico entre os Espíritas, contribuindo assim para o aspecto científico,
sem esquecer os demais, o filosófico e o religioso. Maiores informações e os
artigos apresentados podem ser encontrados no site www.conice.org.br .
Entende-se o Espiritismo como um
centro de estudos, em primeiro lugar. O Espírito Emmanuel, mentor do médium Francisco
C. Xavier diz que a Ciência tem o dever de investigar e de estudar e, no seu
afã incessante de saber, fazer rolar por terra ideias errôneas e equivocadas.
Muitos se debruçam no intuito de
encontrar o verdadeiro sentido da vida, mas, segundo Emmanuel (Xavier,2013b), nem
sempre se preparam previamente para resolver tais questões. O êxito nos estudos
desses problemas tão transcendentais, segundo ele, demanda a utilização de
fatores morais, raramente encontrados em muitos pesquisadores.
O Dr. Paulo Fructuoso (2015) diz
serem enormes as beneficências que a humanidade poderia usufruir se os grandes cientistas
se voltassem para a pesquisa séria e desarmada dos fenômenos mediúnicos, principalmente,
segundo ele, os ligados à ectoplasmia.
Se as ciências nascidas no
século XIX conseguiram, através de muitas pesquisas e, por conseguinte, a
realização de congressos para a apresentação de seus resultados, conquistar seu
lugar como fonte de saber de objetos específicos, cabe aos espíritas, mormente
os que atuam no cenário acadêmico, realizar também pesquisas e congressos e
oportunizar a apresentação de trabalhos espíritas.
Espera-se com esse artigo que
outros movimentos similares se levantem em prol da Ciência espírita, a favor da
verdade, fundamentada com os instrumentos pertinentes a uma pesquisa
científica. Oportunizando ao Espiritismo ocupar o lugar que lhe é de direito junto
às demais ciências. A divulgação dessa Doutrina Consoladora e Esclarecedora
passa pelos domínios da ciência e é dever do Espírita lançar mão desse
instrumento.
REFERÊNCIAS
AME- Associação Médico - -Espírita
de São Paulo. MEDNESP95. São Paulo: Editora Jornalística FE, 1996 (Boletim médico-espírita
nº 10).
ANDRADE, H. Guimarães. A teoria
corpuscular do espírito: uma extensão dos conceitos quânticos e atômicos à
ideia do espírito. Votuporanga, SP: Casa Editora Espírita, 2007.
FRUCTUOSO, P. Cesar
Reflexões Espiritualistas e Científicas de um Médico. Rio de Janeiro: Lar de
Frei Luiz, 2015.
MORAES, M. C.. O Paradigma Educacional
Emergente. 16ª. ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.
FACURE, N. O. A Ciência da Alma:
de Mesmer a Kardec, São Paulo: Editora Jornalística FE, 2000.
KARDEC, A. A Gênese: os
milagres e as predições segundo o Espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra, da
5ª ed. Francesa.
2ª. ed. Brasília: FEB,
2013. __________ O Livro dos Espíritos. Trad.
Guillon Ribeiro
93ª. ed. Brasília: FEB,
2013. _________ O Livro dos Médiuns. Trad. Evandro Noleto Bezerra
2ª. ed. Brasília, FEB,
2013. __________ Revista Espírita – 1º vol. Ano 1858. Trad. Salvador Gentile.
São Paulo: Mundo Maior Editora, 2003.
WANTUIL, Z. THIESEN, F. Allan
Kardec, vol. III, 4ª. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1998.
XAVIER, F. C. (Espírito
Emmanuel). O Consolador . 29ª. ed. Brasília,
DF:FEB, 2013a. __________Emmanuel
28. ed. Brasília, DF: FEB, 2013b.
[1] O Fóton – nº 12 – Julho/2018
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