terça-feira, 14 de agosto de 2018

Ação Material dos Espíritos sobre o Organismo[1]




O fato seguinte nos foi transmitido pelo Sr. A. Superchi, de Parma, membro honorário da Sociedade Espírita de Paris.
Em nossa sessão de 23 de abril último, fiz o médium pôr a mão sobre o papel sem evocar nenhum Espírito. Logo que a mão começou a se mover, ele sentiu uma força estranha que o obrigou a manter o indicador levantado e duro, numa posição absolutamente anômala. O dedo estava singularmente frio. Não encontrando explicação para tal excentricidade, pedi a explicação ao Espírito. Respondeu: “Como sois esquecido! Não vos lembrais daquele que, em vida, assim escrevia? Tornei duro este dedo para vos dar uma prova de nossa autenticidade e de nosso poder”. Era o Espírito de um irmão do médium, morto em Florença há mais de vinte anos. Tinha ferido o dedo ao quebrar uma garrafa, quando derramava o seu conteúdo, de tal modo que o dedo ficou anquilosado. Junto um desenho representando a posição da mão do médium.
 Um outro médium, ressentido por merecida mistificação, esforçava-se por provar que os fenômenos provinham do nosso próprio Espírito, concentrado não sei de que maneira.
Um dia, conversando, tomou maquinalmente um lápis para desenhar algumas linhas, brincando; mas sua mão ficou imóvel, a despeito de todos os esforços. Por fim, pôs-se em movimento e escreveu estas palavras: “Quando eu não quiser, jamais poderás escrever o que quer que seja”. Surpreendido, mas ao mesmo tempo ferido em seu amor-próprio, retomou o lápis, dizendo que não queria escrever e que veria se esse pretenso Espírito teria o poder de obrigá-lo. Apesar de sua resolução, a mão moveu-se rapidamente e escreveu: “Quando eu quiser, não poderás deixar de escrever”.
Nos dois casos acima, a ação do Espírito sobre os órgãos é, como se vê, completamente independente da vontade.
Desde logo se concebe que possa ser exercida espontaneamente, abstração feita de qualquer noção do Espiritismo. Com efeito, é o que provam muitas observações. Aqui ela ocorreu num dedo; alhures será sobre outro órgão e poderá traduzir-se por outros efeitos. Tal ação, temporária nesta circunstância, poderia adquirir certa duração e apresentar aparência patológica, que na realidade não existiria, e contra a qual seria ineficaz a terapêutica ordinária.
Considerado do ponto de vista das manifestações espíritas, esse fenômeno oferece notável prova de identidade. O Espírito, enquanto Espírito, incontestavelmente não tem o dedo anquilosado, mas a um médium vidente ele seria apresentado com tal enfermidade para ser reconhecido; ao que não era vidente, comunica por uns momentos a sua doença. Aqui ainda nos deparamos com a prova evidente de que o Espírito se identifica com o médium e se serve do corpo deste como se serviria do seu próprio corpo. Quer esta ação seja produzida por um Espírito malévolo, quer adquira certa duração, quer afete formas mais características e excêntricas, e teremos a explicação da maioria dos casos de subjugação corporal atribuídos à loucura.
O fato seguinte, de natureza análoga, foi relatado por um membro da Sociedade de Paris, que o testemunhou numa cidade do interior.
Vi, disse ele, um médium muito singular; é uma senhora ainda moça, que pede ao seu Espírito familiar lhe paralise, por exemplo, a língua; e logo não pode falar mais senão à maneira de um mudo, que se esforça por ser compreendido. A seu pedido, ele faz as mãos aderir uma à outra, de tal modo que é impossível separá-las; prende-a a uma cadeira até que ela peça para ser posta em liberdade. Pedi ao Espírito que a fizesse adormecer instantaneamente, e ele o fez: o médium adormeceu pela primeira vez, quase de imediato, sem o auxílio de ninguém. Foi nesse estado que julguei reconhecer a natureza desse Espírito, que me pareceu obsessor, porquanto, quando a senhora sofria, ou, ao menos, ficava muito agitada durante o sono, se eu lhe quisesse dar alguns passes magnéticos para acalmá-la, o Espírito a levava a me repelir duramente. Recomendei àquela senhora que não repetisse as experiências com muita frequência.
Quanto a nós, aconselhamos a que se abstivesse totalmente, porque elas poderiam pregar-lhe uma peça. Torna-se evidente que um Espírito bom não se pode prestar a semelhantes coisas; delas fazer um jogo é pôr-se voluntariamente sob funesta dependência, moral e fisicamente, e só Deus sabe onde isto iria parar.
Poderia resultar-lhe alguma subjugação corporal terrível, da qual lhe seria muito difícil, se não impossível, desembaraçar-se. Já é bastante que tais acidentes ocorram espontaneamente, sem que se sucedam quando provocados em excesso e apenas para satisfazer a uma vã curiosidade.
Tais experiências não têm nenhuma utilidade para o melhoramento moral e podem acarretar os mais graves inconvenientes. Depois incriminariam o Espiritismo, quando não deveriam acusar senão a imprevidência ou o orgulho dos que se julgam capazes de dirigir os Espíritos maus à sua vontade. Jamais os desafiamos impunemente. Não afirmamos que o Espírito em questão seja mau por natureza, mas o que é certo é que não pode ser adiantado, nem mesmo essencialmente bom, e que é sempre perigoso submeter-se a tal subordinação, cujo menor inconveniente seria a neutralização do livre-arbítrio. Dando acesso aos Espíritos dessa espécie, ficamos penetrados de seus fluidos, necessariamente refratários às influências dos Espíritos bons, que se afastam, se não nos esforçarmos para atraí-los, buscando no Espiritismo os meios de nos melhorarmos. Uma vez penetrado por um fluido maléfico, o perispírito é como uma vestimenta impregnada de odor acre, que os mais deliciosos perfumes não podem fazer desaparecer.




[1] Revista Espírita – Agosto/1863 – Allan Kardec

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