O fato seguinte nos foi
transmitido pelo Sr. A. Superchi, de Parma, membro honorário da Sociedade
Espírita de Paris.
Em nossa sessão de
23 de abril último, fiz o médium pôr a mão sobre o papel sem evocar nenhum
Espírito. Logo que a mão começou a se mover, ele sentiu uma força estranha que
o obrigou a manter o indicador levantado e duro, numa posição absolutamente
anômala. O dedo estava singularmente frio. Não encontrando explicação para tal
excentricidade, pedi a explicação ao Espírito. Respondeu: “Como sois esquecido!
Não vos lembrais daquele que, em vida, assim escrevia? Tornei duro este dedo
para vos dar uma prova de nossa autenticidade e de nosso poder”. Era o Espírito
de um irmão do médium, morto em Florença há mais de vinte anos. Tinha ferido o
dedo ao quebrar uma garrafa, quando derramava o seu conteúdo, de tal modo que o
dedo ficou anquilosado. Junto um desenho representando a posição da mão do médium.
Um outro médium, ressentido por merecida mistificação,
esforçava-se por provar que os fenômenos provinham do nosso próprio Espírito,
concentrado não sei de que maneira.
Um dia, conversando,
tomou maquinalmente um lápis para desenhar algumas linhas, brincando; mas sua
mão ficou imóvel, a despeito de todos os esforços. Por fim, pôs-se em movimento
e escreveu estas palavras: “Quando eu não quiser, jamais poderás escrever o que
quer que seja”. Surpreendido, mas ao mesmo tempo ferido em seu amor-próprio,
retomou o lápis, dizendo que não queria escrever e que veria se esse pretenso
Espírito teria o poder de obrigá-lo. Apesar de sua resolução, a mão moveu-se rapidamente
e escreveu: “Quando eu quiser, não poderás deixar de escrever”.
Nos dois casos acima, a ação do
Espírito sobre os órgãos é, como se vê, completamente independente da vontade.
Desde logo se concebe que possa
ser exercida espontaneamente, abstração feita de qualquer noção do Espiritismo.
Com efeito, é o que provam muitas observações. Aqui ela ocorreu num dedo; alhures
será sobre outro órgão e poderá traduzir-se por outros efeitos. Tal ação,
temporária nesta circunstância, poderia adquirir certa duração e apresentar
aparência patológica, que na realidade não existiria, e contra a qual seria
ineficaz a terapêutica ordinária.
Considerado do ponto de vista
das manifestações espíritas, esse fenômeno oferece notável prova de identidade.
O Espírito, enquanto Espírito, incontestavelmente não tem o dedo anquilosado,
mas a um médium vidente ele seria apresentado com tal enfermidade para ser
reconhecido; ao que não era vidente, comunica por uns momentos a sua doença.
Aqui ainda nos deparamos com a prova evidente de que o Espírito se identifica com
o médium e se serve do corpo deste como se serviria do seu próprio corpo. Quer
esta ação seja produzida por um Espírito malévolo, quer adquira certa duração,
quer afete formas mais características e excêntricas, e teremos a explicação da
maioria dos casos de subjugação corporal atribuídos à loucura.
O fato seguinte, de natureza
análoga, foi relatado por um membro da Sociedade de Paris, que o testemunhou
numa cidade do interior.
Vi, disse ele, um médium muito singular; é uma senhora
ainda moça, que pede ao seu Espírito familiar lhe paralise, por exemplo, a
língua; e logo não pode falar mais senão à maneira de um mudo, que se esforça
por ser compreendido. A seu pedido, ele faz as mãos aderir uma à outra, de tal
modo que é impossível separá-las; prende-a a uma cadeira até que ela peça para
ser posta em liberdade. Pedi ao Espírito que a fizesse adormecer instantaneamente,
e ele o fez: o médium adormeceu pela primeira vez, quase de imediato, sem o
auxílio de ninguém. Foi nesse estado que julguei reconhecer a natureza desse
Espírito, que me pareceu obsessor, porquanto, quando a senhora sofria, ou, ao
menos, ficava muito agitada durante o sono, se eu lhe quisesse dar alguns
passes magnéticos para acalmá-la, o Espírito a levava a me repelir duramente.
Recomendei àquela senhora que não repetisse as experiências com muita frequência.
Quanto a nós, aconselhamos a que
se abstivesse totalmente, porque elas poderiam pregar-lhe uma peça. Torna-se evidente
que um Espírito bom não se pode prestar a semelhantes coisas; delas fazer um
jogo é pôr-se voluntariamente sob funesta dependência, moral e fisicamente, e
só Deus sabe onde isto iria parar.
Poderia resultar-lhe alguma
subjugação corporal terrível, da qual lhe seria muito difícil, se não impossível,
desembaraçar-se. Já é bastante que tais acidentes ocorram espontaneamente, sem
que se sucedam quando provocados em excesso e apenas para satisfazer a uma vã
curiosidade.
Tais experiências não têm
nenhuma utilidade para o melhoramento moral e podem acarretar os mais graves inconvenientes.
Depois incriminariam o Espiritismo, quando não deveriam acusar senão a
imprevidência ou o orgulho dos que se julgam capazes de dirigir os Espíritos
maus à sua vontade. Jamais os desafiamos impunemente. Não afirmamos que o
Espírito em questão seja mau por natureza, mas o que é certo é que não pode ser
adiantado, nem mesmo essencialmente bom, e que é sempre perigoso submeter-se a
tal subordinação, cujo menor inconveniente seria a neutralização do
livre-arbítrio. Dando acesso aos Espíritos dessa espécie, ficamos penetrados de
seus fluidos, necessariamente refratários às influências dos Espíritos bons,
que se afastam, se não nos esforçarmos para atraí-los, buscando no Espiritismo
os meios de nos melhorarmos. Uma vez penetrado por um fluido maléfico, o perispírito
é como uma vestimenta impregnada de odor acre, que os mais deliciosos perfumes
não podem fazer desaparecer.
[1] Revista
Espírita – Agosto/1863 – Allan Kardec
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