sexta-feira, 27 de julho de 2018

Quando a Culpa faz o seu Papel[1]



Hermínio C. Miranda


Os obsessores mais experientes sabem que somente conseguem cobrar aquilo que têm como crédito pessoal, precisamente porque, segundo ensinou o Cristo, o “pecador se torna escravo do pecado” e não sai de lá enquanto não pagar até o último centavo, ou seja, enquanto restar um reclamo na sua própria consciência.
Em palestras, seminários ou mesmo conversas sobre obsessão e processos obsessivos, costumo utilizar uma frase de que gosto muito: “a aberração não faz parte da lei, mas a lei termina por se cumprir na aberração”. E como ela se encaixa em nossa discussão?
As obsessões são aberrações, não fazem parte da lei de Deus. Dito de outro modo: não está escrito nas leis de Deus que temos o direito de cobrar, com nossas próprias mãos e pelos m´todos que preferirmos, as contas de que nos sentimos credores, seja com quem for e por qualquer motivo. Aliás, nem a lei dos homens nos permite tal arbítrio. No Brasil, por exemplo, “fazer justiça com as próprias mãos”, de modo não autorizado pela lei, constitui crime de exercício arbitrário das próprias razões. Com as leis de Deus não poderia ser diferente...
Contudo, um dos princípios que regem as leis divinas é o da liberdade. Somos livres para escolher nossos caminhos, nossas ações e reações. Somos livres para as escolhas felizes e infelizes. Somos livres para semear... e só não somos livres em um aspecto: a obrigação de colher os frutos da nossa semeadura. Tudo o que construirmos, todas as ideias que disseminarmos, todas as ações materializadas, tudo que invariavelmente se revele como manifestação de vontade, reflexo das nossas conquistas ou deficiências espirituais, gera uma cadeia de causas e efeitos que nos amalgama e vincula.
É claro que isto não significa que nos será retribuído todo o mal que fizermos, sobretudo porque a lei de Talião não é divina, mas humana, fazia parte das leis de Moisés. O problema está em nossa consciência, essa instância superior em que estão inscritas as leis de Deus, não costuma dar tréguas quando se reconhece em “desvio de rota”.
As escolhas erradas deixam rastro, o rastro das imperfeições que as motivaram. E esse rastro das imperfeições constitui o fio por meio do qual os obsessores nos acessam, guiando-se em meio aos labirintos da culpa que nos consome.
Esses fios, verdadeiros rastros psíquicos, geram pontos de contato com a realidade que nos cerca. Assim como se afirma que “um criminoso sempre retorna à cena do crime, porque busca a punição”, a consciência mergulhada em culpa sempre cria para si a necessidade de reparação, o que torna o indivíduo vulnerável às vicissitudes da vida, sejam elas naturais ou não induzidas, sejam provocadas.
É por esse caminho que se abrem os pontos de vulneração para a ação obsessiva. Muitos obsessores são até mesmo treinados para sondar psiquicamente o alvo de suas perseguições a fim de melhor identificarem os vestígios de culpa que existam ali.
Graças a isso, os processos obsessivos terminam por se instalar como decorrência de um mecanismo natural de atração, vinculação e fixação. E, embora não sendo ‘obra da lei de Deus’, as obsessões, como combinação de uma consciência culpada e de uma ação de cobrança, que reforça esse sentimento de culpa, terminam por proporcionar, de parte a parte, um (re)encontro que proporciona os ajustes indispensáveis para que uns e outros encontrem a paz de que tanto necessitam.




[1] Os ‘obsessores' gente como a gente – Hermínio C. Miranda e Pedro Camilo – Instituto Lachâtre

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