quinta-feira, 26 de julho de 2018

Lei e Perdão[1]



Pedro Camilo


Todo aquele que se expõe ao duro retorno do reajuste pode estar certo de haver-se atritado com a lei anteriormente. [...] “Que perdão, nada! Sempre que perdoei me dei mal”, costumam dizer. Vence, no mundo, aquele que grita, impõe e domina, não o que abaixa cabeça e marca a si mesmo com o carimbo da covardia.
O problema do perdão está recorrentemente na pauta de nossas reflexões. Lidar com as ofensas recebidas, entender porque nos ofendemos e saber como tratar com os ofensores é um desafio de todos nós, em diversas esferas de ação.
Na prece dominical, Jesus, ensinando-nos a orar, já preconizava a necessidade de nos esvaziarmos dos sentimentos negativos em relação ao outro no “assim como perdoamos aos nossos ofensores”. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, tratando da qualidade da prece, lembra que esse é um dos requisitos a serem observados por quem ora, conferindo melhor “qualidade vibracional” à oração, para usar uma expressão do espírito Dr. Hans, no livro Saúde em plenitude – projeto melhorar-se.
Para muitos, o ato de perdoar é, tal como sinalizado pelo espírito, um atestado de covardia, de fraqueza moral. Perdoar fragilizaria o ser, submetendo-o a todo tipo de injúrias, de violências, sem que esboce qualquer tipo de atitude capaz de romper o círculo vicioso de ofensas.
Na verdade, o perdão é um ato de coragem. Primeiramente, porque precisa partir da compreensão de que perdoar só foi necessário porque nos ofendemos. Isso mesmo! Era Gandhi quem afirmava não perdoar, por não se ofender. Ser ferido é, em grande medida, ‘deixar-se ferir’; guardar vulnerações que tragam essa possibilidade, campo exposto para mágoas.
Ofensas também surgem de decepções com o outro, como é o caso do espírito atendido por Hermínio. E, também aqui, a responsabilidade no ‘ofender-se’ é, em grande medida, nossa, em função das expectativas que alimentamos. É claro que “somos responsáveis pelo que cativamos”, como lembra Antoine Saint-Exupéry em seu O pequeno príncipe. No entanto, ainda que cativados por quem quer que seja, o que esperamos do outro, o que desejamos do outro, o que projetamos no outro é de nossa responsabilidade, não do outro.
O outro também é gente ‒ como a gente! E, assim como somos incompletos, faltosos, imperfeitos e contraditórios, o outro também o é, ao seu modo, mas é. Se não somos capazes de preencher plenamente as expectativas alheias, como cobrar do outro que preencha as nossas? E ainda que tivéssemos essa condição, seria lícito exigir do outro que se conduzisse conforme o nosso querer?
Ofender-se revela também que ainda não nos amamos o suficiente.
Permitir-se ferir e mesmo transtornar, a ponto de perder o eixo da própria vida para gravitar em torno de alguém que nos feriu, no mínimo indica que ainda não somos capazes de colocar o nosso bem-estar, a nossa felicidade acima das intempéries do destino.
No exemplo trazido por Hermínio Miranda, essa verdade se mostra plenamente: aquele espírito depositara os rumos de seus passos nas mãos de alguém, em nome do amor; quando esse amor não foi correspondido como ele imaginara, conservou sua vida nas mesmas mãos, agora pelo sentimento de ódio. No fundo, o que se esconde aí é a ausência desse autoamor que dignifica o ser e o coloca em primeiro plano para si mesmo, para a própria existência.
E nem é impossível, também, que os reflexos de um passado de equívocos, quiçá semelhantes, ainda ecoem nele inconscientemente, como aqui já mencionado, induzindo-o a uma roda de repetição, desta feita na condição de vítima. “Todo aquele que se expõe ao duro retorno do reajuste pode estar certo de haver-se atritado com a lei anteriormente”, lembra Hermínio. E isto, a prática mediúnica tem nos revelado de modo muito vivo, muito intenso.
Assim, a necessidade do perdão ao outro se apresenta também como uma necessidade de autoperdão. Um e outro caminham juntos. Quem não consegue se perdoar, também não é capaz de perdoar o outro.




[1] Os ‘obsessores’ gente como a gente – Hermínio C. Miranda / Pedro Camilo – Instituto Lachâtre

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