Pedro Camilo
Todo aquele que se expõe ao duro
retorno do reajuste pode estar certo de haver-se atritado com a lei
anteriormente. [...] “Que perdão, nada! Sempre que perdoei me dei mal”,
costumam dizer. Vence, no mundo, aquele que grita, impõe e domina, não o que
abaixa cabeça e marca a si mesmo com o carimbo da covardia.
O problema do perdão está
recorrentemente na pauta de nossas reflexões. Lidar com as ofensas recebidas,
entender porque nos ofendemos e saber como tratar com os ofensores é um desafio
de todos nós, em diversas esferas de ação.
Na prece dominical, Jesus,
ensinando-nos a orar, já preconizava a necessidade de nos esvaziarmos dos
sentimentos negativos em relação ao outro no “assim como perdoamos aos nossos
ofensores”. Em O Evangelho Segundo o
Espiritismo, Allan Kardec, tratando da qualidade da prece, lembra que esse
é um dos requisitos a serem observados por quem ora, conferindo melhor “qualidade
vibracional” à oração, para usar uma expressão do espírito Dr. Hans, no livro Saúde em plenitude – projeto melhorar-se.
Para muitos, o ato de perdoar é,
tal como sinalizado pelo espírito, um atestado de covardia, de fraqueza moral.
Perdoar fragilizaria o ser, submetendo-o a todo tipo de injúrias, de
violências, sem que esboce qualquer tipo de atitude capaz de romper o círculo
vicioso de ofensas.
Na verdade, o perdão é um ato de
coragem. Primeiramente, porque precisa partir da compreensão de que perdoar só
foi necessário porque nos ofendemos. Isso mesmo! Era Gandhi quem afirmava não
perdoar, por não se ofender. Ser ferido é, em grande medida, ‘deixar-se ferir’;
guardar vulnerações que tragam essa possibilidade, campo exposto para mágoas.
Ofensas também surgem de decepções
com o outro, como é o caso do espírito atendido por Hermínio. E, também aqui, a
responsabilidade no ‘ofender-se’ é, em grande medida, nossa, em função das
expectativas que alimentamos. É claro que “somos responsáveis pelo que
cativamos”, como lembra Antoine Saint-Exupéry em seu O pequeno príncipe. No entanto, ainda que cativados por quem quer
que seja, o que esperamos do outro, o que desejamos do outro, o que projetamos
no outro é de nossa responsabilidade, não do outro.
O outro também é gente ‒ como a
gente! E, assim como somos incompletos, faltosos, imperfeitos e contraditórios,
o outro também o é, ao seu modo, mas é. Se
não somos capazes de preencher plenamente as expectativas alheias, como cobrar
do outro que preencha as nossas? E ainda que tivéssemos essa condição,
seria lícito exigir do outro que se conduzisse conforme o nosso querer?
Ofender-se revela também que ainda
não nos amamos o suficiente.
Permitir-se ferir e mesmo
transtornar, a ponto de perder o eixo da própria vida para gravitar em torno de
alguém que nos feriu, no mínimo indica que ainda não somos capazes de colocar o
nosso bem-estar, a nossa felicidade acima das intempéries do destino.
No exemplo trazido por Hermínio
Miranda, essa verdade se mostra plenamente: aquele espírito depositara os rumos
de seus passos nas mãos de alguém, em nome do amor; quando esse amor não foi
correspondido como ele imaginara, conservou sua vida nas mesmas mãos, agora
pelo sentimento de ódio. No fundo, o que se esconde aí é a ausência desse
autoamor que dignifica o ser e o coloca em primeiro plano para si mesmo, para a
própria existência.
E nem é impossível, também, que
os reflexos de um passado de equívocos, quiçá semelhantes, ainda ecoem nele
inconscientemente, como aqui já mencionado, induzindo-o a uma roda de repetição,
desta feita na condição de vítima. “Todo aquele que se expõe ao duro retorno do
reajuste pode estar certo de haver-se atritado com a lei anteriormente”, lembra
Hermínio. E isto, a prática mediúnica tem nos revelado de modo muito vivo,
muito intenso.
Assim, a necessidade do perdão
ao outro se apresenta também como uma necessidade de autoperdão. Um e outro
caminham juntos. Quem não consegue se perdoar, também não é capaz de perdoar o
outro.
[1] Os ‘obsessores’
gente como a gente – Hermínio C. Miranda / Pedro Camilo – Instituto Lachâtre
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