Vladimir Alexei
Estudar o Espiritismo é algo
sublime, capaz de transformar-nos a maneira de pensar e agir em relação a
pessoas, situações e de um modo geral, com a própria Vida. Mas estudar o
Espiritismo ainda requer estudo, por mais redundante que seja, de tão óbvio.
Houve uma época em que a
produção literária espírita, preenchia lacuna significativa, quanto a
interpretações daquilo que a Doutrina Espírita revelou. Além do magistral
trabalho de Allan Kardec, muitas pesquisas e estudos foram empreendidos com o
objetivo de esclarecer pontos e ampliar entendimentos que o Espiritismo, por
intermédio dos Espíritos Superiores, lançou luz.
Pesquisadores e pensadores
espíritas teceram obras fenomenais, tanto pela forma, como pela profundidade do
seu conteúdo. A cada nova interpretação e a cada novo entendimento, uma
avalanche de livros era produzido tentando explicar e fazer luzir algum ângulo
até então abordado de uma maneira diferente.
Essa diversidade fez com que o
espírita tivesse, em suas mãos, um leque extenso de opções para seu estudo, que
o movimento espírita convencionou “fragmentar” e rotular em trabalhos de cunho
religioso, científico e filosófico. A crítica ao rótulo não é gratuita. Foi um
recurso didático utilizado para conseguir melhor transmitir os ensinamentos dos
espíritos. Entretanto, após mais de meio século de divulgação do Espiritismo
nos moldes atuais, adotados pela esmagadora maioria das casas espíritas que
possuem ciclos de estudos, estudos sistematizados etc., percebe-se, mesmo sem
método ou instrumento científico mais adequado, que o estudo do espiritismo
ficou mascarado.
A fragmentação, por exemplo, é
duramente criticada pelo educador Edgar Morin, quando diz que o retalhamento
das disciplinas, torna impossível apreender “aquilo que é tecido junto”. Por
que estudar “ciência, filosofia e religião”, quando o que deveríamos estudar é
a “Doutrina Espírita”? Será que “tríplice aspecto” da doutrina consegue
explicar a complexidade do que o Espiritismo aborda? Quando dizemos Doutrina
Espírita, aplicamos um “zoom” que evidencia as inter-relações entre os
conhecimentos (“tecido junto”), deixando claro que há mais do que um tríplice
aspecto. No entanto, a aplicação do conteúdo fica a cargo do expositor, que
pode abordar assim ou não.
Talvez – e esse é outro ponto da
nossa reflexão –, quando iniciaram os estudos, no início do século XX, traduzir
o pensamento das obras de Kardec, comportava um nível de abordagem que
preservasse muito mais o entendimento e a interpretação, no sentido de
“simplificar”, do que de ampliar considerações daquele aprendizado em relação a
outros temas do cotidiano. Isso muda quando Dr. Carlos Imbassahy (Pai) assume a
pena e nos dizeres do Herculano Pires, em sua “fortaleza” direto de Niterói,
consegue relacionar as descobertas científicas com as revelações doutrinárias e
tecer comentários filosóficos a respeito de conclusões – ilações, hipóteses,
inferências etc., todas válidas no campo da exposição de ideias –, que poderiam
agradar ou não espíritas e não espíritas.
O movimento espírita – não o
movimento de unificação, que não unifica nem entre eles – tem sido convidado a
rever a eficácia e os objetivos do aprendizado, consequentemente, das
atividades doutrinárias da casa espírita. Será que ainda buscamos “unanimidade”
ou aprendemos com a diversidade nas casas espíritas?
Unanimidade é utopia no mundo
atual, beirando a atrofia. Convergências de entendimento, ainda que existam
diferenças na construção do conhecimento, são desejáveis. Veja um exemplo: “se
dou comida aos pobres, todos me chamam de santo. Mas quando pergunto por que
são pobres, me chamam de comunista”. Essa frase do Dom Helder Câmara ilustra a
diferença dos pensamentos e a sua complexidade. Tentar simplificar, rotula.
Explicar: mascara porque evidencia apenas a compreensão daquele que está
expondo o pensamento. Na complexidade do mundo atual, percebe-se que há muito
conhecimento e informação entre os extremos para se tomar uma decisão
simplista.
Nesse sentido, sabendo que as
necessidades humanas estão cada vez mais globais, complexas e com níveis de
exigência dantes observado, um leigo, neófito, apenas curioso, que enfrenta
críticas, se expõe, tendo apenas como instrumentos diminuta experiência e uma
convicção pessoal, não tem alcance e nem competência para empunhar bandeira que
não seja aquela de provocar, estimular e refletir acerca do que temos visto,
vivido e aprendido na Doutrina Espírita.
Desconstruir rótulos começa com
a revisão do próprio papel de divulgar o espiritismo. Ao contrário do que
muitos divulgadores dizem, quando assumem a tribuna, ouso refletir com os
amigos, que não está faltando Kardec, nem obras de conteúdo doutrinários, nem
muito menos estudo. Está faltando amor, benevolência, simplicidade.
Simplicidade é diferente de
simplismo. Com as redes sociais, reduziram as discussões a críticas contumazes,
sem ao menos apresentar argumentos. Quando as questões apontam para o
“comportamento”, alguém se manifesta contrário, lamentando que a discussão
“sempre” redunda em questões comportamentais. Todo aprendizado religioso,
moral, filosófico, de alguma forma afeta o comportamento. Circula vídeo no
whatsapp do Padre Fabio de Melo falando sobre a “quaresma”. Em linhas gerais, o
convite dele é para que o católico substitua a abstinência por comida e bebida,
por melhorias no comportamento. Qual o problema do espírita de hoje em entender
isso?
Precisamos resgatar a linha
mestra que nos vincula aos primeiros cristãos, aqueles que sentiram o perfume
da presença do Mestre, seguiram seus passos, sonhavam com suas prédicas,
criavam conexões de Suas parábolas com os desafios do cotidiano. Resgatar a
alegria de servir, a beleza de amar desinteressadamente, de auxiliar o próximo,
mais próximo, a partir de uma renovação interior, capaz de nos mostrar a
grandeza da vida e seu aprendizado.
Que as dificuldades do caminho
não nos paralisem os gestos nobres. Que o desejo de servir seja maior do que os
rótulos e máscaras que existem no caminho. E que a presença do Cristo seja
constante em nossas vidas, hoje e sempre.
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