Dr. Nubor Orlando[2]
A ideia fixa reflete nossa
própria insanidade.
Cada um de nós é responsável
pela criação do seu próprio mundo mental. Recebendo os estímulos que a vida nos
oferece, construímos por conta própria as interpretações e os juízos de valores
para as pessoas, os objetos e as situações que nos afetam. Dessa forma, os
acontecimentos da vida se arrastam árduos e penosos, para alguns, enquanto para
outros, o colorido dos dias estão sempre cheios de oportunidades novas.
O equilíbrio da mente, no
entanto, exige vigilância para não cairmos nas armadilhas que os pensamentos
podem nos fixar. Ninguém está livre de ver seus desejos contrariados, seus
objetivos não concretizados, suas ideias deturpadas e sermos mal interpretados
em nossos mínimos gestos. Todos esses acontecimentos podem criar mágoas e
contrariedades que estacionam ressentimentos duradouros dentro de nós. É assim,
que encontramos exemplos inúmeros de “ideias fixas” que nos aprisionam num
processo de auto-obsessão.
É a jovem que se prende em
conquistas mundanas e quando não tem o sucesso que espera, se revolta e se
atormenta sem parar.
A esposa que se retém em
pequenas expressões do marido, tentando achar pistas que o ciúme faz ver
infidelidade.
O amigo que num pequeno descuido
nas gentilezas do outro, vê sinais de rejeição.
A palavra que uma cunhada pronunciou
e que parece revelar inveja.
A traição confirmada, que recusa
esquecimento e não pratica o perdão.
O remorso da palavra mal
colocada que uma filha não soube interpretar. O dinheiro emprestado que o
parente levou com garantias que pareciam seguras.
Marido e mulher quando se
separam não imaginam que pensamentos repetitivos podem atormentá-los por anos.
A “ideia fixa” é um turbilhão de imagens vividas. Palavras já pronunciadas e
ofensas repetidas que teimam em ir e voltar para dentro de nós.
Na verdade, ninguém vive sem
esse diálogo interior. Nossas decisões racionais são sempre precedidas dessa
conversa interna alimentada pelas nossas crenças. O comportamento humano também
resulta da disposição interna que, por força da vontade própria, nos faz tomarmos
determinada atitude. E as ideias fixas deterioram o diálogo interior e
comprometem as iniciativas que alimentam a disposição de viver.
André Luiz usa a expressão “monoideia”
para se referir a uma situação gravíssima de ideia fixa. O Espírito fica aprisionado
a um único pensamento. Um desejo de vingança, uma frustração insuportável, um
sentimento de culpa ou um vazio monstruoso que força o perispírito a
retrair-se, descorporificando suas características humanas, para se transformar
numa espécie de esporo ovoide que se assemelha a formas primitivas de vida.
Aprendemos, também no “Mecanismos da Mediunidade” de André Luiz que nos
fenômenos de “ideoplastia” a energia do pensamento constrói em torno de nós o
cenário que reflete o teor dos nossos desejos. Insistir com persistência numa ideia
fixa de ódio ou vingança, de preocupação excessiva com a segurança econômica ou
com o comportamento dos filhos, com os títulos ou as posses dos amigos, com a
partilha da herança com parentes difíceis, com os vícios que alimentam os
prazeres, significa construir em nossa própria “psicosfera” o ambiente
correspondente aos nossos desejos. Passamos pela vida hipnotizados ou
obsidiados. Felizes ou infelizes, mergulhados no circuito mental que nós mesmos
construímos.
Allan Kardec em “A Gênese”
ensina que o perispírito fica “impregnado” do pensamento que transmite. É por
isso que a aparência de cada um de nós revela o conteúdo das ideias que
alimentam nossos desejos. A alegria aumenta o brilho dos olhos e a raiva
interna envelhece precocemente. O desânimo nos arqueia os ombros e fazer o bem
eterniza a juventude.
Na psicopatologia, a ideia fixa
é um dos maiores tormentos que o sofrimento humano pode conhecer. Ela nos dá a
sensação de que vai perdurar sem alívio pela eternidade. Nos “Mensageiros”, de
André Luiz, há um “pronto socorro” de almas endividadas em que Espíritos estão
sofrendo por séculos, num processo “anestesiante” que as ideias fixas
congelaram no tempo. O esquizofrênico das clínicas de Psiquiatria convive com o
martírio perturbador de ideias distorcidas. Tudo se refere a ele – nas ideias
de referência; tudo está contra ele – nas ideias persecutórias e tudo está ao
seu alcance – nas ideias delirantes. No entanto, a consciência do seu distúrbio
o poupa do juízo e, talvez, ele nem saiba da extensão do seu destino. Não se
pode dizer o mesmo de quem cometeu um crime ou o suicídio. Em “Memórias de um
Suicida”, Camilo Castelo Branco revela que nada desse mundo apaga a ideia da
arma que disparou no suicídio, da locomotiva que esmigalhou os ossos ou do
vazio da queda no salto para a morte.
Nenhuma mãe esquecerá, também, o
dia que abandonou o filho. O criminoso estará sempre preso ao cenário da culpa.
O infiel sentirá a necessidade de resgatar a confiança perdida. O falsificador
não fugirá da verdade que ele mesmo vai revelar e o ladrão terá que devolver
cada centavo do que se apropriou. Até que o pensamento de cada um gere novos
rumos e as ideias possam fluir, nenhuma consciência viverá em paz.
A ideia fixa reflete nossa
própria insanidade. A Misericórdia Divina, porém, nos concedeu a bênção da
inteligência e da razão que nos permite corrigir nossos erros. A vida é uma
experiência que não poupará a ninguém dos desencantos, mas nem por isso devemos
cultivar o remorso, conservar a culpa ou alimentar a desesperança.
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