Nathalia Passarinho - Da BBC
News Brasil em Londres
Jandira dos Santos Cruz morreu
durante procedimento de aborto. A mãe ainda sofre com a saudade, mas mantém a
opinião de que o aborto não deve ser legalizado. “Abortar é o mesmo que matar”,
diz.
Quase quatro anos depois da
morte da filha, uma cena se repete nas memórias de Maria Ângela dos Santos. Era
manhã do dia 26 de agosto de 2014, e Jandira Magdalena dos Santos Cruz estava
sentada na beirada da cama das filhas.
"Ela ficou sentada na beira
da cama das meninas, olhando para as meninas. Eu perguntei: “O que você está
fazendo”? E ela: “Nada, estou esperando o Leandro”. Mas eu vi um semblante
triste nela. E me deu um aperto no coração, uma coisa estranha que eu não sei
explicar. Que eu não ia vê-la, sabe?", contou emocionada, em entrevista à
BBC Brasil.
Poucos minutos depois, a jovem
de 27 anos sairia de casa em direção a uma clínica de aborto clandestina em
Campo Grande (MS). Não voltaria mais para casa. O corpo só foi encontrado quase
um mês depois, carbonizado.
A polícia chegou à conclusão de
que ela morreu durante o procedimento de aborto. A quadrilha que operava a
clínica, formada, entre outros, por um falso médico e uma enfermeira, teria
incinerado o corpo, para esconder o crime.
A BBC Brasil esteve na casa da
mãe de Jandira, em Campo Grande. Ela preserva intactas as memórias e o amor
pela filha, mas também a opinião de que aborto deve continuar a ser crime no
Brasil. "Não há diferença entre matar um filho de 13 anos e o que tá
dentro da tua barriga", diz.
A casa de Maria Ângela é
movimentada por um entra e sai de crianças e adolescentes: são os netos. Dois
deles são filhas de Jandira. Elas passaram a ser criadas pela avó quando a mãe
morreu.
Maria Ângela guarda vários
álbuns de foto da filha que morreu: da festa de 15 anos, da primeira gravidez,
do casamento. Jandira teve o primeiro bebê bem jovem, com 14 anos. Alguns anos
depois, teve a segunda filha e se casou com o pai dela, aos 17 anos.
Mas o casamento não durou,
embora, segundo Maria Ângela, Jandira fosse apaixonada pelo marido. A terceira
gravidez veio de um relacionamento passageiro. Quando descobriu a gravidez,
Jandira tentava reatar com o ex-marido.
Depressão
"Ela estava muito mal. Do
dia em que ela soube que estava grávida ela já veio nesse processo de ficar
mal, de chorar, de não comer. Ela era vaidosa, gostava de pintar o cabelo,
pintar a unha", contou Maria Ângela.
Jandira não contou à mãe, de imediato,
sobre a gravidez. Sabia que ela seria contra um aborto.
"Eu fiquei apavorada. Eu
não sabia o que que era. No final que eu fui saber por que ela estava daquele
jeito. Uma colega dela que trabalhava com ela dizia: 'Jandira não trabalha
mais, ela só chora'", relata.
Quando a jovem revelou que
pretendia interromper a gravidez, a mãe tentou evitar e chegou a ameaçar não
ter mais contato com a filha, se ela fizesse o aborto.
"Eu falei: 'não quero que
você faça. Você não tem necessidade disso'. Ela me colocou várias desculpas que
nunca justificaram em nada, para mim, o que ela fez", diz.
"E eu falei com ela: 'Se
você fizer isso, você me esquece, não quero mais saber de você'. Eu não ia
fazer isso, lógico, mas falei isso para ver se ela desistia".
A morte
Mas Jandira estava decidida.
"Ela dizia para mim que ela já tinha dois (filhos) e que ela não tinha
mais estrutura para ter mais um filho".
No dia que Jandira saiu para ir
à clínica, Maria Ângela aguardou ansiosa pelo retorno da filha. As horas se
passaram e ela não voltou. Também não atendia o celular. De noite, o ex-marido
da jovem foi até a casa de Maria Ângela e contou que uma mulher buscou Jandira
para leva-la à clínica.
Ele contou que não conseguia
mais contato com a ex-esposa e que não sabia onde ela poderia estar. Após 24
horas do desaparecimento, a família registrou o desaparecimento à polícia. O
caso chegou aos jornais e a procura por Jandira passou a ser acompanhada por
brasileiros de todo o país.
Mas o resultado não poderia ser
mais desolador. O corpo dela foi encontrado carbonizado quase um mês depois.
Exames de DNA comprovaram que era o de Jandira.
"A gente nem teve como
enterrar. Eu enterrei um pedaço de osso", lamenta Maria Ângela. Dez
pessoas que trabalhavam na clínica ou prestavam serviços foram indiciados. Os
chefes da clínica clandestina estão presos.
“Sou contra o aborto”
“Não há diferença entre matar um
de 13 anos e o que tá dentro da tua barriga”, opina Maria Ângela, que é contra
descriminalizar o aborto.
Os principais administradores da
clínica clandestina onde Jandira morreu estão presos. Maria Ângela defende
punição severa a eles. E diz que não é favorável à descriminalização do aborto,
ainda que isso pudesse significar procedimentos mais seguros.
Evangélica, ela defende que é
preciso "proteger a vida do bebê".
"Sou totalmente contra. Se
tivesse que ter um voto e dependesse de mim. Se meu voto fosse o único que
faltasse para legalizar. Eu não votaria. Mesmo que nessa leva a minha filha
pudesse ser salva, porque teria um método melhor, num hospital", afirma.
"Eu continuo pensando da
mesma forma. Não acho isso certo. A mulher sairia ilesa, mas e a criança? Ali
bate um coração".
Embora o aborto só seja
permitido em casos de estupro, risco de vida para a mãe e feto com anencefalia,
a Pesquisa Nacional do Aborto, da Universidade de Brasília, estima que uma em
cada 4 mulheres de até 40 anos já interrompeu a gravidez.
A cada ano, são feitos 500 mil
abortos clandestinos. Quase metade dessas mulheres teve que ser hospitalizada
após os procedimentos, conforme o estudo.
O Ministério da Saúde estima que
4 mulheres morrem a cada dia por complicações decorrentes de abortos
clandestinos.
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