terça-feira, 22 de maio de 2018

ESTUDOS URANOGRÁFICOS[1]


(Sociedade Espírita de Paris – Médium: Sr. Flammarion)



De certo modo as três comunicações abaixo constituem a iniciação de um jovem médium. Vê-se que prometem para o futuro. Servem de introdução a uma série de ditados que o Espírito se propõe fazer sob o título de Estudos Uranográficos.
Deixamos aos leitores a incumbência de lhes apreciarem a forma e o fundo.

I
Há tempos foi anunciado, aqui e alhures, por vários Espíritos e por diversos médiuns, que vos seriam feitas revelações sobre o sistema dos mundos. Fui chamado a contribuir, na ordem de meu destino, para que se realize tal predição.
Antes de abrir o que poderia chamar os nossos estudos uranográficos, importa firmar bem o primeiro princípio, a fim de que o edifício, sentado em bases sólidas, tenha em si as condições de durabilidade.
Este primeiro princípio, esta primeira causa é o grande e soberano poder que deu a vida aos mundos e aos seres; este preâmbulo a toda meditação séria é Deus! Ante esse nome venerado tudo se inclina e a harpa etérea dos céus faz vibrar as suas cordas de ouro. Filhos da Terra, vós que há tanto tempo balbuciais esse grande nome sem o compreender, quantas teorias audaciosas foram inscritas desde o começo das idades nos anais da filosofia humana! Quantas interpretações erradas da consciência universal vieram à luz através das crenças antiquadas dos povos antigos! E ainda hoje, que a era cristã em seu esplendor raiou sobre o mundo, que ideia se faz do primeiro dos seres, do Ser por excelência, daquele que é?
Não vimos, nos últimos tempos, o panteísmo orgulhoso elevar-se soberbo até aquele que julgou acertado qualificar de ser absorvente, do grande todo, de cujo seio tudo saiu e no qual tudo deve entrar e um dia se confundir, sem distinção de individualidades? Não vimos o ateísmo grosseiro espalhar vergonhosamente o cepticismo, negador e corruptor de todo progresso intelectual, não obstante o que tenham dito os sofistas seus defensores? Seria interminável mencionar escrupulosamente todos os erros que foram aceitos a respeito do princípio primordial e eterno; basta a reflexão para vos mostrar que o homem terreno errará sempre que pretender explicar este problema, insolúvel para muitos Espíritos desencarnados. É vos dizer implicitamente que deveis, ou, melhor, que devemos nos inclinar humildemente ante o Grande Ser; é vos dizer, filhos, que se está em nós nos elevarmos até a ideia do Ser Infinito, isto nos deve bastar e interditar a todos a orgulhosa pretensão de manter os olhos abertos diante do Sol, sem ficarmos logo enceguecidos pelo deslumbrante esplendor de Deus na sua eterna glória! Guardai bem isto, pois é o prelúdio de nossos estudos: Crede em Deus, criador e organizador das esferas; amai a Deus, criador e protetor das almas, e poderemos penetrar juntos humildemente e, ao mesmo tempo, estudiosamente, no santuário onde Ele semeou os dons de seu infinito poder.
Galileu

II
Havendo estabelecido o primeiro ponto de nossa tese, a segunda questão que se apresenta é a do poder que conserva os seres e que se convencionou chamar Natureza. Depois da palavra que tudo resume, aquela que representa tudo. Ora, o que vem a ser a natureza? Ouvi antes a definição do naturalista moderno; diz ele: A Natureza é o trono exterior do poder divino. A tal definição juntarei esta, que resume todas as ideias dos observadores: A Natureza é o poder efetivo do Criador. Atentemos para esta dupla explicação do mesmo vocábulo que, por uma maravilhosa combinação de linguagem, representa duas coisas à primeira vista tão diversas. Efetivamente a natureza, tal como entendida no primeiro sentido, representa o efeito, cuja causa é expressa no segundo. Uma paisagem de vastos horizontes, com árvores frondosas, sob as quais sentimos a vida subir na seiva; uma campina esmaltada de flores odoríferas e coroada pelo sol: isto se chama Natureza. E se quisermos designar a força que orienta os astros no espaço e faz germinar na terra o grão de trigo? É ainda a Natureza. Que a constatação dessas várias denominações seja para vós uma fonte de profundas reflexões; que sirva para vos ensinar que, se nos servimos da mesma palavra para expressar o efeito e a causa é que, realmente, causa e efeito são uma só. O astro atrai o astro no espaço segundo leis inerentes à constituição do Universo e é atraído com a mesma força que a que nele reside. Eis a causa e o efeito. O raio solar perfuma a flor, e a abelha aí vai buscar o mel; aqui, o perfume é ainda efeito e causa. Seja onde for que na Terra apontais o olhar, podereis constatar esta dupla natureza.
Concluamos daí que se a Natureza é, como a denominei, a força efetiva de Deus, ao mesmo tempo é o trono de seu poder; é, simultaneamente, ativa e passiva, efeito e causa, matéria e força imaterial; é a lei que cria, que governa, que embeleza; é o ser e a imagem; é a manifestação do poder criador, infinitamente belo, infinitamente admirável, infinitamente digno da vontade da qual é a mensageira.
Galileu

III
Nosso terceiro estudo terá por tema o espaço[2].
Já muitas definições de espaço foram dadas, sendo a principal esta: o espaço é a extensão que separa dois corpos, na qual certos sofistas deduziram que onde não haja corpos não haverá espaço. Nisto foi que se basearam alguns doutores em teologia para estabelecer que o espaço é necessariamente finito, alegando que certo número de corpos finitos não poderia formar uma série infinita e que, onde acabassem os corpos, igualmente o espaço acabaria.
Também definiram o espaço como sendo o lugar onde se movem os mundos, o vazio onde a matéria atua etc. Deixemos todas essas definições, que nada definem, nos tratados onde repousam.
Espaço é uma dessas palavras que exprimem uma ideia primitiva e axiomática, de si mesma evidente, e a cujo respeito as diversas definições que se possam dar nada mais fazem do que obscurecê-la. Todos sabemos o que é o espaço e eu apenas quero firmar que ele é infinito, a fim de que os nossos estudos ulteriores não encontrem uma barreira opondo-se às investigações do nosso olhar.
Ora, digo que o espaço é infinito, pela razão de ser impossível se lhe imaginar um limite qualquer, e porque, apesar da dificuldade com que topamos para conceber o infinito, mais fácil nos é avançar eternamente pelo espaço, em pensamento, do que parar num ponto qualquer, depois do qual não mais encontrássemos extensão a percorrer.
Para figurarmos, quanto no-lo permitam as nossas limitadas faculdades, a infinidade do espaço, suponhamos que, partindo da Terra, perdida no meio do infinito, para um ponto qualquer do Universo, com a velocidade prodigiosa da centelha elétrica, que percorre milhares de léguas por segundo, e que, havendo percorrido milhões de léguas mal tenhamos deixado este globo, nos achamos num lugar de onde apenas o divisamos sob o aspecto de pálida estrela. Passado um instante, seguindo sempre a mesma direção, chegamos a essas estrelas longínquas que mal percebeis da vossa estação terrestre. Daí, não só a Terra nos desaparece inteiramente do olhar nas profundezas do céu, como também o próprio Sol, com todo o seu esplendor, se há eclipsado pela vastidão que dele nos separa. Animados sempre da mesma velocidade do relâmpago, a cada passo que avançamos na extensão, transpomos sistemas de mundos, ilhas de luz etérea, estradas estelíferas, paragens suntuosas onde Deus semeou mundos na mesma profusão com que semeou as plantas nas pradarias terrenas.
Ora, há apenas poucos minutos que caminhamos e já centenas de milhões de milhões de léguas nos separam da Terra, bilhões de mundos nos passaram sob as vistas e, entretanto, escutai! Em realidade, não avançamos um só passo que seja no Universo.
Se continuarmos durante séculos, milhares de séculos, milhões de períodos cem vezes seculares e sempre com a mesma velocidade do relâmpago, também nem um passo teremos avançado, seja qual for o lado para onde nos dirijamos e qualquer que seja o ponto para onde nos encaminhamos, a partir desse grãozinho invisível donde saímos e a que chamamos Terra.
Eis aí o que é o espaço!
Galileu



[1] Revista Espírita – Setembro/1862 – Allan Kardec
[2] N. do T: Vide A Gênese, capítulo VI, item 1 – O espaço e o tempo.

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