terça-feira, 15 de maio de 2018

Castigo de um Avarento[1]



François Riquier, homem muito comum, era um velho solteirão avarento, morto em C..., há quatro ou cinco anos, deixando aos colaterais uma fortuna considerável.
Tinha sido senhorio de uma de nossas amigas, a Sra. F... Esta senhora o havia esquecido por completo quando sua filha, ultimamente sujeita a crises de catalepsia, seguidas de sono magnético espontâneo, viu, durante o sono, o Sr. Riquier, o qual, diz ela, queria falar com sua mãe.
Alguns dias mais tarde, a filha da Sra. F..., aliás, boa médium escrevente, tomou do lápis e obteve a comunicação seguinte, ao final da qual Riquier pôs seu nome e endereço completo. Não conhecendo tal endereço, a Sra. F. foi verificá-lo e ficou muito surpreendida ao constatar que a indicação era perfeitamente exata.
Eis a comunicação, que é um novo exemplo das penas reservadas aos Espíritos culpados. Como ele se manifestara espontaneamente e exprimira o desejo de falar à Sra. F..., foi-lhe feita esta pergunta:
Que quereis de nós?
– O meu dinheiro, que aqueles miseráveis tomaram todo, para repartirem entre si. Venderam minhas fazendas, minhas casas, para dividir tudo. Dilapidaram meus bens, como se não fossem meus. Fazei-me justiça, porque eles não me escutam e não quero presenciar tais infâmias. Dizem que eu era usurário e guardam o meu dinheiro! Por que não me querem devolver, se acham que foi mal adquirido?
Mas vós estais morto, homem de Deus! Já não precisais de dinheiro. Pedi a Deus uma nova existência pobre, a fim de expiardes a avareza desta.
– Não; não poderia viver pobre. Necessito do meu dinheiro para viver. Aliás, não preciso de outra vida, pois estou vivo agora.
(A pergunta seguinte foi feita com o objetivo de o trazer à realidade).
Sofreis?
– Oh! Sim; sofro piores torturas que a doença mais cruel, porquanto é minha alma que suporta essas torturas. Tenho sempre presente no pensamento a iniquidade de minha vida que, para muitos, foi motivo de escândalo. Bem sei que sou um miserável, indigno de piedade; mas sofro tanto que necessito de ajuda para sair deste estado miserável.
Oraremos por vós.
– Obrigado! Rogai para que eu esqueça minhas riquezas terrestres, sem o que jamais poderia arrepender-me. Adeus e obrigado.
François Riquier
Rue de la Charité, nº 14
Observação – Este e muitos outros exemplos análogos provam que o Espírito pode conservar, durante muitos anos, a ideia de que ainda pertence ao mundo corpóreo. Esta ilusão não é exclusiva dos casos de morte violenta; parece ser a consequência da materialidade da vida terrena. A persistência do sentimento de tal materialidade, que não pode ser saciada, é um suplício para o Espírito. Além disso, aí encontramos a prova de que o Espírito é um ser semelhante ao ser corpóreo, embora fluídico, porque, para que ainda se julgue neste mundo, continue ou acredite continuar, poder-se-ia dizer, para consagrar-se aos seus negócios, ser preciso que ele se veja em forma e num corpo como em vida. Se dele não restasse mais que um sopro, um vapor, uma centelha, não poderia enganar-se quanto à sua situação. É assim que o estudo dos Espíritos, mesmo vulgares, vem nos esclarecer quanto ao estado real do mundo invisível e confirmar as mais importantes verdades.


[1] Revista Espírita – Agosto/1862 – Allan Kardec

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