Henri Sausse
A vida espiritual é a vida normal e eterna do espírito, e a encarnação
não passa de uma forma temporária de sua existência. À exceção da vestimenta
exterior, existe, portanto identidade entre os encarnados e os desencarnados;
são as mesmas individualidades sob dois aspectos diferentes, pertencendo seja
ao mundo visível, seja ao mundo invisível, encontrando-se ora num, ora noutro,
concorrendo num e noutro ao mesmo objetivo, por meios apropriados a sua
situação. Dessa lei decorre aquela da perpetuidade das relações entre os seres;
a morte não os separa em absoluto e não põe um fim a sua relações de simpatia
nem a seus deveres recíprocos. Daí a
solidariedade de todos por um e de um por todos, o que origina a fraternidade.
Os homens só viverão felizes na Terra quando esses dois sentimentos tiverem
entrado em seus corações e em seus hábitos, porque conformarão a eles suas leis
e suas instituições. Será esse um dos principais resultados da transformação
que se opera.
Mas como conciliar os deveres da solidariedade e da fraternidade com a
crença de que a morte torna para sempre os homens estranhos uns aos outros?
Pela lei da perpetuidade das relações que ligam todos os seres, o espiritismo
fundamenta esse duplo princípio nas próprias leis da natureza; ele faz disso
não apenas um dever, mas uma necessidade. Pela lei da pluralidade das
existências, o homem se liga a tudo o que se fez e ao que se fará, aos homens do
passado e aos do porvir; ele não pode mais dizer que nada tem em comum com
aqueles que morrem, uma vez que uns e outros se encontram sem cessar, neste
mundo e no outro, para subirem juntos a escada do progresso e se emprestarem
apoio mútuo. A fraternidade não é mais circunscrita a alguns indivíduos que a sorte
reuniu no decorrer da duração efêmera da vida; ela é eterna como a vida do
espírito, universal como a humanidade, que constitui uma grande família na qual
todos os membros são solidários uns com os outros, qualquer que seja a época em que viveram.
Tais são as ideias que emanam do espiritismo, e que ele suscitará entre
todos os homens quando for universalmente difundido, compreendido, ensinado e
praticado. Com o espiritismo, a fraternidade, sinônimo da caridade pregada por
Cristo, não é mais uma palavra vazia; ela tem sua razão de ser. Do sentimento
da fraternidade nasce aquele da reciprocidade e dos deveres sociais, de homem a
homem, de provo a povo, de raça a raça; desses dois sentimentos bem compreendidos
sairão necessariamente as instituições mais proveitosas ao bem-estar de todos.
A fraternidade deve ser a pedra
angular da nova ordem social;
mas não existe fraternidade real, sólida e efetiva se ela não estiver apoiada
sobre uma base inabalável; essa base é a
fé; não a fé nesses ou naqueles dogmas particulares que mudam com os tempos
e os povos e se atacam reciprocamente, alimentando o antagonismo; mas a fé nos
princípios fundamentais que todos podem aceitar: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinido, a perpetuidade das relações entre os
seres. Quando todos os homem estiverem convencidos de que Deus é o mesmo para
todos, que esse Deus soberanamente justo e bom nada pode querer de injusto, que
o mal vem dos homens e não dele, vão se olhar como os filhos de um mesmo pai e
se estenderão a mão. É essa fé que o espiritismo dá, e que a partir de agora
será o eixo sobre o qual se moverá o gênero humano, quaisquer que sejam seu
modo de adoração e suas crenças particulares, que o espiritismo respeita, mas
com que não tem de se ocupar. Unicamente dessa fé pode se originar o verdadeiro
progresso moral, porque apenas ela dá uma sanção lógica aos direitos legítimos
e aos deveres; sem ela, o direito é aquilo que a força garante; o dever, um
código humano imposto pela coerção. Sem ela, o que é o homem? Um pouco de
matéria que se dissolve, um ser efêmero que se limita a passar; o próprio gênio
não é senão uma fagulha que brilha um instante para depois se extinguir para
sempre; sem dúvida, não existe ali do que se elevar muito aos próprios olhos.
Com um tal pensamento, onde estão realmente os direitos e os deveres?
Qual é o objetivo do progresso? Unicamente essa fé leva o homem a sentir sua
dignidade pela perpetuidade e a progressão de seu ser, não num futuro mesquinho
e circunscrito à personalidade, porém grandioso e esplêndido. Esse pensamento o
eleva acima da terra; ele se sente crescer tendo presente que possui seu papel
no universo; que esse universo é seu domínio, que ele poderá percorrer um dia,
e que a morte não fará dela e uma nulidade, ou ser inútil a si mesmo e aos
outros.
O progresso intelectual realizado até os dias atuais nas mais vastas
proporções é um grande passo e marca a primeira fase da humanidade, mas sozinho
ele é impotente para regenerá-la; enquanto o homem estiver dominado pelo
orgulho e pelo egoísmo, utilizará sua inteligência e seus conhecimentos em
benefício de suas paixões e de seus interesses pessoais; é por isso que os
aplica ao aperfeiçoamento dos meios de causar dano aos outros e de se destruir
reciprocamente. Somente o progresso moral
pode assegurar a felicidade dos homens na Terra, colocando um freio às paixões
nocivas; só o progresso moral pode fazer reinar entre eles a concórdia, a paz,
a fraternidade. É ele que abaixará as barreiras entre os povos, que fará
caírem os preconceitos de castas e calarem os antagonismos de seitas, ensinando
os homens a se verem como irmãos chamados a se ajudar mutuamente e não a viver
às expensas uns dos outros. É ainda o progresso moral, secundado aqui pelo
progresso da inteligência, que fundirá os homens numa mesma crença estabelecida
sob as verdades eternas não sujeitas a discussão e por isso mesmo aceitáveis
por todos.
A unidade da crença será o laço mais poderoso, o mais sólido fundamento
da fraternidade universal, quebrada em todos os tempos pelos antagonismos
religiosos que dividem os povos e as famílias, que fazem ver no próximo o
inimigo de que se deve fugir, ao qual se deve combater ou exterminar, em vez de
irmãos que é preciso amar.
[1] A Gênese – “Os tempos estão chegados” – ítem 14 e 15 - Allan Kardec
[2] Biografia de
Allan Kardec – “Fraudes Espíritas” -
Henri Sausse
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