Waldehir Bezerra de Almeida[2]
Para melhor se compreender as
relações conflitivas entre pais e filhos, deve-se levar em conta, também, a
pluralidade das existências. Vivemos atualmente uma educação libertadora, onde
muitos pais usam o diálogo amoroso e negociam com seus filhos, comportamentos
éticos mínimos necessários para viverem em sociedade como cidadãos íntegros e
conscientes da finalidade da vida.
No entanto, muitos se confundem,
sendo partidários da liberdade absoluta, chegando ao anarquismo, deixando aos
filhos a decisão e consecução dos seus mais estranhos desejos, favorecendo a
geração de conflitos inimagináveis entre eles, tais como o parricídio e
filicídio. É lamentável que tal aconteça entre almas que saíram do torvelinho
da escuridão espiritual pelo retorno à matéria, com a promessa de se perdoarem
e iniciarem a jornada ascensional em direção à luz.
Foi o Codificador quem melhor
esclareceu, do ponto de vista da reencarnação, as causas anteriores dos
conflitos familiares. Escreveu ele:
“Quantos pais são
infelizes com seus filhos, porque não lhes combateram as más tendências desde o
princípio! Por fraqueza, ou indiferença, deixaram que neles se desenvolvessem
os germens do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que produzem a secura do
coração; depois, mais tarde, quando colhem o que semearam, admiram-se e se
afligem da falta de respeito e a sua ingratidão[3]”.
Permita-me o leitor relembrar
que tendência é uma energia que incita alguém a seguir um determinado caminho
ou agir de certa forma. É uma predisposição natural, inclinação, vocação. Pode
ser boa ou má. Não é instinto, pois não se origina de uma necessidade
biológica, não devendo ser com ela confundido. O Espiritismo define a tendência
como uma força espiritual que adormece no Inconsciente Profundo de todos nós e
que se debate para despertar no Consciente e se manifestar nos atos, palavras,
sentimentos e pensamentos.
São elas manifestações do
Espírito velho reencarnado, que as crianças já demonstram a partir dos
primeiros meses de vida material, as quais devem ser levadas em alta conta
pelos pais. Lembra André Luiz:
“Se o Espírito
reencarnado estima as tendências inferiores, desenvolvê-las-á, ao
reencontrá-las dentro do novo quadro da experiência humana, perdendo um tempo
precioso e menosprezando o sublime ensejo de elevação[4]”
2.
Daí a necessidade de levar em
consideração o poder da influência do meio e dos exemplos dados pelos pais aos
seus filhos.
Nem sempre os pais admitem a
manifestação das inclinações inferiores em seus filhos, já que alimentam a
ideia de que são inocentes e que tudo não passa de infantilidade, sem observar
que nem todas as crianças sentem prazer em destruir brinquedos e outros
objetos, maltratar animais domésticos, agredir colegas da creche e da escola de
forma sistemática.
Crianças que chutam, xingam e
gritam violentamente, não respeitando os pais nem aqueles que são responsáveis
por elas, merecem atenção especial, para se buscar as razões de tais
procedimentos, que não são unicamente do estado de infância.
Joanna de Ângelis ensina que:
“Essas inclinações
más ou tendências para atitudes primitivas, rebeldes, perturbadoras do
equilíbrio emocional e moral, são heranças e atavismo insculpidos no Self, em
razão da larga trajetória evolutiva, em cujo curso experienciou o primarismo
das formas ancestrais [...]”[5].
Sem dúvida, não é somente a mãe
a responsável pela formação moral do filho. O pai também responde pelas suas
negligências ou fracasso da missão que recebeu para cooperar com a esposa nesse
mister. No entanto é universalmente comprovada a força influenciadora da mãe
sobre seus filhos, que lhes exerce um efeito psíquico alimentador. E é por essa
razão que o Mentor Emmanuel ensina que:
“A mãe terrestre
deve compreender, antes de tudo, que seus filhos, primeiramente, são filhos de
Deus. Desde a infância, deve prepará-los para o trabalho e para a luta que os
esperam. Desde os primeiros anos, deve ensinar a criança a fugir do abismo da
liberdade, controlando-lhe as atitudes e concertando-lhe as posições mentais,
pois que essa é a ocasião mais propícia à edificação das bases de uma vida”[6].
Mas nem sempre os filhos contam
com o amor sublimado da verdadeira mãe, tão decantado pelos poetas.
Consideremos a opinião de Badinter[7]
estudiosa francesa que realizou uma respeitável pesquisa sobre o tema. A sua
tese é a de que o amor materno não é um sentimento inato; que ele não faz parte
intrínseca da natureza feminina: é um sentimento que se desenvolve ao sabor das
variações sócio-econômicas da história, e pode existir, ou não, dependendo da
época e das circunstâncias materiais em que vivem as mães. E nós
acrescentaríamos: das relações que mantiveram os Espíritos da mãe e do filho em
vidas pretéritas. A autora constata, ainda, a extrema variabilidade desse
sentimento, segundo a cultura, as ambições ou as frustrações da mãe, concluindo
que o amor materno é apenas um sentimento humano como outro qualquer e, como
tal, incerto, frágil e imperfeito.
Quando o Codificador perguntou
aos Espíritos (LE - questão 890) se o amor materno era uma virtude ou um sentimento
instintivo, comum aos homens e aos animais, eles responderam que seria “uma e
outra coisa”. Seria virtude, que não é uma graça obtida, mas um hábito
adquirido; e seria instinto, que no animal se limita a prover as necessidades
primárias das crias. Sabendo o professor Rivail que nem todas as mães possuem
esse sentimento tão nobre de que falam as entidades do Além-túmulo, redarguiu: ‒
“como é que há mães que odeiam os filhos e, não raro, desde a infância destes?”
E a resposta foi a de que, em muitos casos, pode ser uma prova ou expiação que
o filho escolheu para enfrentar uma mãe má. Fica, portanto, implícito que o
Espírito ao reencarnar na condição de mãe nem sempre terá o amor pelo futuro
filho. (LE - questão 891)
Não obstante encontrarmos
valiosos esclarecimentos para as relações conflitivas entre pais e filhos; na
verdade da reencarnação e na Lei de causa e efeito, não devemos ser
reducionistas na apreciação dessa modalidade de conflito.
“Sem dúvida, muitos
pais, despreparados para o ministério que defrontam em relação à prole, cometem
erros graves, que influem consideravelmente no comportamento dos filhos, que, a
seu turno, logo podem se rebelar contra estes, crucificando-os nas traves
ásperas da ingratidão, da rebeldia e da agressividade contínua, culminando, não
raro, em cenas de pugilato e vergonha”[8].
Em verdade, quase todos nascemos
despreparados para sermos pais, amar e educar os filhos na forma ideal,
conforme os estudiosos do assunto e os Espíritos Superiores. Diante disso,
teremos que buscar ajuda nas ciências que tratam do relacionamento
interpessoal, com enfoque na família. Não há dúvida que as técnicas
psicológicas e a metodologia da educação favorecem profundamente o êxito desse
empreendimento. O diálogo aberto e sincero, a solidariedade, a indulgência, a
energia moral e o amor dilatado em todos os sentidos são instrumentos de que os
pais podem adotar para merecerem o respeito e a confiança dos filhos.
Imprescindível acompanhar o desenvolvimento bio-psico-social deles, na
tentativa de compreender-lhes o comportamento, levando em conta a idade,
capacidade intelectual, estágio espiritual e o contexto social em que estão
inseridos.
Aos pais lhes é dada pelo
Criador a árdua e compensadora missão de conduzir os filhos, preparando o
adolescente e o homem do futuro; moldando-os com cinzel das admoestações
amorosas; alimentando suas mentes com as conversações dignificantes;
oferecendo-lhes exemplos de caráter saudável, carinho e amizade.
Esses procedimentos promovem a
desintegração dos quistos conflitantes na família, com etiologia em vidas
pregressas, evitando que novos desajustes se iniciem na vida atual. A família
de cada um de nós é estruturada com base na lei da causa e efeito; pais e
filhos se reencontram porque necessitam uns dos outros, almejando a
reconciliação. Vital é que a tolerância, a indulgência e o perdão se façam
presentes nos momentos difíceis, para que o recomeço, bênção divina, se
transforme em ventura espiritual.
[2] Natural de Recife, PE, está envolvido com o Movimento
Espírita desde a sua mocidade. Em São Paulo, SP, foi um dos fundadores do Grupo
de Fraternidade Espírita “Irmão de Sagres”.Viveu com sua família, de 1970 a
1975, na comunidade espírita em Alto Paraíso – GO, denominada “Cidade da
Fraternidade”. Em Brasília, desde 1976, vem atuando no movimento espírita do
Distrito Federal. É articulista de periódicos espíritas, entre eles Reformador
e Revista Internacional de Espiritismo. Publicou seu primeiro livro, em 2007,
por esta editora: Criança – uma abordagem espírita. O autor sempre foi
interessado pela divulgação do Espiritismo com o uso da palavra falada,
considerando que ela alcança, indistintamente, todas as classes sociais, além
de repassar o seu magnetismo aos que ouvem, sensibilizando-os a tomarem a
decisão para uma reforma Íntima. Em razão disso, propõe que as casas espíritas
se dediquem com mais afinco na administração de um programa
didático-pedagógico, inserindo nele o palestrante, fazendo-o corresponsável
pelo sucesso do evento nas reuniões públicas das “escolas de almas”. (Fonte:
ALMEIDA, Waldehir Bezerra de. "A dimensão da fala e a palestra espírita")
[3] KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 1. ed.
Rio de Janeiro-RJ: FEB, 2008. Cap. V, item 4, p. 112.
[4] XAVIER, Francisco Cândido. “Missionário da luz”.
Espírito André Luiz. 30ª. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. p. 202.
[5] FRANCO, Divaldo Pereira. “Triunfo pessoal”. Pelo
Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: Leal, 2002. p. 84.
[6] XAVIER, Francisco Cândido. “O Consolador”. Pelo
Espírito Emmanuel. Rio de Janeiro, RJ: FEB, questão 189.
[7] BADINTER, Elisabeth. “Um amor conquistado: o mito do
amor materno”. 5ª. ed. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
[8] TEXEIRA, J. Raul. “Desafios da educação”. Pelo Espírito
Camilo. Niterói-RJ: FRÁTER, p. 35
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