Rogério Coelho
Existem muito perto de nós
idosos relegados aos asilos pelos próprios familiares. A sociedade, que deveria
substituir a família, nesses casos, não tem tempo, pois os saraus, festas e
quejandos não têm fim. E as mãos, que deveriam acariciar os cabelos brancos e
as mãos encarquilhadas dessas criaturas excluídas e entregues ao abandono
cruel, estão sempre ocupadas em fazer nada nos salões das inutilidades.
Quando essas atitudes partem de
criaturas que ignoram as mais comezinhas nuanças da caridade é desculpável, mas
quando pessoas que se dizem cristãs, têm tempo e disposição para as futilidades
sociais e sempre encontram dificuldades em cumprir seus compromissos morais, aí
a coisa é diferente.
A quem muito recebeu muito será
exigido!
É bem verdade que, muitas vezes,
tais criaturas se valem dos sofismas e subterfúgios para tentar enganar a própria consciência, alegando
uma causa beneficente para o encontro social.
Ora, quem já está acordado para a vida e liberto das peias e atavismos
do homem velho não precisa mais
desses expedientes e jamais perderia o precioso tempo da reencarnação para
longas horas de conversas jogadas fora.
O mais doloroso é constatar que,
em salões de festas bem próximos de asilos, o bulício da festa e os risos
fáceis são ouvidos quase em uníssono com o pranto dos valetudinários excluídos.
Dizem os Espíritos Superiores
que[2] o forte deve trabalhar para o fraco. Não
tendo este família, a sociedade deve fazer às vezes desta. É a lei de caridade.
Mesmo que os velhinhos sejam bem
cuidados pelos profissionais remunerados para tal, isso não dispensa o trabalho
voluntário do cristão comprometido com o Cristo em favor dos segregados.
Nós não sabemos como será o dia
de amanhã. Quem pode garantir que não
terminaremos os nossos dias terrestres internados em um asilo? E aí será a vez do nosso pranto ser abafado
pelo riso fátuo dos frequentadores dos salões de festas.
Idosos descartados não faltam como exemplo para todos nós!
A primeira visita que fazemos a
um asilo é sempre um choque, em decorrência dos quadros dolorosos que vamos
presenciar. Ali vemos a materialização da dor física e moral. Por isso, quando
acariciamos uma daquelas cabecinhas brancas e quando aquecemos entre as nossas
aquelas mãos frias e trêmulas, tal gesto tem a força de um bálsamo que mitiga
por algum tempo aqueles quadros de dores pungentes, inclusive as dores da Alma.
Em nenhum salão de festa teremos
a alegria em nosso coração que temos ao lograrmos extrair um sorriso daquelas
bocas desdentadas. É impagável ver transmudarem-se aquelas lágrimas de tristeza
e solidão em lágrimas de alegria e gratidão a escorrerem por aqueles rostos
sulcados pelos sofrimentos e pelo abandono…
Espíritas! Vamos acordar para a
vida e optar pelos planos do Cristo conjugando esforços em favor da implantação
do Reino de Deus na Terra, começando pela união e fraternidade, vez que o
Espiritismo postula clara e insofismavelmente que Fora da caridade não há salvação.
Ficamos particularmente chocados
e sensibilizados pela situação dos idosos porque tivemos a felicidade de nascer
numa família que sabia cuidar dos seus até à morte.
Vendo e sentindo as tristes e
angustiantes situações de carência afetiva desses pobres idosos, avaliamos a
urgente e enorme tarefa que nós Espíritas, conhecedores da Lei de Causa e
Efeito, necessitamos empreender no sentido de esclarecer as famílias que os
abandonam em asilos.
Reflitamos, finalmente, no
conteúdo da página escrita pelo ínclito Codificador do Espiritismo[3]: O mandamento: “Honrai a vosso pai e a vossa
mãe” é um corolário da lei geral de caridade e de amor ao próximo, visto que
não pode amar o seu próximo aquele que não ama a seu pai e a sua mãe; mas, o
termo “honrai” encerra um dever a mais para com eles: o da piedade filial. Quis
Deus mostrar por essa forma que ao amor se devem juntar o respeito, as
atenções, a submissão e a condescendência, o que envolve a obrigação de
cumprir-se para com eles, de modo ainda mais rigoroso, tudo o que a caridade
ordena relativamente ao próximo em geral. Esse dever se estende naturalmente às
pessoas que fazem as vezes de pai e de mãe, as quais tanto maior mérito têm,
quanto menos obrigatório é para elas o devotamento. (…)
Honrar a seu pai e a sua mãe não consiste apenas em respeitá-los; é
também assisti-los na necessidade; é proporcionar-lhes repouso na velhice; é
cercá-los de cuidados como eles fizeram conosco, na infância.
Sobretudo para com os pais sem recursos é que se demonstra a verdadeira
piedade filial. Obedecem a esse
mandamento os que julgam fazer grande coisa porque dão a seus pais o
estritamente necessário para não morrerem de fome, enquanto eles de nada se
privam, atirando-os para os cômodos mais ínfimos da casa, apenas por não os
deixarem na rua, reservando para si o que há de melhor, de mais confortável?
Ainda bem quando não o fazem de má-vontade e não os obrigam a comprar caro o
que lhes resta a viver, descarregando sobre eles o peso do governo da casa!
Será então aos pais velhos e fracos que cabe servir a filhos jovens e fortes?
Ter-lhes-á a mãe vendido o leite, quando os amamentava? Contou porventura suas
vigílias, quando eles estavam doentes, os passos que deram para lhes obter o de
que necessitavam? Não, os filhos não devem a seus pais pobres só o estritamente
necessário, devem-lhes também, na medida do que puderem, os pequenos nadas
supérfluos, as solicitudes, os cuidados amáveis, que são apenas os juros do que
receberam, o pagamento de uma dívida sagrada. Unicamente essa é a piedade
filial grata a Deus.
Ai, pois, daquele que olvida o que deve aos que o ampararam em sua
fraqueza, que com a vida material lhe deram a vida moral, que muitas vezes se
impuseram duras privações para lhe garantir o bem-estar. Ai do ingrato: será punido com a ingratidão e
o abandono; será ferido nas suas mais caras afeições, “algumas vezes já na
existência atual”, mas com certeza noutra, em que sofrerá o que houver feito
aos outros.
(…) Se a lei da caridade manda se pague o mal com o bem, se seja
indulgente para as imperfeições de outrem, se não diga mal do próximo, se lhe
esqueçam e perdoem os agravos, se ame até os inimigos, quão maiores não hão de
ser essas obrigações, em se tratando de filhos para com os pais! Devem, pois,
os filhos tomar como regra de conduta para com seus pais todos os preceitos de
Jesus concernentes ao próximo e ter presente que todo procedimento censurável,
com relação aos estranhos, ainda mais censurável se torna relativamente aos
pais; e que o que talvez não passe de simples falta, no primeiro caso, pode ser
considerado um crime, no segundo, porque, aqui, à falta de caridade se junta a
ingratidão.
Conclama Meimei, através da psicografia de Francisco Cândido Xavier,
sob o título “Luzes do Entardecer”: Conserva contigo os companheiros idosos,
com a alegria de quem recebeu da vida o honroso encargo de reter, junto do
coração, as luzes remanescentes do próprio grupo familiar. Reflete naqueles que
te preservaram a existência ainda frágil, nos panos do berço, nos que te
equilibraram os passos primeiros, nos que te afagaram os sonhos da meninice e
naqueles outros que te auxiliaram a pronunciar o nome de Deus.
Já que atravessaram o caminho de muitos janeiros, pensa no heroísmo
silencioso com que te ensinam a valorizar os tesouros do tempo, nas
dificuldades que terão vencido para serem quem são, no suor que lhes alterou as
linhas da face e nas lágrimas que lhes alvejaram os cabelos.
E quando, porventura, te mostrem azedume ou desencanto, escuta-lhes a
palavra com bondade e paciência… Não estarão, decerto, a ferir-te e sim
provavelmente algo murmurando contra dolorosas recordações de ofensas
recebidas, que trancam no peito, a fim de não complicarem os dias dos seres que
lhes são especialmente queridos!
Ama e respeita os companheiros idosos! São eles as vigas que te escoram
o teto da experiência e as bases de que hoje te levantas para seres quem és…
Auxilia-os, quanto puderes, porquanto é possível que, nos dias finais
da tua existência humana, venhas igualmente a conhecer o brilho e a sombra que
assinalam no mundo, a hora do entardecer.
[1] http://www.mundoespirita.com.br/?materia=valetudinarios
- Março/2018.
[2] KARDEK, Allan . O
livro dos Espíritos. 88ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. pt. 3, cap. III, q.
685a
[3] KARDEC, Allan. O
Evangelho segundo o Espiritismo. 125ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. cap.
XIV, item 3.
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