sábado, 10 de março de 2018

A Síndrome das Ovelhas em Busca de um Pastor[1]



Marco Milani

O comportamento do indivíduo reflete muitos condicionamentos desenvolvidos em sua própria história. Sob a perspectiva espírita, sabemos que somos seres imortais vivenciando oportunidades evolutivas para realizarmos a perfeição relativa de que somos suscetíveis. Nesse sentido, estamos experimentando situações que nos farão exercitar a inteligência e desenvolver aspectos morais, permitindo-nos conhecer a nós mesmos e compreender a realidade em que vivemos, estejamos nós encarnados ou desencarnados. Também sabemos que naturalmente somos atraídos e atraímos essas situações, em que nos compete agir conforme a responsabilidade e conhecimento de cada um.
A Doutrina Espírita nos favorece a compreensão desse processo evolutivo e representa um avanço para a humanidade em relação à superação de condicionamentos místicos e irracionais que distorcem a percepção da realidade. As relações entre os mundos físico e espiritual são apresentadas com lucidez e clareza que chegam a surpreender aqueles que ainda apreciam segredos e mistérios típicos das tradições de culturas do passado. O Espiritismo revoluciona com sua racionalidade e liberta consciências do pensamento mágico e ilusório. Tal superação, entretanto, exige esforço individual e não se deve esperar que todos avancem igualmente. O atavismo manifesto em alguns adeptos que ainda lutam para se desvencilhar de práticas e posturas que são reconhecidas como ineficazes e sem qualquer validade nas relações entre encarnados e desencarnados ou mesmo para com Deus é um fato.
A marcha progressista fará com que todos avancem, mas cada um a seu tempo. Não é por isso, contudo, que o comportamento atávico deva ser incentivado. Ao contrário, respeitosamente se deve esclarecer e incentivar essa superação e foi justamente nessa direção que Kardec e os Espíritos que estruturaram o corpo teórico espírita agiram.
Se por um lado, a proposta religiosa destacou a necessidade de relevantes padrões éticos, por outro os condicionamentos resultantes de séculos de adestramento, misticismo e opressão religiosa ainda se fazem sentidos em boa parte da humanidade. Uma característica marcante desse comportamento é o temor, submissão e a noção de troca com o sagrado. Certamente, aqueles que se declaravam representantes de Deus, Jesus ou de forças ocultas na Terra contribuíram para o apassivamento de comunidades inteiras e a criação de uma relação de dependência de intermediários aparentemente iluminados para interceder em nome dos seguidores. Essa dependência por intermediários ou por práticas supostamente relacionadas ao Divino e misterioso ainda faz com que muitos tendam a procurar alguém ou uma instituição para depositar suas esperanças em busca de salvação ou de suprimento de seus anseios. Adotam o comportamento de ovelhas em busca de um pastor para lhes guiar e prover.
Especificamente no Brasil, um país de tradição católica e influência sincrética de diferentes denominações religiosas, é compreensível que muitos cheguem ao centro espírita expressando o desejo salvacionista e com forte dependência por intermediários com o invisível. Quando passam a conhecer e estudar o Espiritismo, deparam-se com uma lógica inovadora para a maioria, na qual cada um é responsável por sua própria salvação sem depender da intervenção de qualquer pessoa ou ter que seguir ritos, interpretar símbolos, contribuir com o dízimo ou adotar práticas exteriores.
A síndrome de ovelha ainda pode se manifestar em muitos adeptos espíritas, mas à medida que vão se conscientizando de que nasceram para ser pastores de si mesmos passam a reduzir o grau de dependência por supostos condutores de alma e aumentam a autoconfiança em busca da própria realização espiritual.

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