sexta-feira, 23 de março de 2018

A felicidade (não) existe?[1]



Willian Diego de Almeida[2]


Perante os diversos acontecimentos “negativos” que têm assolado a humanidade, milhares de sujeitos se encontram mergulhados (como guerreiros) nas sendas das iniquidades que permeiam o campo social. Tal situação faz parecer que o questionamento acima passa de uma simples pergunta, ou de uma simples dúvida, para se tornar uma afirmação.
E essa afirmação tem ganhado forças em nosso dia a dia, justamente por recebermos diversas informações alicerçadas em ideias que nos levam a pensar: somente dificuldades estão por vir! E isso nos conduz, obviamente, a interpretações negativas, aos mal-entendidos que se têm a respeito da vida, tocando, inclusive, no que é (ou pode ser) a felicidade. Pode-se chegar até a pensar que ela realmente não existe em uma sociedade que está com feridas morais tão graves assim.
Mesmo diante de todo esse negativismo, diversas seitas, religiões e doutrinas, como o próprio Espiritismo[3], parecem andar na “contramão” dessa pergunta que se faz afirmação no dia a dia das pessoas. Ora, na “contramão” pelo fato de que enquanto os acontecimentos teimam em colocar nas nossas mentes que a felicidade parece ser um estado inalcançável, os fundamentos, as posturas intelectuais e morais, o conjunto de princípios desses campos, que acreditam em um ser superior, parecem apontar para uma certeza: sim, a felicidade existe e ela pode ser alcançada!
Mas eu gostaria de chamar atenção para o Espiritismo, principalmente para dois pontos que, a meu ver, são fundamentais para sentirmos/vivenciarmos a tão aclamada felicidade: a responsabilidade que temos sobre nós mesmos em relação à vida e a relação do ter versus ser.
De cunho filosófico-religioso, a Doutrina dos espíritos faz-nos pensar o propósito desses dois aspectos, o quanto eles são significativos para se compreender a própria existência humana. Só podemos, pois, sentir/viver a felicidade ao conhecermos (mesmo que um pouco) nós mesmos, o nosso sentido existencial.
Comecemos, então, pela responsabilização. Com o Espiritismo vemos o quanto é preciso encarar a nós mesmos em relação à vida e o quanto esse (auto) exame tem o poder de transformar o nosso dia a dia, de mudar o roteiro da nossa história.   Talvez seja por isso Allan Kardec relata na obra O espiritismo em sua mais simples expressão (2016, p. 26) que:
Com esse conhecimento [sobre o Espiritismo, sobre nossa existência, sobre nós mesmos] que podemos saber qual será a nossa condição de felicidade ou de infelicidade na vida futura, bem como a causa de nossos sofrimentos atuais, e a maneira de aliviá-los.
No percurso do estudo espírita são realizadas sérias discussões empreendidas por Allan Kardec, subsidiadas pelos Espíritos que, ao longo das suas obras, descortinam, anunciam e denunciam, ao mesmo tempo, um novo prisma: somos efeitos de nossas próprias escolhas; isto é, somos arquitetos de nossos destinos. Por isso que para se transformar é preciso, antes de tudo, conhecer (-se).
Logo, não podemos olhar para a vida que estamos de modo inocente; fomos nós, com nossas próprias mãos, que construímos o nosso presente. Presente que traz, de maneira silenciosa, as sombras e luzes de nossas atitudes e escolhas realizadas no nosso passado. De tal modo, o nosso passado se faz vivo no presente, e é no nosso presente, no agora, que construímos, sem dúvida, o nosso futuro.
Essa ideia lança luzes em nossas vidas, como holofotes com uma intensa claridade que nos leva a compreender a razão de nossos afetos como também de nossos desafetos, de nossos sofrimentos e, por conseguinte, da felicidade. Portanto, nada é por acaso. Não recebemos coisas boas ou coisas ruins do nada.
Logo, se somos efeitos de nossas próprias escolhas (im)pensadas, é um absurdo imaginar que para ser feliz não temos responsabilidade alguma. Sim, nós temos. Se assumirmos para a nossa vida que somos responsáveis por aquilo que temos e pelo que colhemos não seria ousadia nenhuma dizer que a felicidade é sim um estado alcançável, uma vez que depende de nós.
E ao assumir esse paradigma como uma verdade, já não seremos mais “enganados” de que a felicidade nos será simplesmente doada ou encontrada em situações efêmeras, afinal de contas: Quem consegue receber um salário (grandioso) antes de muito trabalho? Qual estudante passa em um vestibular e um concurso sem diversas horas de dedicação e estudo? Qual casa começa a sua construção pelo telhado? Qual corredor alcança a linha de chegada com apenas um passo dado?
Somos os responsáveis por tudo o que conseguimos cativar com nossas atitudes rotineiras. Devemos, urgentemente, parar de culpar o outro (vizinho, chefe, irmão, esposa, marido...) para assumir a nossa própria responsabilidade perante as dificuldades da vida. Tanto é que Allan Kardec, na obra O que é o espiritismo (p. 151), resposta da pergunta 100, o codificador nos traz um esclarecimento ao dizer que:
[...] As almas que se manifestam nos revelam suas alegrias ou seus sofrimentos, segundo o modo por que empregaram o tempo de vida terrena; nisto temos a prova das penas e recompensas futuras.
Ora, essa exemplificação está ligada com a ideia de responsabilização de si mesmo, mas, com certeza, também tem relação com o encarar a si mesmo, o que são duas coisas completamente diferentes. Talvez esta última possa ser a coisa mais difícil a se fazer.
A esta altura é evidente que a felicidade só se consegue com muito esforço, com muita mudança, pois é uma construção constante do nosso estado interior. E essa mudança não é no outro, não é no emprego; não está na busca de prazeres desenfreados que só nos refrigeram as tristezas por um instante. Essa mudança está em nós, em escolhas melhores, em posicionamentos mais assertivos.
E com essa melhoria em nosso eu não ocorrerá mais a tendência em confundir momentos prazerosos - que só fazem jus aqui na Terra – com a felicidade.  Quem sabe é por essa razão que Allan Kardec afirma que a felicidade não é deste mundo, como o faz em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, item 20 (2013, p. 92). Ora, penso que se os mundos regeneradores representam a aurora da felicidade perfeita, e ainda estamos na fase de expiação e provas, obviamente que a felicidade constante ainda está por vir, mas compete a nós nos aproximarmos cada dia mais desse objetivo ou de estacionarmos (KARDEC, 2013, p. 64).
Estaria eu, aqui, defendendo a impossibilidade de sermos felizes na Terra. De maneira alguma. Vejamos, Divaldo Franco, no Programa Transição, do dia 14 de novembro de 2010, parte 1-2, nos ajuda a pensar a respeito desse ponto dizendo que:
[...] vivemos em um mundo relativo e a felicidade seria uma grandiosidade permanente. Desde que vivemos no relativo, vivemos no instável. A felicidade deve ser estável. Mas porque, então, essa relatividade?  Por que confundimos prazer com felicidade.
Nessa explicação é possível analisar que a felicidade  plena não é deste mundo, mas inicia-se nele; ela não é só uma promessa. Ela é real e pode ser alcançada; porém, somente por aqueles que forem, enquanto autores de sua própria história, conquistadores desse estado.
Além disso, Divaldo Franco continua a explicar que a confusão que fazemos entre prazer e felicidade pode estar relacionada com a escravização de nossas ideias a coisas passageiras. Exemplo disso é que, para muitos, a felicidade ainda está relacionada ao ter e ao não ter: quero ter sucesso, quero ser casado, quero ter uma casa grande, quero ter um corpo bonito...
Aqui adentra a questão do ter versus  ser. Temos que nos alertar para isso a fim de não nos tornarmos escravos do ter (queremos ter um bom emprego, ter sucesso, ter um amor, ter saúde, ter uma casa confortável, um carro, ou seja, ter, ter, ter e ter) para compreendermos que precisamos “ser” antes de ter.
Podemos adquirir tudo o que almejamos, mas com um olhar deseducado para a essência da vida, se nos preocuparmos somente com o ter obviamente estaremos longe de gerar o mecanismo ao qual chamamos de felicidade. Prova disso está no nosso dia a dia. O número de suicidas, de depressivos, de ansiosos está cada dia mais alto. Há pessoas que tem um carro maravilhoso, uma casa lindíssima, uma esposa ou um marido carinhoso, mas que mesmo assim não são felizes.
Como um gesto que reeducação íntima, talvez esse processo demore horas, dias, dos anos e (re)encarnações, mas isso não importa.  Não vamos nos preocupar com a velocidade, mas com a qualidade. Tanto é que Allan Kardec nos ajuda a lembrar em O Livro dos Espíritos (2004, p. 456), nos comentários da questão 798, que o progresso leva tempo; as coisas nunca vão ser modificadas de súbito.
A urgência de uma nova forma de enxergar as coisas nos bate à porta. Vamos avançar, vamos mudar posturas, reavaliar gostos, jeitos, afeições. Penso que a nossa forma de enxergar a felicidade mudará também. 
Digo mais: não existe uma receita específica para tudo isso, mas existe um caminho, uma direção. Jesus, os apóstolos (e muitos outros que vieram antes Dele, que prepararam o terreno para sua chegada), assim como Kardec e muitos outros que surgiram depois do próprio codificador, fizeram a sua parte para nos alertar. E nós? Será que fazemos a nossa?
Com o conhecimento a respeito da vida, da nossa existência, somado à nossa força de vontade, o “facilitador” de ideias, o Espiritismo, serve como uma bússola para apontar possíveis caminhos que nos conduzam a uma maneira de gerar aberturas, primeiramente em nossa forma de olhar, depois na nossa consciência para que, um dia (não muito distante), voltemos realmente à prática de uma melhor vivência para conosco e, consequentemente, para com o outro, isto é, com o nosso próximo. 
Em suma, vamos nos atentar para essa responsabilidade que temos com nós mesmos e, por meio disso, trabalhar para alcançar a nossa felicidade nas pequenas coisas, para a nossa melhoria moral. Quando uso o pronome possessivo “nossa” é justamente em razão de ninguém ser o responsável por quem somos, pelo que sentimos e pelo que nos tornamos. Vamos estudar para crescer intelectual e moralmente.
Vamos parar de nos sabotar, de boicotar as nossas próprias chances. Vamos ser caridosos para conosco, reconhecendo nossos limites, nos libertando aos poucos de nossas imperfeições. Dessa maneira, além de nos desenvolvermos socialmente, será possível ver que a luta pelos nossos sonhos não é em vão e que, certamente, cada um de nós pode ser melhor hoje do que foi ontem. Acredite, esse sacrifício pessoal é intransferível, mas ele vai nos ajudar a progredir, começando com a consciência de que somos os heróis, mas também os algozes de nossa própria trajetória. E ao assumir essa postura, sem depender psicologicamente do outro, a materialização desse sentimento divino que é a felicidade não estará mais nas mãos de ninguém, em um momento ou em um bem material; estará pulsado em nossos corações.
 Referências:
FRANCO, Divaldo. Felicidade. Disponível em:   https://goo.gl/QFKKGv.  Acesso em: 12 jan. 2018.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Disponível em:  https://goo.gl/6RLReB.  Acesso em: 12 jan. 2018.
 ______. O Evangelho segundo o Espiritismo: com explicações das máximas morais do Cristo em concordância com o espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida. 3. ed. Trad.: Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2013
 _______. O que é o Espiritismo. Trad.: Redação de Reformador. Brasília: FEB, 2013.
 _______. O Espiritismo em sua mais simples expressão. Trad.: Milton Felipeli. São Paulo: Letras e Textos Editora, 2016.




[2] Willian Diego de Almeida, professor universitário, escritor e palestrante espírita, reside na cidade de Bauru (SP).
[3] Aponto o Espiritismo com letra maiúscula pelo fato de reconhecê-lo, acima de tudo, como uma ciência, especialmente pelos contornos, os trajetos das pesquisas que foram lideradas por Allan Kardec (pseudônimo).

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