sábado, 24 de março de 2018

Prova ou expiação? Eis a questão![1]



Rogério Miguez


Considerando a nossa Terra como uma grande escola, com bem mais de sete bilhões de alunos matriculados – os encarnados, e, segundo dizem os Espíritos, mais de vinte bilhões de alunos em regime de espera aguardando matrícula – os desencarnados, pode-se apontar dois mecanismos básicos divinos de aferição do aprendizado possível de ser obtido neste colégio, verificando os estudantes do educandário Terra, ao longo dos anos letivos, ou seja, no decorrer da própria vida: provas e expiações.
Estes são os métodos criados por Deus para impulsionar e alavancar a nossa evolução, e, na posição de coordenador deste particular instituto de ensino do Universo, pois existem milhões de outros, ocupando a cátedra maior, sabe-se também estar Jesus, o Bondoso Diretor.
É da Lei celestial a obrigatoriedade de se passar por muitas vidas visando ao nosso próprio aprimoramento, tantas vidas quantas forem necessárias de modo a nos conduzir ao alvo derradeiro: a absoluta perfeição moral.
O número de provas é imenso, porquanto há muitas virtudes a conquistar e incontáveis matérias a dominar, de forma a construir o sólido equilíbrio desejado entre as asas do sentimento e da inteligência, garantindo dessa forma uma evolução constante.
Basta observar, no primeiro caso, como é difícil viver na plenitude apenas uma particular virtude ao longo da existência. De fato, cremos, não há Espíritos encarnados que podem alegar domínio completo das muitas virtudes, de que sabemos só o Administrador deste estabelecimento de ensino as conquistou na totalidade.
No segundo caso, reflitamos em quantas especialidades de engenharia ou mesmo na área de medicina existem hoje em dia? No passado eram pouquíssimas, entretanto o número vem crescendo continuamente, isso só para citar duas áreas do conhecimento humano. Todas estas matérias também deverão ser por nós apreendidas, dominadas.
À primeira vista, acredita-se ser esse progresso infinito, mas este entendimento não corresponde à realidade, pois o desenvolvimento moral e intelectual tem um termo[2]:
169. O número de encarnações é o mesmo para todos os Espíritos? “Não; aquele que caminha depressa se poupa a muitas provas. Todavia, essas encarnações sucessivas são sempre muito numerosas, porque o progresso é quase infinito”. (Negritamos)
Enquanto não incorporamos todo este aprendizado, passamos por variadas provas e expiações, com uma especial observação: só expiamos devido a nossa escolha de evolução não ter contemplado apenas o caminho do bem, possibilidade esta prevista plenamente na ordem divina[3]:
262. Como pode o Espírito, que, em sua origem, é simples, ignorante e sem experiência, escolher uma existência com conhecimento de causa e ser responsável por essa escolha?
“Deus lhe supre a inexperiência, traçando-lhe o caminho que deve seguir, como fazes com uma criança, desde o berço. Contudo, pouco a pouco, à medida que o seu livre-arbítrio se desenvolve, Ele o deixa livre para escolher e só então é que muitas vezes o Espírito se extravia, tomando o mau caminho, por não ouvir os conselhos dos bons Espíritos. É a isso é que se pode chamar a queda do homem.” (Negritamos)
Observe-se este trecho na resposta dos Espíritos: muitas vezes lhe acontece extraviar-se; se é assim, em outras tantas vezes, acontece de não extraviar-se, seguindo desde o início apenas o caminho correto. Essa esclarecedora razão explica o fato de haver tantas mazelas nesta escola, pois no colégio Terra estão reunidos alunos que optaram por não seguir decididamente, no exercício livre do uso de seu livre-arbítrio, apenas o caminho do bem. São em média estudantes rebeldes e repetentes das lições ministradas pelo Diretor Jesus dois mil anos atrás. Em consequência, como já cometemos muitos deslizes, a conhecida expressão “multidão de pecados”, a contar desde a nossa origem, com prejuízo ao próximo e nós mesmos, devemos expiar, ou resgatar, essas situações indesejadas de passado – enfatize-se sempre – criadas por nós mesmos.
Sendo assim a mecânica divina da vida, uma pergunta poderia ser suscitada: Como posso saber, ou distinguir, quando estou passando por uma prova ou uma expiação e qual a diferença entre elas, de modo a melhor me conduzir nos diversos desafios existentes no desenrolar da vida?
Analisando a dúvida sob o ponto de vista da Doutrina, sabemos ser de fato uma questão a expressar apenas a nossa vã curiosidade em saber especificamente sob quais condições se sucedem os muitos fatos da vida, se são verificações ou resgates, consequentemente irrelevante, segundo a visão doutrinária.
Nós, Espíritos ainda imperfeitos, não precisamos necessariamente saber se estamos passando por uma prova escolhida na erraticidade[4] ou, do outro lado, se vivenciamos uma expiação, pois o que precisamos com certeza é simplesmente superar as dificuldades, não importa se estas têm sua origem em uma prova ou em uma expiação; o objetivo é vencer, ou vencermo-nos diante dos quadros agudos e nem sempre agradáveis que caracterizam as nossas existências, situações comuns em um típico mundo de provas e expiações, em via de se regenerar.
A propósito, e sempre oportuno, podemos lembrar, por exemplo, este registro em outra obra do Codificador[5]: “Não há crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo denote a existência de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar o seu progresso. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação”. Ou seja, estamos sempre sendo testados, seja pela prova propriamente dita escolhida anteriormente, seja pela expiação, solicitada ou imposta; esta última servirá em todo o tempo também de prova, e se bem suportada conferirá ao aluno a nota de aprovação.
Muitas vezes cremos terem as provas superado as nossas forças, nos reconhecemos despreparados e nos sentimos incapazes de carregá-las. Esta conclusão, aparentemente acertada, não é verdadeira, não encontra respaldo nas leis divinas, porquanto, observando bem o quadro presente, com imparcialidade, pode-se facilmente concluir termos aumentado as nossas provas, tornando-as desta maneira insuportáveis do nosso ponto de vista, porém isso se deu como resultado de condutas impróprias e atitudes intempestivas tomadas frequentemente por todos nós.
Variados sofrimentos e amarguras enfrentadas ao longo desta existência se originam em condutas e ações adotadas distanciadas do bom caminho, ou seja, das diretrizes divinas, nesta própria vida; têm, pois, origem no presente e não no passado longínquo. Em consequência, a vida responde com novos dissabores e contratempos ainda durante a vida atual. E se não houver repercussão ainda nesta existência, estas faltas do presente se apresentarão como expiações de passado, em nossas vidas futuras; é tudo muito simples. Dessa forma, se almejamos um futuro melhor, vigiemos e oremos agora. Esta máxima, se bem aplicada, pode-nos forrar de muitos percalços e atribulações no porvir.
Outro importante aspecto a considerar é a certeza de que, se vivenciarmos as provas e expiações com rebeldia, contragosto, murmúrios ou reclamações, duvidando da justiça do Criador, a verificação ou o resgate perdem a função e o sentido; por conseguinte, a vida nos convidará ou nos obrigará, em futuro próximo, a passar por novas aferições, até sairmos plenamente vitoriosos. Este sistema de ensino é perfeito, pois perfeito é o Pai.
Diante destas esclarecedoras explicações oferecidas pela Doutrina, cabe-nos aceitar as vicissitudes da vida como oportunidades de aprendizado, em nosso próprio favor, visto que Deus age sempre com bondade e misericórdia, não nos solicitando esforços maiores do que podemos suportar; disso não tenhamos a menor sombra de dúvida.
E como Deus é Pai, e não feitor, não considera qualquer falta como irremissível, ou seja, imperdoável. Sendo ela qual for, Ele nos concederá incontáveis oportunidades para alcançarmos o sucesso não obtido nesta existência, contudo tenhamos em mente que muitas vezes essas novas verificações acontecerão em situações menos favoráveis do que aquelas experimentadas agora, caso contrário não se realiza o processo de educação do Espírito.
Tudo depende de nós mesmos, está em nossas mãos. Ajamos agora, não posterguemos, aceleremos o processo em curso de regeneração do planeta, pois somos os artífices desta mudança.




[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Trad. Evandro   Noleto Bezerra. 3. ed. Comemorativa do Sesquicentenário. Brasília: FEB, 2007.  Q.169.
[3] ________.________.   Q.262.
[4] Erraticidade: estado dos espíritos errantes, isto é, não encarnados, durante os intervalos de suas diversas existências corpóreas (Allan Kardec – Instruções Práticas sobre as manifestações espíritas – Vocabulário espírita).
[5] _____. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. Evandro   Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. cap. V, “Bem-aventurados os aflitos”. item 9.

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