Jorge Hessen
A cada ano pessoas mergulham
numa falsa felicidade de 3 dias de “folia”[2] seguida
de 362 dias de novas e reconstruídas aflições. Será lícito confundir “diversão”
passageira com alegria real? O carnaval é um desses delírios coletivos que
costumam ser classificados como “extravasadores de energias reprimidas” – será
mesmo? Em verdade o entrudo[3] representa
o momento em que pessoas projetam o que há de mais irracional e de mais
incivilizado em si mesmas.
Há quem afirme ser o período do
carnaval marcado pelo "adeus à carne", ou do latim "carne
vale", dando origem à palavra. Embora não haja unanimidade entre os
estudiosos, a terminologia pode estar associada à ideia de encanto dos prazeres
do corpo (carnal) marcado pela expressão "carnis valles", sendo que
"carnis" em latim significa carne e "valles" significa
prazeres.
Já foi no passado a comemoração
dos povos guerreiros, festejando vitórias; foi reverência coletiva ao deus
Dionísio, na Grécia clássica (bacanália); na velha Roma imolava-se nessas
ocasiões uma vítima humana (saturnália); na Idade Média era uma comemoração
adotada pela Igreja romana, no século VI. Isso nos remete ao início do período
da quaresma, uma pausa de 40 dias nos excessos cometidos durante o ano
(mormente alimentação)[4].
Assim, em sua origem não era apenas um período de reflexão espiritual, como
também uma época de privação de certos alimentos como a carne.
Em Roma, em homenagem ao deus
Saturno, carros alegóricos (a cavalo) desfilavam com homens e mulheres. Eram os
carrum navalis. O termo carnaval pode derivar das iniciais da frase: “carne
nada vale”. Outra interpretação para a etimologia da palavra é a de que esta
derive de currus navalis, expressão anterior ao Cristianismo e que significa
carro naval[5].
Há muitos séculos o carnaval era
marcado por grandes festas, em que se comia, bebia e participava de frenéticas
celebrações e busca incessante dos prazeres[6]. Prolongava-se
por sete dias (de dezembro) nas ruas, praças e casas da antiga Roma. Todas as
atividades e negócios eram suspensos nesse período; os escravos ganhavam
liberdade temporária para fazer o que quisessem e as restrições morais eram
relaxadas. Um rei era eleito por brincadeira e comandava o cortejo pelas ruas
(saturnalicius princeps).
O carnaval atual é modelado na sociedade
da corte (vitoriana) do século XIX. A cidade de Paris foi o principal modelo
exportador da homenagem a Momo para o mundo. Cidades como Nice, Nova Orleans,
Toronto e Rio de Janeiro se inspirariam no carnaval parisiense para implantar
suas novas festas carnavalescas.
Um fato é incontestável: a
cultura do carnaval estabelece tudo o que aguça o primarismo humano, volúpia,
sensualidade e prazer. Não propomos quaisquer normas proibitivas ou restrição
de anseios pessoais, até porque temos o livre arbítrio, e viver na Terra é
fazer as escolhas pessoais. Sem medo de correr o risco de ser taxado de
moralista, lembro que a Lei de Causa e Efeito preconiza a obrigatoriedade da
colheita em tudo o que foi semeado livremente.
Para todas as situações da vida,
lembremos sempre da recomendação de Paulo de Tarso: “Todas as coisas me são
lícitas”[7].
Há os que julgam que a participação nas festas de Momo nenhum mal acarreta à
integridade fisiopsicoespiritual. Divergimos desse ponto de vista.
A Doutrina Espírita nada proíbe,
nem nada obriga, nem censura o carnaval; mas igualmente, não endossa sua
realização. Sabe-se que durante a folia de Momo são perpetrados abusos de todos
os tipos e, mormente, desregramentos da carga erótica de adolescentes, jovens,
adultos e até velhos (mal resolvidos); há consumo exagerado de álcool e outras
drogas, instalação da bestialidade generalizada, excessos esses que atraem
espíritos vinculados ao deletério parasitismo magnético, semelhantes às hienas
diante de carcaças deterioradas (carniças).
É verdade! A Doutrina Espírita
nem apoia nem condena o carnaval; todavia clarifica muitos aspectos ligados ao
evento. Inobstante não dite regras coercitivas, cremos que o espírita deve ter
completa ciência das implicações infelizes advindas desses festejos
alucinantes. Logicamente não precisa se condenar o carnaval, nem temer por
acreditá-lo uma festa “diabólica”; não precisa evadir-se por receio de atração
dos seus “encantos”, porém vigiar à distância da agitação. Se se aprecia o
folguedo de Momo, deve-se ser um observador atento e equilibrado.
Não fossem os exageros, o
carnaval, como festa de integração sociocultural, poderia se tornar um
acontecimento compreensível, até porque não admitir isso é incorrer em erro de
intolerância. Há muita gente que busca fazer do carnaval um momento de
esperança, oportunizando empregos, abrigando menores, e isso é muito valioso.
Entretanto, o grande saldo da festa se resume em três palavras: violência,
ilusão e sensualidade.
Particularmente, não vejo outro
caminho que não seja o da “abstinência sincera das folias”. O ideal seria o
emprego do feriadão para a descoberta de si mesmo, entrosamento com os
familiares, leitura de livros instrutivos, frequência a reuniões espíritas, participação
em eventos educacionais, culturais ou mesmo o descanso, já que o ritmo
frenético do dia a dia exige, cada vez mais, preparo e estrutura
físico-psicológica para os embates pela sobrevivência.
Não há como “tapar o sol com a
peneira” e ignorar que nesses períodos os foliões fascinados surgem de todos os
antros para busca da perversão. A efervescência momesca é episódio que satura
em si a carga da barbárie e do primitivismo. Há os que aniquilam as finanças
familiares para experimentar o momento efêmero de “desfrutar” dias de total
paranoia. Adolescentes, adultos e decrépitos se abandonam nas arapucas
pegajosas das estéreis fanfarras. Não percebem que bandos de malfeitores do
além (obsessores) igualmente colonizam as “avenidas e ruas” num lúgubre show de
bizarrices. Malfeitores das penumbras espirituais se acoplam aos histriões
fantasiados pelos fios invisíveis do pensamento por causa dos entulhos lascivos
que trazem na intimidade.
Todos estamos sob influências
das entidades do além-túmulo. Muitas fantasias de expressões ridículas são
inspiradas pelos espíritos que vivem em regiões penumbrosas do além. Os
espíritos excitam “nossos pensamentos e ações e essa influência é maior do que
imaginamos porque, frequentemente, são eles [os espíritos] que nos conduzem”[8]. Pode
parecer assustador tal afirmativa, ainda mais que se tem tais espíritos à conta
de “demônios”.
Os três dias de Momo, portanto,
poderão se transformar em três séculos de penosas reparações. Será que vale a
pena pagar preço tão elevado? Os foliões incuráveis declaram que o carnaval é
um extravasador de tensões, “liberando as energias”… Entretanto, no carnaval
não são abrandadas as taxas de agressividade e nem as neuroses. O que se
observa é um somatório da bestialidade urbana e de desventura doméstica. Após
os festejos surgem as gravidezes indesejadas e a consequente proliferação de
abortos, incidem graves acidentes de trânsito, acréscimo da criminalidade,
estupros, suicídios, ampliação do consumo de várias substâncias
estupefacientes, alcoólicos, assim como o surgimento de novos drogados,
disseminação das enfermidades sexualmente transmissíveis (inclusive a AIDS).
Existem muitas outras formas de
diversão, recreação ou entretenimento disponíveis ao homem contemporâneo,
algumas verdadeiros meios de alegria salutar e aprimoramento (individual e
coletivo), para nossa escolha. Para os espíritas, merece reflexão a advertência
de André Luiz: “Afastar-se de festas lamentáveis, como aquelas que assinalam a
passagem do CARNAVAL, inclusive as que se destaquem pelos excessos de gula,
desregramento ou manifestações exteriores espetaculares. A verdadeira alegria
não foge da temperança”[9]. [grifamos]
Existem alguns centros espíritas
que fecham suas portas nos feriados do carnaval por diversos pretextos inaceitáveis.
Repensemos o seguinte: uma pessoa com necessidades imediatas de atendimento
fraterno ou dos recursos espirituais urgentes em caso de obsessão – seria
lógico fazê-la esperar para ser atendida após as "cinzas", uma vez
ocorrendo essa infelicidade em dia de feriado momesco?
Como nosso imperativo maior é a
Lei de Evolução, um dia tudo isso, todas essas manifestações ruidosas que
marcam nosso estágio de inferioridade desaparecerão da Terra. Em seu lugar
então predominarão a alegria pura, a jovialidade, a satisfação, o júbilo real,
com o homem despertando para a beleza e a arte, sem agressão nem promiscuidade.
[2] Do
francês folle, que significa loucura ou extravagância sem que tenha existido
perda da razão.
[3] O
entrudo chegou ao Brasil por volta do século XVII e foi influenciado pelas
festas carnavalescas que aconteciam na Europa. Em países como Itália e França,
o carnaval ocorria em formas de desfiles urbanos, onde os carnavalescos usavam
máscaras e fantasias.
[4] Excessos
esses que incluem, segundo a crença da igreja romana, a alimentação.
[5] Esta
interpretação baseia-se nas diversões próprias do começo da Primavera, com
cortejos marítimos ou carros alegóricos em forma de barco, tanto na Grécia como
em Roma e, posteriormente, entre os teutões (povos germânicos que viveram no
centro e norte da Europa).
[6] A
Festa do deus Líber em Roma; a Festa dos Asnos que acontecia na igreja de Ruan
no dia de Natal e na cidade de Beauvais no dia 14 de janeiro, entre outras
inúmeras festas populares em todo o mundo e em todos tempos, têm esta mesma
função.
[7] I
Coríntios 10:23.
[8] Kardec,
Allan. O Livro dos Espíritos, questão 460, RJ: Ed FEB, 1990.
[9] Xavier,
Francisco Cândido e Vieira Waldo. Conduta Espírita, ditado pelo espírito André
Luiz, RJ: Ed. FEB, 1999 .
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