terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A Reencarnação na América[1]



Muitas vezes as pessoas se admiram de que a doutrina da reencarnação não tenha sido ensinada na América, e os incrédulos não deixam de aproveitar o fato para acusarem os Espíritos de contradição. Não repetiremos aqui as explicações que nos foram dadas e que publicamos a respeito, limitando-nos a lembrar de que nisto os Espíritos mostraram a sua prudência habitual; quiseram que o Espiritismo surgisse num país de liberdade absoluta, quanto à emissão de opiniões.
O ponto essencial era a adoção do princípio e para isto não quiseram ser incomodados de maneira alguma. O mesmo não haveria de dar-se com todas as suas consequências, sobretudo com a reencarnação, que se teria chocado contra os preconceitos da escravidão e da cor. A ideia de que um negro pudesse tornar-se um branco; de que um branco poderia ter sido um negro; de que um senhor tivesse sido um escravo poderia parecer de tal forma monstruosa que seria suficiente para que o resto fosse rejeitado. Assim, os Espíritos preferiram sacrificar momentaneamente o acessório ao principal e sempre nos disseram que, mais tarde, a unidade se faria sobre este como sobre todos os outros pontos. De fato, é o que começa a ocorrer. Várias pessoas daquele país nos disseram que agora essa doutrina conta ali numerosos partidários; que certos Espíritos, depois de fazer com que fosse pressentida, vêm confirmá-la. Eis o que a respeito nos escreveu de Montreal (Canadá), o Sr. Fleury Lacroix, natural dos Estados Unidos.
“(...) A questão da reencarnação, da qual fostes o primeiro promotor visível, aqui nos tomou de surpresa. Hoje, porém, estamos reconciliados com ela, com esse filho do vosso pensamento. Tudo se tornou compreensível por esta nova claridade e agora a estrada eterna se nos descortina um pouco mais longe. Entretanto, isto nos parecia absurdo, como dizíamos no começo; mas se hoje negamos, amanhã acreditamos – eis a Humanidade. Felizes os que querem saber, porque a luz se fará para eles; infelizes os outros, porquanto permanecerão nas trevas”.
Assim, foi a lógica e a força do raciocínio que os levou a essa doutrina; e, também, porque nela encontraram a única chave que poderia resolver problemas até então insolúveis. Todavia, o nosso honrado correspondente equivoca-se quanto a um fato importante, ao atribuir-nos a iniciativa desta doutrina, que chama de filho do nosso pensamento. É uma honra que não nos pertence: além de ser ensinada a nós, a reencarnação foi ensinada pelos Espíritos a outros indivíduos, antes da publicação de O Livro dos Espíritos. Além disso, seu princípio foi claramente exposto em várias obras anteriores, não apenas nas nossas e até nas que surgiram antes do aparecimento das mesas girantes; entre outras em “Céu e Terra”, de Jean Raynaud, e num encantador livrinho do Sr. Louis Jourdan, intitulado “Preces de Ludovico”, publicado em 1849, sem contar que esse dogma era professado pelos druidas, aos quais, por certo, nós não ensinamos[2]. Quando ele nos foi revelado ficamos surpresos e o acolhemos com reserva e desconfiança; chegamos mesmo a combatê-lo durante algum tempo, até que sua evidência nos fosse demonstrada. Assim, nós o aceitamos e não o inventamos, o que é bem diferente.
Isto responde à objeção de um de nossos assinantes, o Sr. Salgues (de Angers), antagonista confesso da reencarnação, o qual pretende que os Espíritos e os médiuns que a ensinam sofrem a nossa influência, pois aqueles que com ele se comunicam dizem o contrário. Aliás, o Sr. Salgues alega contra a reencarnação objeções especiais, das quais faremos, oportunamente, objeto de exame particular. Enquanto esperamos, constatamos um fato: o número de seus partidários cresce sem cessar, enquanto o dos adversários diminui. Se tal resultado se deve à nossa influência, atribuem-nos uma muito grande, visto que ela se estende da Europa à América, da Ásia à África e até à Oceania. Se a opinião contrária é a verdadeira, como se explica que não tenha prevalecido? Seria o erro, então, mais poderoso que a verdade?




[1] Revista Espírita – Fevereiro/1862 – Allan Kardec.
[2] Vide a Revista Espírita de abril de 1858, O Espiritismo entre os druidas; artigo que contém as Tríades.

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