terça-feira, 7 de novembro de 2017

LIÇÕES FAMILIARES DE MORAL[1]

(Enviadas pela condessa F..., médium de Varsóvia - Traduzido do polonês)





I

Meus caros filhos, vossa maneira de compreender a vontade de Deus está errada, desde que tomais tudo o que acontece como expressão dessa vontade. Certamente conhece Deus tudo o que foi, que é e que será; sendo sempre a sua vontade a expressão do seu amor divino, traz, ao realizar-se, a graça e a bênção, enquanto que, afastando-se dessa via única, o homem atrai a si sofrimentos, que não passam de advertências. Infelizmente, o homem de hoje, enceguecido pelo orgulho de seu espírito, ou afogado no lamaçal das paixões, não as quer compreender.
Ora, meus filhos, sabeis que se aproxima o tempo no qual começará o reinado da vontade de Deus na Terra; então, infeliz daquele que ainda ousar opor-se, pois será quebrado como o caniço, ao passo que aqueles que se tiverem emendado verão abrir-se para si os tesouros da misericórdia infinita. Vedes por aí que se a vontade de Deus é a expressão de seu amor e, por isso mesmo, imutável e eterna, todo ato de rebeldia contra essa vontade, embora suportado pela incompreensível sabedoria, é apenas temporária e passageira; antes que a expressão de sua vontade, representa uma prova da paciente misericórdia de Deus.

II

Vejo com prazer, meus filhos, que vossa fé não se arrefece, malgrado os ataques dos incrédulos. Se todos os homens acolhessem essa manifestação extraordinária da bondade divina, essa nova porta aberta ao vosso adiantamento com o mesmo zelo, a mesma perseverança e, sobretudo, com a mesma pureza de intenção, teria sido uma prova evidente de que o mundo não é assim tão mau, nem tão endurecido quanto parece, e – o que é inadmissível – que a mão de Deus se tenha tornado injustamente pesada sobre a Humanidade.
Não vos admireis, pois, da oposição que o Espiritismo encontra no mundo. Destinado a combater vitoriosamente o egoísmo e a conduzir a caridade ao triunfo, é, naturalmente, o alvo das perseguições do egoísmo e do fanatismo, deste muitas vezes derivado. Lembrai-vos do que foi dito há muitos séculos: Muitos serão chamados, mas poucos, escolhidos.
Entretanto, o bem, que vem de Deus, sempre acabará por triunfar do mal, que procede dos homens.

III

Deus fez descerem à Terra a fé e a caridade para auxiliar os homens a sacudir a dupla tirania do pecado e da arbitrariedade; e não há dúvida que, com esses dois divinos motores, há muito tempo eles teriam atingido uma felicidade tão perfeita quanto o comporta a natureza humana e o estado físico do vosso globo, caso os homens não tivessem deixado a fé enlanguescer e os corações secarem. Por um momento, mesmo, acreditaram poder dispensá-la e salvar-se apenas pela caridade. Foi então que se viu nascer essa multidão de sistemas sociais, bons na intenção que os ditava, mas defeituosos e impraticáveis na forma. E por que são impraticáveis? Perguntareis; não se baseiam no desinteresse de cada um? Sim, sem dúvida; mas para se basear no desinteresse é preciso, primeiro, que exista o desinteresse. Ora, não basta decretá-lo, é preciso inspirá-lo.
Sem a fé que dá a certeza das compensações da vida futura, o desinteresse é um logro aos olhos do egoísta. Eis por que são instáveis os sistemas que repousam apenas sobre os interesses materiais, tanto é certo que o homem nada poderia construir de harmonioso e durável sem a fé, que não somente o dota de uma força moral superior a todas as forças físicas, como lhe abre a assistência do mundo espiritual e lhe permite beber na fonte da onipotência divina.

IV

Ainda mesmo quando cumprísseis tudo quanto vos foi ordenado, considerai-vos como servos inúteis. Estas palavras do Cristo vos ensinam a humildade como a primeira base da fé e uma das primeiras condições da caridade. Aquele que tem fé não esquece que Deus conhece todas as imperfeições; em consequência, jamais pensa em querer parecer melhor do que é aos olhos do próximo. O que tem humildade sempre acolhe com doçura as censuras que lhe fazem, por mais injustas que sejam, porquanto, sabei-o bem, a injustiça jamais irrita o justo. É pondo o dedo sobre alguma chaga envenenada de vossa alma que se faz subir ao vosso rosto o rubor da vergonha, índice certo de um orgulho mal disfarçado. O orgulho, meus filhos, é o maior obstáculo ao vosso aperfeiçoamento, porque não vos deixa aproveitar as lições que vos dão. É, pois, combatendo-o sem trégua e sem quartel que melhor trabalhareis o vosso adiantamento.

V

Se lançardes o olhar sobre o mundo que vos cerca, vereis que tudo é harmonia. A harmonia da vida material é o belo.
Entretanto, não é senão a parte menos nobre da Criação. A harmonia do mundo espiritual é o amor, emanação divina que enche os espaços e conduz a criatura ao seu Criador. Procurai, meus filhos, com ele encher os vossos corações. Tudo quanto pudésseis fazer de grande fora desta lei não vos seria levado em consideração. Só o amor, quando tiverdes assegurado o seu triunfo na Terra, fará vir a vós o reino de Deus prometido pelos apóstolos.



[1] Revista Espírita – Março/1861 – Allan Kardec

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