I
Meus caros filhos, vossa maneira
de compreender a vontade de Deus está errada, desde que tomais tudo o que
acontece como expressão dessa vontade. Certamente conhece Deus tudo o que foi,
que é e que será; sendo sempre a sua vontade a expressão do seu amor divino,
traz, ao realizar-se, a graça e a bênção, enquanto que, afastando-se dessa via
única, o homem atrai a si sofrimentos, que não passam de advertências.
Infelizmente, o homem de hoje, enceguecido pelo orgulho de seu espírito, ou afogado
no lamaçal das paixões, não as quer compreender.
Ora, meus filhos, sabeis que se
aproxima o tempo no qual começará o reinado da vontade de Deus na Terra; então,
infeliz daquele que ainda ousar opor-se, pois será quebrado como o caniço, ao
passo que aqueles que se tiverem emendado verão abrir-se para si os tesouros da
misericórdia infinita. Vedes por aí que se a vontade de Deus é a expressão de
seu amor e, por isso mesmo, imutável e eterna, todo ato de rebeldia contra essa
vontade, embora suportado pela incompreensível sabedoria, é apenas temporária e
passageira; antes que a expressão de sua vontade, representa uma prova da paciente
misericórdia de Deus.
II
Vejo com prazer, meus filhos,
que vossa fé não se arrefece, malgrado os ataques dos incrédulos. Se todos os
homens acolhessem essa manifestação extraordinária da bondade divina, essa nova
porta aberta ao vosso adiantamento com o mesmo zelo, a mesma perseverança e,
sobretudo, com a mesma pureza de intenção, teria sido uma prova evidente de que
o mundo não é assim tão mau, nem tão endurecido quanto parece, e – o que é inadmissível
– que a mão de Deus se tenha tornado injustamente pesada sobre a Humanidade.
Não vos admireis, pois, da
oposição que o Espiritismo encontra no mundo. Destinado a combater vitoriosamente
o egoísmo e a conduzir a caridade ao triunfo, é, naturalmente, o alvo das
perseguições do egoísmo e do fanatismo, deste muitas vezes derivado.
Lembrai-vos do que foi dito há muitos séculos: Muitos serão chamados, mas poucos, escolhidos.
Entretanto, o bem, que vem de
Deus, sempre acabará por triunfar do mal, que procede dos homens.
III
Deus fez descerem à Terra a fé e
a caridade para auxiliar os homens a sacudir a dupla tirania do pecado e da
arbitrariedade; e não há dúvida que, com esses dois divinos motores, há muito tempo
eles teriam atingido uma felicidade tão perfeita quanto o comporta a natureza
humana e o estado físico do vosso globo, caso os homens não tivessem deixado a
fé enlanguescer e os corações secarem. Por um momento, mesmo, acreditaram poder
dispensá-la e salvar-se apenas pela caridade. Foi então que se viu nascer essa multidão
de sistemas sociais, bons na intenção que os ditava, mas defeituosos e
impraticáveis na forma. E por que são impraticáveis? Perguntareis; não se
baseiam no desinteresse de cada um? Sim, sem dúvida; mas para se basear no
desinteresse é preciso, primeiro, que exista o desinteresse. Ora, não basta
decretá-lo, é preciso inspirá-lo.
Sem a fé que dá a certeza das
compensações da vida futura, o desinteresse é um logro aos olhos do egoísta.
Eis por que são instáveis os sistemas que repousam apenas sobre os interesses materiais,
tanto é certo que o homem nada poderia construir de harmonioso e durável sem a
fé, que não somente o dota de uma força moral superior a todas as forças
físicas, como lhe abre a assistência do mundo espiritual e lhe permite beber na
fonte da onipotência divina.
IV
Ainda mesmo quando cumprísseis tudo quanto vos foi ordenado,
considerai-vos como servos inúteis. Estas palavras do Cristo vos ensinam a
humildade como a primeira base da fé e uma das primeiras condições da caridade.
Aquele que tem fé não esquece que Deus conhece todas as imperfeições; em consequência,
jamais pensa em querer parecer melhor do que é aos olhos do próximo. O que tem
humildade sempre acolhe com doçura as censuras que lhe fazem, por mais injustas
que sejam, porquanto, sabei-o bem, a injustiça jamais irrita o justo. É pondo o
dedo sobre alguma chaga envenenada de vossa alma que se faz subir ao vosso
rosto o rubor da vergonha, índice certo de um orgulho mal disfarçado. O
orgulho, meus filhos, é o maior obstáculo ao vosso aperfeiçoamento, porque não
vos deixa aproveitar as lições que vos dão. É, pois, combatendo-o sem trégua e
sem quartel que melhor trabalhareis o vosso adiantamento.
V
Se lançardes o olhar sobre o
mundo que vos cerca, vereis que tudo é harmonia. A harmonia da vida material é
o belo.
Entretanto, não é senão a parte
menos nobre da Criação. A harmonia do mundo espiritual é o amor, emanação
divina que enche os espaços e conduz a criatura ao seu Criador. Procurai, meus
filhos, com ele encher os vossos corações. Tudo quanto pudésseis fazer de
grande fora desta lei não vos seria levado em consideração. Só o amor, quando
tiverdes assegurado o seu triunfo na Terra, fará vir a vós o reino de Deus
prometido pelos apóstolos.
[1]
Revista Espírita – Março/1861 – Allan Kardec
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