Irmão X
E, respondendo ao companheiro
que lhe havia solicitado a tradução do Sermão do Monte, em linguagem moderna, o
velhinho amigo deteve-se no capítulo cinco do Apóstolo Mateus, e falou, com voz
cheia e vibrante:
Bem-aventurados os pobres de ambições escuras, de sonhos vãos, de
projetos vazios e de ilusões desvairadas, que vivem construindo o bem com o
pouco que possuem, ajudando em silêncio, sem a mania da glorificação pessoal,
atentos à vontade do Senhor e distraídos das exigências da personalidade,
porque viverão sem novos débitos, no rumo do Céu que lhes abrirá as portas de
ouro, segundo os ditames sublimes da evolução.
Bem-aventurados os que sabem esperar e chorar, sem reclamação e sem
gritaria, suportando a maledicência e o sarcasmo, sem ódio, compreendendo nos
adversários e nas circunstâncias que os ferem abençoados aguilhões do socorro
divino, a impeli-los para diante, na jornada redentora, porque realmente serão
consolados.
Bem-aventurados os mansos, os delicados e os gentis que sabem viver sem
provocar antipatias e descontentamentos, mantendo os pontos de vista que lhes
são peculiares, conferindo, porém, ao próximo, o mesmo direito de pensar,
opinar e experimentar de que se sentem detentores, porque, respeitando cada
pessoa, cada coisa em seu lugar, tempo e condição, equilibram o corpo e a alma
no seio da harmonia, herdando longa permanência e valiosas lições na Terra.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, aguardando o
pronunciamento do Senhor, através dos acontecimentos inelutáveis da vida, sem
querelas nos tribunais e sem papelórios perturbadores que somente aprofundam as
chagas da aflição e aniquilam o tempo, trabalhando e aprendendo sempre com os
ensinamentos vivos do mundo, porque, efetivamente, um dia serão fartos.
Bem-aventurados os misericordiosos, que se compadecem dos justos e dos
injustos, dos ricos e dos pobres, dos bons e dos maus, entendendo que não
existem criaturas sem problemas, sempre dispostos à obra de auxílio fraterno a
todos, porque, no dia de visitação da luta e da dificuldade, receberão o apoio
e a colaboração de que necessitem.
Bem-aventurados os limpos de coração que projetam a claridade de seus
intentos puros sobre todas as situações e sobre todas as coisas, porque encontrarão
a "parte melhor" da vida, em todos os lugares, conseguindo penetrar a
grandeza dos propósitos divinos.
Bem-aventurados os pacificadores que toleram sem mágoa os pequenos
sacrifícios de cada dia, em favor da felicidade de todos, e que nunca atiram no
incêndio da discórdia a lenha da injúria ou da rebelião, porque serão
considerados filhos obedientes de Deus.
Bem-aventurados os que sofrem a perseguição ou a incompreensão, por
amor à solidariedade, à ordem, ao progresso e à paz, reconhecendo, acima da
epiderme sensível, os flagrados interesses da Humanidade, servindo sem cessar
ao engrandecimento do espírito comum, porque, assim, se habilitam à
transferência justa para as atividades do Plano Superior.
Bem-aventurados todos os que forem dilacerados e contundidos pela
mentira e pela calúnia, por amor ao ministério santificante do Cristo,
fustigados diariamente pela reação das trevas, mas agindo valorosos, com
paciência, firmeza e bondade pela vitória do Senhor, porque se candidatam,
desse modo, à coroa triunfante dos profetas celestiais e do próprio Mestre que não
encontrou, entre os homens, senão a cruz pesada, antes da gloriosa
ressurreição.
A essa altura, o iluminado
pregador passeou o olhar percuciente e límpido pelo nosso grupo e, finda
ligeira pausa, fixou nos lábios amplo e belo sorriso, rematando, serenamente:
Rejubilem-se, cada vez mais, quantos estiverem nessas condições,
porque, hoje e amanhã, são bem-aventurados na Terra e nos Céus...
Em seguida, retomou o passo leve
para frente, deixando-nos na estranha quietude e na indagação oculta de quem se
dispõe a pensar.
[1] Cartas e Crônico
– Francisco C. Xavier
Nenhum comentário:
Postar um comentário