Relato do visconde Saul de
Vitray-Ségur:
Estas as manifestações que se verificaram em Buenos Aires, no ano de
1891.
Reuníamo-nos quatro pessoas para interrogar a mesa mediúnica, coisa por
nós considerada como passatempo.
As sessões eram feitas em um vasto aposento fracamente iluminado pela
luz exterior, o que determinava uma obscuridade relativa e permitia o controle
de nossos movimentos.
No decurso de uma dessas sessões aconteceu pousar, em cima da mesa, um
grande punhado de “violetas de Parma”, com flores e hastes entrecruzadas. Podia
pesar bem um quilo.
Perguntamos ao espírito que manejava a mesa qual a origem de semelhante
presente, em pleno inverno, e nos foi respondido que as violetas tinham vindo
de Mar del Plata, lugar de veraneio dos habitantes de Buenos Aires, sito a mais
de 250 quilômetros de distância da Capital.
Diante de nosso espanto, o espírito, pela mesa, acrescentou: “Para
fazer as flores penetrarem na sala, decompus-lhes a matéria para depois
reconstituí-la”. Tal explicação aumentou o nosso interesse, em vista do que lhe
pedimos: “Trazei-nos uma nota de banco.” Transcorrido breve instante, um golpe
surdo nos avisou que o fenômeno já fora produzido.
Encontramos de fato, em cima da mesa, uma cédula novíssima, de cinco
centavos, divisão mínima da moeda da época.
Já era um belo resultado, mas nós pedimos logo: “Trazei-nos uma nota de
1000 piastras”. A tal pedido, pela mesa, ele respondeu: “Não posso fazê-lo,
pois seria um furto. Trouxe-lhes uma nota de cinco centavos, que tirei da
caixa-forte de um banco, porque considero insignificante o prejuízo causado,
mas, para uma soma importante, não posso operar.
Animados pelos resultados obtidos, continuamos a interessar-nos pelo
brinquedo e, a pedido, os mais diversos objetos existentes na sala levantaram voo
e vieram pousar em cima de nossa mesinha. Quando o leve ruído produzido pelo objeto
transportado nos avisava que o fenômeno estava se realizando, acendia-se um
fósforo e encontrávamos o prodígio. A pedido nosso, os mesmos objetos,
consistentes em ninharias de todas as espécies e chaves das fechaduras, voltaram
a tomar os seus respectivas lugares.
Acontecia algumas vezes que, aos nossos pedidos demasiadamente exigentes,
não dava resposta durante várias horas, mas a longa espera não nos cansava e
prosseguíamos em nosso interessante passatempo.
Em uma dessas sessões, que já durava três horas e havia se prolongado
até às 11 horas da noite, o espírito que operava pela mesa, evidentemente
aborrecido com a nossa insistência, nos ordenou: “Tratem de cear e depois
voltem aqui”.
Levantamo-nos a rir e a gracejar e nos dirigimos para a sala de jantar,
situada no fundo de uma fileira de quartos dos quais o primeiro era o nosso dormitório
e servia, ao mesmo tempo, de sala das sessões. Ali se achava adormecido o nosso
filhinho em sua caminha de ferro, cercada de uma grade alta. O nosso pequeno
Paulo, que a guerra de 1914 iria arrebatar-nos para sempre, tinha então nove
meses e ainda não andava.
Para melhor compreensão do que se segue, adianto que havíamos
licenciado a ama e que no apartamento não dormiam criados. Nós quatro, os
evocadores do espírito, éramos, com o menino, as únicas pessoas presentes.
Terminada a ceia, apanhei um lampião a petróleo e, precedendo os
demais, dirigi-me para a sala das sessões, na qual, como disse, havíamos
deixado adormecido o nosso filhinho, quando, inesperadamente, divisei, no
quarto contíguo, acocorado perto de uma cadeira, no meio do quarto, o nosso
pequeno Paulo, com os olhos fechados, choramingando de sono.
Tal espetáculo inaudito arrancou de todos nós expressões de horror,
principalmente pelo fato de ter o menino sido transportado, para aquele ponto,
por uma força “desconhecida”.
Esse acontecimento, imprevisto, foi causa de desistirmos, para sempre,
de nossas experiências.
Visconde Saul de Vitray-Ségur
Esta interessantíssima relação me
foi enviada pelo prof. Charles Richet.
O transporte do menino, de um
quarto para outro, indubitavelmente que é importante, mas, do ponto de vista teórico,
tal importância é bem inferior à que está implícita no fenômeno de transporte
de uma nota de banco de ínfimo valor, combinado com a resposta obtida pelos
experimentadores quando pediram o transporte de uma cédula de grande valor.
E a importância do incidente em
apreço está em relação direta com as minhas considerações precedentes sobre o
fato de que as personalidades mediúnicas, que atendem aos experimentadores quando
estes pedem um cartão de visita, não o fazem quando solicitam uma cédula
bancária ou outros objetos de valor, considerações fundadas inabalavelmente em
resultados obtidos durante oitenta anos de experiências no mundo inteiro, mas
que tiveram sempre a má sorte de não satisfazerem plenamente a alguns críticos
sofísticos, segundo os quais as considerações expostas não eram confirmadas,
por exemplo, em que fosse praticamente demonstrada a capacidade das
personalidades mediúnicas de transportar, a pedido, uma nota de banco.
E eis que se verificou o
fenômeno pedido, sem com tal contradizer, de modo algum, as minhas conclusões,
ou melhor, confirmando-as, ao contrário, admiravelmente, com a resposta fornecida
pelo espírito aos experimentadores, que pediram o transporte de uma segunda
cédula, mas de mil piastras. O espírito, de fato, respondeu: “Não peso fazê-lo,
pois seria um furto. Trouxe uma nota de cinco centavos, que tirei da
caixa-forte de um banco, porque considero insignificante o prejuízo causado, mas,
para uma soma importante, não posso operar”.
Nestas últimas palavras acha-se
uma asserção muito sugestiva e também concordante com o que expressei nas
minhas conclusões. Por que então não podia ele operar quando se tratava de uma
cédula de grande valor? Quem lhe impedia? Não está claro que tais palavras
confirmam exatamente as afirmativas de tantas outras personalidades mediúnicas
que asseguram que “entidades superiores” lhes proíbem fazê-lo? E não somos
forçados a reconhecer, em homenagem à lógica, que, se os fenômenos de
transporte se verificassem apenas graças às faculdades supranormais
subconscientes, os desejos combinados dos médiuns e dos assistentes não teriam,
como consequência, pôr-lhes aos pés os tesouros dos cofres alheios?
Acrescento que, no modo de
proceder das personalidades mediúnicas, nota-se outra particularidade mais do
que nunca eloquente no sentido espiritualista e é de que as mesmas
personalidades se recusam, outrossim, a transportar objetos de valores diversos
não pertencentes a ninguém, informando-lhes que lhes é proibido fazê-lo porque
não devem prestar-se a satisfazer a baixa avidez de lucro. Como esclarecer-se,
pela hipótese do subconsciente, esse escrúpulo, quase exagerado, das
personalidades mediúnicas na observação de regras austeras de uma perfeita
moralidade?
Pretender-se-ia talvez que essas
admiráveis aplicações de ética evangélica sejam sempre herança comum de todas
as personalidades subconscientes? Respondo que nunca poderia entender que, na
subconsciência de um ladrão arrombador de cofres, haja uma personalidade tão
pura e ilibada que lhe recuse a posse de valores que a ninguém pertenciam. Mas
há outra coisa a salientar a tal propósito, pois ao refletir que os
metapsiquistas materialistas consideram as personalidades mediúnicas como “criações
efêmeras do pensamento coletivo”, então parece mais do que nunca enorme o
absurdo de atribuir a personalidades fictícias de tal natureza princípios
morais sublimes em aberto contraste com a vontade coletiva geradora dessas
personalidades.
E mesmo que se quisesse refugiar
na outra hipótese propugnada pelos referidos metapsiquistas materialistas,
segundo a qual as personalidades mediúnicas seriam manifestações proteiformes
da “personalidade integral subconsciente” dos médiuns, personalidade provida de
faculdades supranormais capazes de produzir os fenômenos de transporte,
teríamos sempre que indagar por que uma personalidade integral subconsciente,
destinada a extinguir com a morte do corpo, deveria mostrar-se tão evangélica,
moralmente tão austera, tão indiferente ao bem-estar da parte consciente de si
mesma, desde que esta última, como a primeira, está destinada a extinguir com a
morte do corpo. Os romanos da decadência eram infinitamente mais lógicos quando
exclamavam: “Embriaguemo-nos com vinho e amor, saboreemos os gozos da riqueza,
pois a vida é breve e tudo termina com a morte”.
Mesmo que se quisesse abrir mão
da única hipótese logicamente sustentável, aceitando a sobrevivência (e,
portanto, a espiritualidade) da personalidade subconsciente para daí atribuir-lhe
a produção dos fenômenos de transporte, em tal caso seria mais verossímil
supô-la dotada de uma elevação moral excepcional, mas ficaria sempre por
resolver uma questão literalmente inconciliável com a ética imaculada com que
se quereria gratificá-la e é que não se saberia explicar como tal personalidade
integral subconsciente poderia mentir constantemente, insulsamente, infamemente
camuflando a si mesmo com as vestes de uma sucessão de espíritos desencarnados,
vinculados afetivamente aos presentes. Nem poderia evitar-se a dificuldade,
observando que tal suceda por efeito de sugestão e autossugestão, já que neste
caso não se trataria mais de “personalidade integral subconsciente” do médium,
mas sim de uma personalidade sonambúlica efêmera (tem-se notado, efetivamente,
que a “personalidade integral subconsciente” emerge apenas nos estados profundos
da hipnose e não é sugestionável). Achando-se as coisas nestes termos, segue-se
que não se poderia gratificar uma “personalidade sonambúlica” extremamente
sugestionável, privada de vontade, destinada a viver uma hora para depois diluir-se
no nada, com o atributo sublime de uma moralidade perfeita.
Convenhamos: tudo concorre para
demonstrar que não se poderia cogitar de uma prova mais eficaz do que esta aqui
considerada para provar a intervenção de entidades espirituais na realização dos
fenômenos de transporte.
Repito, portanto, meu desafio:
Quem for de parecer contrário queira expor publicamente as suas razões e eu
replicarei.
[1] Fenômenos de
Transporte – Ernesto Bozzano
Nenhum comentário:
Postar um comentário