sábado, 7 de outubro de 2017

A Crise da Morte – Sensações relatadas no processo de Desencarne[1]

 

Tomo-o à revista Light (1927, pág. 230). O diretor dessa revista, Sr. David Gow, precedeu a narrativa deste caso de uma breve nota, donde extraio os períodos seguintes:
Os trechos, que se vão ler, de mensagens mediúnicas, foram tirados de um longo relatório que nos enviou um ministro anglicano da Nova Escócia. O Espírito comunicante foi, ao que parece, conhecida personagem americana, que ocupou, quando na Terra, alto cargo municipal. O médium, de cujo nome se nos deu conhecimento, é uma senhora distinta, muito conhecida, igualmente, pela elevação de seu caráter e pela excelência de suas faculdades mediúnicas.
O Espírito começou assim:
Desejo principiar a minha narrativa, do dia em que deixei o corpo material no meu quarto de Blankville. Via quão grande era a dor que despedaçava a alma de meus filhos e muito me afligia o achar-me impossibilitado de lhes dirigir a palavra.
De súbito, verifiquei que em mim uma mudança se operava, que eu não compreendia bem. Fui presa de estranha sensação que, conquanto inteiramente nova para mim, era um tanto análogo à que uma pessoa experimenta quando desperta repentinamente de profundo sono. No primeiro momento, nada compreendi, dada a situação em que me encontrava. Pouco a pouco, porém, fui percebendo o meio que me cercava, como sucede ai quando a gente desperta do sono. Vi-me estendido, calmo e imóvel, no meu leito, circunstância que me encheu de espanto, longe que estava de supor que morrera. Após algum tempo, cada vez mais desperto, percebi que minha defunta mulher se achava ao meu lado, a me sorrir, com uma expressão radiante de ventura. Esse nosso encontro se dava depois de longa separação.
Foi ela quem me comunicou a terrificante noticia de que eu estava morto e me encontrava também no meio espiritual. Disse-me que, desde muitos dias, velava à cabeceira do meu leito, aguardando o momento de acolher o meu Espírito e de o conduzir à morada celeste.
Sentia-me de mais em mais revigorado por uma vitalidade nova, como se todas as minhas faculdades entrassem num período de atividade grande, após o prolongado torpor em que me achara... Era a sensação de uma beatitude difícil de descrever-se. . . Afigurava-se-me que me tornara parte integrante do meio que me rodeava. Minha mulher me tomou então pelas mãos e, assim unidos, nos elevamos através do teto do quarto, subindo para o alto, sempre mais alto, pelo espaço a fora. Entretanto, se bem que me houvesse afastado muito do meio terrestre, continuava a ter conhecimento do que ocorria em minha casa. Via minha filha acabrunhada de dor. Esse estado da alma parecia deslizar como uma nuvem escura, entre ela e mim; insinuava-se no meu ser, produzindo nele um sentimento penoso de torpor. Desejo saiba as crises excessivas de dor, junto dos leitos mortuários, constituem imensa barreira interposta entre os vivos, que delas se deixam tomar, e o Espírito do defunto por quem eles choram. Trata-se de uma barreira real e intransponível, que não nos permite entrar em comunicação com os que se desesperam pela nossa morte. Mais ainda: as exageradas crises de dor retêm presos ao meio terrestre os Espíritos desencarnados, retardando-lhes a entrada no mundo espiritual.[2]
De fato, se é certo que, com a morte, cessam necessariamente todas as relações entre os Espíritos desencarnados e o organismo físico dos vivos, em compensação os Espíritos dos defuntos se tornam extremamente sensíveis às vibrações dos pensamentos das pessoas que lhes são caras. Concito, pois, os vivos que percam alguns de seus parentes - qualquer que possa ser a importância da perda e da dor correspondente - a que, a todo custo, se mostrem fortes, abafando toda manifestação de mágoa e apresentando-se de aspecto calmo nos funerais. Comportando-se assim, determinarão considerável melhoria na atmosfera que os cerca, porquanto a aparência de serenidade nos corações e nos semblantes das pessoas que nos são caras emite vibrações luminosas que nos atraem, como, à noite, a luz atrai a borboleta. Por outro lado, a mágoa dá lugar a vibrações sombrias e prejudiciais a nós outros, vibrações que tomam o aspecto de tenebrosa nuvem a envolver aqueles a quem amamos. Não duvideis de que somos muito sensíveis às impressões vibratórias que nos chegam, por efeito da dor dos que nos são caros. Nossos corpos etéreos estão, efetivamente, sintonizados por uma escala vibratória muito alta, que nada tem de comum com a escala vibratória dos corpos carnais...
Aqui não se usa da palavra para conversar. Percebemos os pensamentos nos olhos daquele que conversa conosco. O nosso interlocutor, a seu turno, percebe em nossos olhos os pensamentos que nos acodem. Deste modo, percebemos integral e perfeitamente a significação dos discursos dos outros, o que se não pode realizar na Terra...
Logo que cheguei ao meio espiritual, tive a sensação de estar em minha casa. Parentes, amigos, conhecidos vieram todos me receber; todos se congratulavam comigo, por haver, afinal, chegado ao porto. Era, pois, natural que fizessem nascer em mim à impressão de estar em minha casa. Para me adaptar ao novo meio, menos tempo me foi preciso, do que me seria na Terra, para me adaptar a uma mudança de residência...
Aqui, todos podem obter facilmente os objetos que desejamos: não temos mais do que pensar neles, para que os criemos. Nessas condições, compreende-se que ninguém pode desobedecer ao mandamento de Deus: Não desejareis o que pertença ao vosso próximo. Nada aqui se compra com dinheiro; coisa alguma pode haver que tenha valor, senão para aquele que a criou, destinada a seu uso pessoal, por necessitar dela. Cada um se acha em condições de conseguir para si, se o quiser, tudo o que seu vizinho possua.
Bem entendido, talo apenas de objetos materiais de toda espécie. Digo materiais, para me fazer compreendido, pois que semelhante qualificativo não se adapta às criações etéreas...
Como se vê, nestas passagens da narrativa que a Light publicou, encontram-se as habituais concordâncias, a propósito de o defunto perceber o seu próprio cadáver no leito de morte; de não saber que morrera; de ver-se com a forma humana; de ser acolhido por sua mulher defunta e por grande número de outros Espíritos, que ele conhecera e estimara quando vivo.
Acrescenta que, no mundo espiritual, os Espíritos conversam por meio da transmissão do pensamento e que este é uma força criadora, a cujo favor cada um pode conseguir o de que precise.
Falta, no entanto, qualquer alusão à frase do sono reparador, por que passa os Espíritos, pouco tempo depois da morte.
Tampouco se alude alia outro fato, tão frequente nas mensagens com que aqui nos ocupamos, o da visão panorâmica, que tem o morto, de todos os acontecimentos de sua vida. Noto-o apenas incidentemente, porquanto, do ponto de vista teórico, a omissão nenhuma importância apresenta.
Primeiramente, os defuntos que se manifestam não estão forçosamente obrigados a dar uma descrição completa das circunstâncias em que se encontram no momento da morte. Depois, ninguém afirma que os Espíritos devam todos passar pelas mesmas experiências. Finalmente, a publicação da Light não é mais do que uma reprodução fragmentária das mensagens do Espírito que se comunicou; a diretor da revista em questão fez mesmo saber a seus leitores que, por motivo de carência de espaço, suprimira a maior parte das informações, já muito conhecidas dos espíritas. E, portanto, provável que entre as informações suprimidas se achem as de que acabamos de falar.
Outro ponto interessante da mensagem que se vem de ler é o em que o Espírito diz que a dor exagerada dos vivos, junto dos feitos mortuários de Pessoas que lhes eram caras, constitui obstáculo intransponível, que impede o morto de entrar em relações psíquicas com os seus, acrescentando que, por outro lado, o estado da alma dos vivos exerce influência deplorável sobre as condições espirituais em que se encontra o Espírito recém-desencarnado. Estas afirmações adquirem importância pelo fato de que muitos outros Espíritos têm afirmado exatamente a mesma coisa. Somos deste modo levados a refletir seriamente sobre a advertência que nos chega de além-túmulo, sobretudo se considerarmos que as afirmações desses Espíritos são perfeitamente acordes com as conclusões dos sábios, segundo as quais tudo o que existe e se manifesta no universo físico e psíquico pode reduzir-se, em última análise, a um fenômeno de vibrações. Sendo assim, ter-se-á que convir em que é muito verossímil, inevitável mesmo, que as vibrações inerentes a um estado da alma de grande dor sejam penosas para um Espírito que há pouco se libertou do corpo carnal e o impeçam de entrar em relação psíquica com os seus, retendo-o no meio terrestre, enquanto essas vibrações persistirem.




[1] A Crise da Morte – Ernesto Bozzano
 

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