Buda considerou a vida como uma
forma de sofrimento e que a sua finalidade era, exclusivamente, encontrar a
maneira de libertar-se dele. Para o budismo, a vida é constituída de misérias
que geram o sofrimento; por sua vez, o sofrimento é causado pelos desejos
insatisfeitos ou pelas emoções perturbadoras e (o sofrimento) deixará de
existir se forem eliminados os desejos, sendo necessário, para tanto, uma
conduta moderada, e a entrega à meditação em torno das aspirações elevadas do
ser.
A fim de transmitir
adequadamente suas lições, o príncipe Gautama utilizou-se de parábolas,
conforme fez Jesus mais tarde.
O fundamento essencial dos seus
ensinos se encontra na Lei do carma, graças à qual o homem é o construtor de
sua desdita ou felicidade, mediante o comportamento adotado no período da sua
existência corporal. Em uma etapa, a aprendizagem equipa-o para a próxima,
sendo que a soma das experiências e ações positivas anula aquelas que lhe
constituem débito propiciador de sofrimento.
O sofrimento se apresenta, na
criatura humana, como uma enfermidade, que necessita de tratamento conveniente,
em que se invistam todos os valores ao alcance, pela primazia de lograr-se o
bem estar e o equilíbrio fisiopsíquico.
Deste modo, o sofrimento pode decorrer
do desgosto orgânico ou mental que é um processo degenerativo do instrumento
material do homem. As doenças campeiam, e a receptividade daqueles que se
encontram incursos nos códigos da Justiça Divina sofrem-nas, mediante as
coarctações (restrições) danosas dos mecanismos genéticos, ou por contaminação
posterior, escassez alimentar, traumatismos físicos e psicológicos, num
emaranhado de causas próximas, decorrentes dos compromissos negativos do
passado mais remoto.
Noutro caso, o sofrimento
resulta da transitoriedade da própria vida física e da fragilidade de todos os
bens que proporcionam prazer por um momento, convertendo-se em razão de
preocupação, de arrependimento, de amargura.
A busca do prazer é inata,
instintiva, e o homem se lhe aferra na condição de meta prioritária.
Não raro, ao consegui-lo, frui
da satisfação momentânea e, por insatisfação psicológica, propõe-se a prolonga-lo
indefinidamente, sofrendo ante a impossibilidade de mantê-lo, pelas alterações
naturais que se derivam da impermanência de tudo, pela saturação e, finalmente,
pela perda de objetivo após conseguido o anelo (anseio, aspiração).
Por fim, surge o sofrimento dos
condicionamentos de ordem física e mental.
Os hábitos arraigados constituem
uma segunda natureza, com prevalência na conduta psicológica do homem. As
alterações e transformações produzem sofrimento, pela necessidade de
ajustamento, pelo esforço da adaptação, e os altibaixos da emoção que tende a
reagir às mudanças que se devem operar na conduta.
Encontrado o sofrimento, o homem
tem o dever de identificar as suas causas, que procedem dos atos degenerativos
próximos ou remotos, referentes às suas reencarnações. Ao lado daqueles que
ressumam (gotejam) das dívidas cármicas, estão os decorrentes das suas emoções
desequilibradas, que têm nascentes no egoísmo, no apego, na imaturidade
psicológica. Dentre outros, apresentam-se em plano de destaque, o medo, o
ciúme, a ira, que explodem facilmente engendrando sofrimento.
Chega o momento de buscar-se a
cessação deles, qual ocorre com as enfermidades que devem ser tratadas com
carinho, porém com disciplina. De um lado, é imprescindível ir-se às causas, a
fim de fazê-las parar, ao mesmo tempo evitar novos fatores desencadeantes.
Conhecidas as origens, mais fáceis se tornam as terapias que, aplicadas
convenientemente, resultam favoráveis ao clima de saúde e de bem estar.
O esforço empreendido para o
término do sofrimento, apresenta-se em etapas que se vão incorporando ao dia-a-dia
do indivíduo cioso da sua necessidade de paz.
Impões-lhe o trabalho de
condicionar a mente à necessidade da harmonia, recorrendo à meditação em torno
das finalidades altruísticas da vida, disciplinando a vontade, exercitando a tranquilidade
diante dos acontecimentos que não podem ser evitados, das ocorrências
denominadas tragédias, das quais pode retirar excelentes resultados para o
comportamento e a auto realização.
O processo da cessação do sofrimento
dá-se, ainda, através do sofrimento que propicia satisfação pela certeza que
advém de se estar liberando da sua áspera constrição.
Enfrentar, portanto, o
sofrimento, sem válvulas psicológicas escapistas, é uma atitude saudável, muito
distante da distonia masoquista habitual. Também resulta de uma disposição
consciente para o homem enfrentar-se desnudado, com uma visão otimista em torno
do futuro por conquistar.
Realmente, o sofrimento faz
parte do mecanismo da evolução na Terra. Nos reinos vegetal e animal ele se
encontra na embrionária percepção das plantas, que sofrem as agressões e
hostilidades do meio, as contaminações e processos degenerativos. Entre os
animais, desde os menos expressivos até os mais avançados biologicamente, o
sofrimento se manifesta na sensibilidade nervosa, como forma de produzir novos
e mais perfeitos biótipos, em constante adaptação e harmonia das formas do
psiquismo neles latente.
A superação do sofrimento é, sem
dúvida, o grave desafio da existência humana, que a todos cumpre conseguir.
Recursos para a
liberação dos sofrimentos
A coragem é fator decisivo para
o bem do indivíduo na sua historiografia psicológica. Para hauri-la, basta o
interesse consciente e duradouro em favor da aquisição da felicidade, que se
deve tornar a meta essencial da sua existência.
Inexistente esta necessidade
tampouco há sofrimento, porque, a ausência das aspirações nobres resulta da
morte dos ideais, provocada pela indiferença da vida, em uma psicopatologia
grave.
O sofrimento, em si mesmo, é
fonte motivadora para as lutas de crescimento emocional e amadurecimento da
personalidade, que passa a compreender a existência de maneira menos sonhadora
e mais condizente com a sua realidade.
Os jogos e ilusões da idade
infantil, superados, dão ensejo a uma integração consciente do indivíduo no
grupo social no qual se encontra, fomentando o esforço pelo bem dos demais, por
saber-se membro valioso e entender, por experiência pessoal, os gravames que a
dor proporciona. Inobstante esta experiência lúcida, sabe que o esforço a
envidar para liberar-se dos sofrimentos é, por sua vez, conquista da inteligência
e do sentimento postos a serviço da sua realização pessoal e comunitária.
Na maior parte dos métodos, a
vontade do paciente prevalece como fator de alta importância.
Excetuando-se os referidos
sofrimentos por sofrimentos, e mesmo em grande parte deles, a reflexão bem
direcionada gera uma psicosfera de paz, renovadora, que o envolve e alimenta,
levando à liberação deles.
Relacionemos algumas fases da
terapia liberativa:
a) Considerar todos os
indivíduos como dignos de ser amados e tomar por modelo alguém que o ama e se
lhe dedica, por isto mesmo, credor de receber todo o afeto. Este sentimento,
sem apego nem interesse gerador de emoções perturbadoras, desarma o indivíduo
de suspeitas, de ansiedades e medos, ao mesmo tempo dirimindo as incompreensões
de outrem e desarticulando quaisquer planos infelizes.
Uma visão favorável sobre
alguém dilui as nuvens densas que lhe obscurecem a personalidade, facultando um
relacionamento positivo. A não reação à agressividade do outro desmantem-lhe a
couraça de prepotência, na qual se oculta. Se a resposta é otimista e sem
azedume, conquista-o para um intercâmbio útil, ampliando-lhe o círculo de
expressões afetivas. Logo, este sentimento contribui para anular os efeitos do
sofrimento moral e dissipar algumas, senão todas as suas causas perturbadoras.
O ato de ver bem as demais pessoas, torna-se um hábito terapêutico preventivo,
em relação às agressões do meio ambiente, dos companheiros, constituindo um encorajamento
para a luta libertadora. O cultivo, a expansão de ideias e conceitos edificantes
apagam o incêndio ateado pelo pessimismo da maledicência, da inveja, da
calúnia, tornando respirável a atmosfera social do grupo onde o homem se localiza.
b) Identificar e estimular
os traços de bondade do caráter alheio. Não há solo, por mais sáfaro (agreste),
que, tratado, não permita o vicejar de plantas. Em todo sentimento existem
terras férteis para a bondade, mesmo quando cobertas por caliça e pedregulhos.
Um trabalho, breve que seja, afastando o impedimento, e logo esplendem os
recursos próprios para a sementeira da esperança. Os indivíduos que se
notabilizavam pela maldade na vida privada e no seu círculo social, revelavam-se
bondosos e gentis tornando-se amados pela família e pelo grupo, mesmo conhecendo-lhes
as atrocidades em que eram exímios. A maldade sistemática, a impiedade, o
temperamento hostil revelam as personalidades psicopatas que, antes, necessitam
de ajuda, ao invés de reproche (censura). A bondade, neles latente, aguarda o momento
de manifestar-se e predominar, mudando-lhes o comportamento. Com tal atitude, a
de identificar a bondade, torna-se possível a superação do sofrimento, como
quer que se apresente, especialmente o que tem procedência moral.
c) Aplicar a compaixão
quando agredido. Uma reação de pesar, ante o ato infeliz, produz um efeito
positivo no agressor. Proporciona o equilíbrio à vítima, que não desce à faixa
vibratória violenta em que o outro se demora. Impede a sintonia com a cólera e
seus famanazes (influências), impossibilitando a instalação de enfermidades nervosas
e distúrbios gastrointestinais e outros, face a não absorção de energias deletérias.
A compaixão dinâmica, aquela que vai além da piedade buscando ajudar o
infrator, expressa bondade e se enriquece de paixão participativa, que levanta
o caído, embora seja ele o perturbador. Essa conduta impede que se instale o sofrimento
na criatura.
d) O amor deve ser uma
constante na existência do homem. Há em tudo e em todos os seres a presença do
Amor. Em um lugar revela-se como ordem, noutro beleza e, sucessivamente,
harmonia, renovação, progresso, vida, convocando à reflexão. O amor é o antídoto
mais eficaz contra quaisquer males. Age nas causas e altera as manifestações,
mudando a estrutura dos conteúdos negativos quando estes se exteriorizam.
Revela-se no instinto e predomina durante o período da razão, responsabilizando-se
pela plenificação da criatura. O amor instaura a paz e irradia a confiança,
promove a não violência e estabelece a fraternidade que une e solidariza os
homens, uns com os outros, anulando as distância e as suspeitas. É o mais poderoso
vínculo com a Causa Geradora da Vida. É o motor que conduz à ação bondosa,
desdobrando o sentimento de generosidade, ao mesmo tempo estimulando à
paciência. Graças à sua ação, a pessoa doa, realizando o gesto de generosa
oferta de coisas, até o momento em que é levado à autodoação, ao sacrifício com
naturalidade.
O amor é o rio onde se
afogam os sofrimentos, pela impossibilidade de sobrenadarem nas fortes
correntezas dos seus impulsos benéficos. Sem ele a vida perderia o sentido, a
significação. Puro, expressa, ao lado da sabedoria, a mais relevante conquista
humana.
[1] O Homem
Integral – Divaldo P. Franco
Nenhum comentário:
Postar um comentário