quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O avanço genético que pode possibilitar transplante de órgãos de porcos em humanos[1]



James Gallagher - Repórter de Ciência e Saúde, BBC News - 11 agosto 2017


Eles são os animais mais geneticamente modificados que existem. E foram criados para ajudar a acabar com a falta de órgãos para transplante.

Um grupo de cientistas conseguiu eliminar com sucesso nos Estados Unidos um vírus presente no DNA de 37 porcos, superando um dos maiores obstáculos à doação de órgãos do animal para seres humanos.

A eGenesis, empresa de biotecnologia americana, admite que evitar que os órgãos de suínos sejam rejeitados pelo corpo humano continua sendo um grande desafio.

Mas, segundo os especialistas, esse foi um primeiro passo promissor e animador.

O estudo, publicado na revista científica Science, começou com a análise de células da pele dos porcos.

Os pesquisadores identificaram a presença de 25 retrovírus endógenos de porco (Perv, em inglês) no código genético do animal.

Experimentos mostraram que esses vírus poderiam escapar para infectar os tecidos humanos. Os cientistas usaram então a tecnologia Crispr[2] de edição de genes para eliminá-los.

Na sequência, aplicaram a técnica de clonagem, a mesma usada para criar a ovelha Dolly, para colocar o material genético dessas células em um óvulo de porco e criar embriões.

O processo complexo é insuficiente, mas 37 leitões saudáveis ​​nasceram.

"Estes são os primeiros porcos Perv-free (sem Perv)", afirmou à BBC Luhan Yang, cofundadora e diretora científica da eGenesis e pesquisadora da Universidade de Harvard.

Eles também são "(os animais) mais geneticamente modificados em termos de número de alterações", acrescentou.

Longas filas

Se o xenotransplante - transplante de órgãos entre diferentes espécies - funcionar, tem potencial para diminuir as longas filas de espera por um transplante.

Mais de 100 mil pessoas precisam de transplante de órgãos nos EUA. No Reino Unido, cerca de 6,5 mil estão na lista de espera. E, no Brasil, mais de 34 mil pessoas aguardam por um transplante, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos.

"Admitimos que ainda estamos nos estágios iniciais de pesquisa e desenvolvimento", disse Yang.

"Sabemos que temos uma visão audaciosa de um mundo sem escassez de órgãos, o que é muito desafiador, mas essa também é a nossa motivação para mover montanhas", completou.

Os porcos são particularmente promissores para o xenotransplante, pois seus órgãos são de tamanho similar aos dos seres humanos, e os animais podem ser criados em grande quantidade.

Mas remover os vírus é apenas metade do desafio. Até mesmo os órgãos doados por outras pessoas podem causar uma forte reação imune que leva à rejeição do transplante.

Os pesquisadores estão investigando novas modificações genéticas para tornar os órgãos de porcos mais compatíveis com o sistema imunológico humano.

Primeiro passo

Para Darren Griffin, professor de genética da Universidade de Kent, a descoberta representa um "passo significativo" para tornar o xenotransplante uma realidade.

"No entanto, há muitas variáveis, incluindo questões éticas, para serem resolvidas antes que o xenotransplante possa acontecer", alerta.

O professor Ian McConnell, da Universidade de Cambridge, também reconhece o caráter promissor.

"Esse trabalho fornece um primeiro passo promissor no desenvolvimento de estratégias genéticas para a criação de uma raça de porcos em que o risco de transmissão de retrovírus seja eliminado", diz.

"Resta saber se esses resultados podem ser traduzidos em uma estratégia totalmente segura para o transplante de órgãos", observa.
 
Desafios superados

Os pesquisadores tiveram que superar desafios inesperados para realizar a edição de tantos genes de uma vez só.

A tecnologia Crispr funciona como uma combinação de um sistema de navegação por satélite e um par de tesouras. O navegador encontra o lugar certo no código genético, enquanto as tesouras executam o corte.

Mas fazer 25 cortes ao longo do genoma do porco levou à instabilidade do DNA e à perda de informações genéticas.
 


[2] A CRISPR é uma nova ferramenta de edição de genoma que pode transformar esse campo da biologia –  em um recente estudo feito em embriões humanos geneticamente modificados pode ajudar a transformar essa promessa em realidade. Mas cientistas querem mexer com genoma há décadas.
O CRISPR permite que cientistas modifiquem genomas com uma precisão nunca antes atingida, além de eficiência e flexibilidade. Os últimos anos foram cheios de conquistas para a CRISPR, que criou macacos com mutações programadas e também evitou a infecção do HIV em células humanas. No começo de Maio/2015, cientistas chineses anunciaram que aplicaram a técnica em embriões humanos, o que dá uma dica dos potenciais da CRISPR para curar qualquer doença genética. E sim, isso pode nos levar à era do design de bebês (no entanto, como os resultados desse estudo nos mostram, ainda estamos longe de conseguir levar essa tecnologia para a medicina). [fonte: http://gizmodo.uol.com.br/tudo-o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-crispr-nova-ferramenta-de-edicao-de-dna/ ]

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