Laís Modelli - De São Paulo
para a BBC Brasil - 9 setembro 2017
Quanto menos bens, mais tempo,
mais espaço e mais experiências, defendem os minimalistas.
O minimalismo apareceu na vida
da comunicadora social Fernanda Marinho, 36 anos, para resolver um problema: em
2012, ela precisou voltar a morar com a mãe e, por questão de espaço, teve de
se desfazer de muitas coisas que havia comprado ou ganhado nos dez anos em que
morou fora.
"Eu precisava acomodar
todos os meus objetos em um quarto bem pequeno", conta.
Com a mudança, a comunicadora
percebeu que, mesmo que não fosse uma pessoa de comprar em grande quantidade,
guardava muita coisa e por muito tempo.
"Eu não sabia que tinha
acumulado tanto porque todas as minhas coisas ficavam espalhadas em um espaço
maior, dentro de vários armários e gavetas que eu nunca via".
Foi aí que Fernanda começou a
pesquisar sobre o minimalismo como estilo de vida.
"Meu maior choque foi me
dar conta que não sabia as coisas que eu tinha exatamente".
Maquiagens vencidas, bijuterias
que não usava mais porque tem alergia, jogos de tabuleiro faltando peças,
roupas de pelo menos dez anos atrás e que não serviam mais. No
"estoque", a moça encontrou coisas até que emprestou de outras
pessoas há anos e nunca devolveu.
"Comecei um longo processo
de avaliar cada coisa que tinha, doando e jogando fora, aos poucos, as que não
tinham mais utilidade para mim. Assim estou até hoje. O minimalismo é um
processo que nunca acaba", explica.
Ao perceber que, com menos
coisas acumuladas à sua volta, seu dia a dia se tornava mais fácil, Fernanda
foi adaptando o minimalismo que aplicava à casa para todas as áreas da vida.
"Fui percebendo que ter a
liberdade de sair de um emprego que não me faça bem, por exemplo, é mais
importante que ter um salário fixo para gastar com objetos e coisas",
conta. "A faxina também se estendeu à minha vida digital: saí de grupos de
whatsapp e não fico mais conectada o dia todo".
'Pessoas mais
importantes que coisas'
De acordo com os escritores
Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus, autores do documentário Minimalism: A Documentary About the
Important Things ("Minimalismo: um documentário sobre as coisas que
importam", em tradução livre), que retrata a vida de pessoas que vivem
apenas com o essencial, o minimalismo é um comportamento que torna pessoas mais
importantes que as coisas que elas têm.
"Com menos importância para
o material, podemos abrir espaço nas nossas vidas para o que realmente
importa", comenta Ryan, um ex-publicitário bem-sucedido, mas que chegou ao
limite de estresse quando foi escalado para vender celulares para crianças de
cinco anos.
O americano então vendeu 80% das
coisas que tinha acumulado - carros de luxo, roupas de marca, um apartamento
espaçoso -, demitiu-se e criou o blog The
Minimalists com o amigo Joshua, ex-empresário que mudou de vida depois da
morte da mãe.
Ryan explica que o minimalismo
não é uma "competição" sobre quem tem menos coisas. "Ao contrário,
queremos mais: mais tempo, mais espaço, mais paixão, mais experiências.
Limpamos a bagunça do caminho da vida para sermos mais livres".
O mínimo essencial
A palavra
"minimalismo" surgiu de movimentos artísticos do século 20 que
seguiam como preceito o uso de poucos elementos visuais, e, aos poucos, foi
migrando para o campo do social.
"Enquanto expressão
comportamental da sociedade, o minimalismo é um reflexo de movimentos contra
culturais anteriores, como o punk e o hippie, que questionaram a sociedade de
consumo e seus excessos", explica o pesquisador em cultura e comunicação
Marcelo Vinagre Mocarzel, professor da Universidade Federal Fluminense.
Diferente dos contra culturais,
contudo, os minimalistas não buscam construir uma sociedade alternativa.
"Os minimalistas têm buscado combater o consumismo por dentro do sistema.
Isso quer dizer que eles trabalham, se vestem normalmente e até consomem".
"Em certa medida, os
minimalistas se aproximam mais dos capitalistas clássicos descritos por Max Weber:
capitalismo não é o problema para eles, mas sim esse capitalismo selvagem
ancorado na ostentação e no desperdício", aponta.
De acordo com a escritora
americana Francine Jay, autora de Menos é
mais: Um guia minimalista para organizar e simplificar sua vida, livro
considerado a "bíblia" do minimalismo atual, o minimalista valoriza
as experiências e dá menos importância às posses materiais.
"Quando não somos
dependentes das coisas ou não somos mais definidos pelo o que possuímos, nossos
potenciais e possibilidades são ilimitados", afirma a escritora.
Como definição, Jay explica que
o minimalismo é um estilo de vida em que se vive com menos coisas para se ter
mais espaço, mais tempo livre e mais energia vital.
Assim, para os minimalistas, não
há como ter estas duas coisas em abundância: "ou se tem tempo livre, ou se
tem coisas sobrando", explica a escritora.
"Quase tudo o que trazemos
em nossas vidas - bens materiais, ideias, hábitos - devemos estar preparados a
nos afastar a qualquer momento", propõe Joshua. "Muitos podem
discordar por parecer insensível, mas é exatamente o contrário: nossa
preparação para se afastar é a forma mais avançada de cuidar".
Ter coisas versus ter
tempo
Coisas sobrando - e
transbordando - era como a modista Isabel Alves, 23 anos, definia sua vida até
dois anos atrás.
"Eu gastava muito,
principalmente com roupas e maquiagens", conta. "Nunca cheguei a
formar dívidas, mas todo o dinheiro que tinha ia direto para meu consumismo".
Quando Isabel percebeu que nunca
tinha dinheiro para fazer com mais frequência o que realmente gosta - viajar -,
começou a repensar sua vida. A faculdade de moda também ajudou a moça a
refletir sobre a maneira como gastava o seu dinheiro.
O apartamento minimalista de
Isabel: 'Quando fui vendo o espaço mais limpo e fácil de cuidar, a facilidade
para se vestir, o dinheiro que deixava de gastar, criei prazer no desapego'.
"Antes de entrar na
faculdade, admirava esse mundo da moda, até descobrir que não só o meio
ambiente, mas várias pessoas pagavam (um alto preço) por esse tipo de
consumo", lembra. "Mas durante uma aula, fiquei chocada com a
indústria têxtil e percebi o quanto consumia uma moda de roupas baratas, porém
descartáveis".
Pesquisando maneiras de consumir
de forma consciente, a modista conheceu o conceito de vida minimalista e fez
uma espécie de inventário de tudo o que possuía.
Com as coisas que não queria ou
que não servia mais - de livros, a roupas e até móveis - Isabel criou um brechó
online em 2016. Desde então, a moça já faturou cerca de R$ 5 mil vendendo suas
coisas e percebeu que poderia, e gostaria de, trabalhar com garimpo de roupas
usadas.
"No começo deste ano, saí
da empresa em que trabalhava por não aceitar mais o pensamento comum na
indústria da moda: 'vamos incentivar as pessoas a comprar o máximo'".
Outra mudança que o minimalismo
trouxe para a vida de Isabel foi uma mudança na percepção de espaço: a modista,
que morava com o marido em um apartamento de 68 metros quadrados, percebeu que
imóvel tinha se tornado grande demais para os dois.
"Desapegar de várias coisas
não foi fácil no começo", lembra. "Mas quando fui vendo o espaço mais
limpo e fácil de cuidar, a facilidade para se vestir, o dinheiro que deixava de
gastar, criei prazer no desapego".
Com espaço sobrando, o casal
decidiu dar mais um passo rumo ao minimalismo: se mudaram para um apartamento
de 42 metros quadrados. O guarda-roupa de Isabel hoje se resume a 30 peças de
roupa e cinco pares de sapatos.
"Temos uma vida bem
simples, mas isto nos permite trabalhar com o que gostamos e de casa e gastar
dinheiro com o que nos faz feliz".
Assim como Isabel, Fernanda
também avalia que o maior aprendizado que o minimalismo trouxe para sua vida
foi perceber que mais importante que ganhar muito, é aprender a viver com
pouco.
"Com gastos baixos, consigo
guardar dinheiro e não fico escrava de um salário", explica. "Ter
tempo livre para praticar meus hobbies, encontrar meus amigos e família e até
descansar é fundamental para mim dede então", comenta Fernanda.
Mais antigo que
Cristo
Joshua explica que as atuais
ideias que guiam comportamentos minimalistas são, na realidade, muito antigas.
"Se considerarmos a
Revolução Industrial e a sociedade de consumo formada por ela, o minimalismo
pode parecer novo. Mas conceito de reduzir acessos, em si, remonta aos estoicos
e ao princípio das religiões", explica Joshua.
O Estoicismo foi uma escola
filosófica da Grécia Antiga, surgida no século 4º a.C., que definia a
felicidade como objetivo central da vida, sendo a felicidade um conceito
relacionado a uma vida simples e em harmonia com a natureza.
De acordo com os estoicos, o
sábio é, por definição, feliz. Por isso, segundo Joshua, a felicidade na vida é
algo tão importante para os minimalistas.
Mas desde a sua concepção - o
minimalismo seria mais antigo que a ideia de Jesus Cristo, portanto - o
conceito de uma vida minimalista tem sido adaptado para a realidade social e
econômica de cada época.
"Acumulamos tantas coisas
em imóveis cada vez mais caros e menores; temos tantas roupas e só usamos as
mesmas; armazenamos tanta comida, e grande parte vai para o lixo. Isso mostra
como a sociedade de consumo criou gargalos que precisam ser resolvidos".
Os minimalistas estão
preocupados com esses gargalos, mas dizem que o minimalismo não se resume
apenas a redução de consumo.
"Há diversos motivos que
levam a reduzir o consumo. Um deles é a falta de dinheiro, tão comum em tempos
de crise", aponta Mocarzel, explicando que, nesses casos, o consumo pode
voltar a subir quando os tempos de crise melhoram, pois não há um motivador
social por trás da mudança de comportamento, somente um motivador econômico.
"O minimalismo alia alguns
preceitos na redução, como a sustentabilidade, a questão da saúde (viver com o
mínimo para fugir das doenças alimentadas pelo excesso - ansiedade, pânico,
distúrbios alimentares etc.) e até um certo aspecto espiritual".
Para o pesquisador, independente
da motivação, "a ideia do menos é mais nunca foi tão necessária",
defende.
Joshua e Ryan citam o filme O Clube da Luta como um exemplo de onde
encontrar uma boa referência minimalista. "Não é um filme sobre luta, é
uma narrativa sobre vida, sobre como livrar-se das influências corporativas e
culturais que controlam nossas vidas", argumenta Ryan.
Ele lembra as falas do
personagem Tyler Durden (interpretado por Brad Pitt) como as ideias
minimalistas centrais da sociedade do século 21: "Somente quando perdemos
tudo é que estamos livres para fazermos qualquer coisa" e "as coisas
que você possui acabam por possuí-lo".
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