Geralmente se pensa que os
hindus só admitem a reencarnação como expiação. Segundo eles, a reencarnação só
se daria em corpos animais. No entanto, as linhas que se seguem, extraídas da
viagem da Sra. Ida Pfeiffer, parecem provar que a tal respeito os indianos têm ideias
mais sadias.
Diz a Sra. Pfeiffer: Em geral as meninas ficam noivas com um ano
de idade. Se o noivo vem a morrer, ela é considerada viúva, ficando impedida de
casar-se. A viuvez é reputada como uma grande infelicidade. Pensam eles que
isso se deve à posição das mulheres cuja conduta não foi irrepreensível numa vida anterior.
Malgrado a importância que não
se pode recusar a estas últimas palavras, forçoso é reconhecer que entre a
metempsicose dos hindus e a doutrina admitida pela Sociedade Parisiense de Estudos
Espíritas há uma diferença capital. Citemos aqui o que diz Zimmermann sobre a
religião hindu, no “Diário de viagem”. (Taschenbuch der Reisen)
O fundo dessa religião é a crença num ser primeiro e supremo, na
imortalidade da alma e na recompensa à virtude. O verdadeiro e único Deus se
chama Brahm, o qual não deve ser confundido
com Brahma, criado por ele. É a
verdadeira luz, que é a mesma, eterna, bem-aventurada em todos os tempos e
lugares.
Da essência imortal de Brahm
emanou a deusa Bhavani, isto é, a Natureza,
e uma legião de 1.180 milhões de Espíritos. Entre esses Espíritos há três
semideuses ou gênios superiores: Brahma,
Vishnu e Shiva, a trindade dos hindus. Durante muito tempo a concórdia e a
felicidade reinaram entre os Espíritos. Mais tarde, porém, eclodiu uma revolta
entre eles e vários se recusaram a obedecer. Os rebeldes foram precipitados do
alto dos céus no abismo das trevas.
Deu-se, então, a metempsicose: cada planta, cada ser foi animado por um
anjo decaído. Esta crença explica a bondade dos hindus para com os animais:
consideram-nos como seus semelhantes e não querem matar nenhum.
Somos induzidos a crer que não foi senão a ação do tempo que levou tudo
quanto existe de bizarro nessa religião, mal compreendida e falseada na boca do
povo, a descer à posição de insana charlatanice. Basta indicar os atributos de
algumas de suas principais divindades para explicar o estado atual de sua
religião.
Eles admitem 333 milhões de divindades inferiores: são as deusas dos
elementos, dos fenômenos da Natureza, das artes, das doenças etc.. Além disso,
há os bons e os maus gênios: o número dos bons ultrapassa o dos maus em três
milhões.
O que é extremamente notável – acrescenta Zimmermann – é que não se encontra, entre os hindus, uma
única imagem do Ser Supremo: parece-lhes demasiado grande. Dizem que toda a
Terra é o seu templo e o adoram sob todas as formas.
Assim, conforme os hindus, as
almas tinham sido criadas felizes e perfeitas e sua decadência resultou de uma
rebelião; sua encarnação no corpo de animais é uma punição. Conforme a Doutrina
Espírita, as almas foram e ainda são
criadas simples e ignorantes; é pelas encarnações sucessivas que chegam, graças
a seus esforços e à misericórdia divina, à perfeição que lhes proporcionará a
felicidade eterna. Devendo progredir, a alma pode permanecer estacionária
durante um período mais ou menos longo, mas não retrograda. O que adquiriu em
conhecimento e em moralidade não se perde. Se não avança, também não recua: eis
por que não pode voltar a animar os seres inferiores à Humanidade.
Desse modo, a metempsicose dos
hindus está fundada sobre o princípio da degradação das almas. A reencarnação,
segundo os Espíritos, está fundada no princípio da progressão contínua.
Segundo os hindus, a alma
começou pela perfeição para chegar à abjeção; a perfeição é o começo e a
abjeção, o resultado. Conforme os Espíritos, a ignorância é o começo; a
perfeição, o objetivo e o resultado. Seria supérfluo procurar demonstrar qual
dessas duas doutrinas é mais racional e dá uma ideia mais elevada da justiça e da
bondade de Deus. É, pois, por completa ignorância de seus princípios que
algumas pessoas as confundem.
Tug...
[1] Revista Espírita – Dezembro/1859 – Allan
Kardec
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