Ricardo Senra - Da BBC Brasil em Washington - 7 agosto 2017
Relatos de mães e pais pedindo
ajuda após encontrarem seus filhos à beira da morte após tentativas de suicídio
se tornaram comuns em fóruns online e redes sociais nos Estados Unidos.
"Minha filha tomou uma
garrafa inteira de Lexapro e meia garrafa de Wellbutrin (ambos
antidepressivos). Ela vomitou cinco vezes antes de me contar, quando acordei
para trabalhar naquela manhã. Essa é uma visão que nenhum pai deveria
ver", conta Hammer, em um desabafo que deu origem a mais de 15 relatos
semelhantes.
Ann diz que não sabe o que fazer
para ajudar a filha. "Ela tem 15 anos e tentou se suicidar hoje ingerindo
produtos de limpeza. (...) Ela já tinha tentado se matar vários meses atrás com
um corte no pulso".
Claudia fala sobre culpa e
vergonha.
Minha filha, uma criança linda e talentosa, teve uma overdose ontem e
eu sinto vergonha por não tê-la ajudado e protegido suficientemente. Sinto
culpa, porque meu trabalho é garantir que a vida dela seja boa e segura. Mas no
fundo, muito no fundo, também sei que a vida hoje é incrivelmente difícil para
as crianças. As cobranças e expectativas parecem se mover muito rápido para que
eles acompanhem, e eles sentem que falharam.
Phyllis fala sobre o filho, um
menino de 15 anos.
Encontrei meu filho no meu quarto, em overdose depois de tomar meus
remédios. Não consigo parar de pensar no que poderia ter acontecido. Não
consigo dormir, não consigo comer, e aquela manhã não sai da minha cabeça.
Encontrei-o deitado na minha cama, quase sem respirar.
As tragédias se refletem nos
resultados de dois relatórios divulgados recentemente nos EUA. Eles chamam
atenção para um crescimento sem precedentes nas tentativas e mortes consumadas
por suicídio entre crianças e adolescentes de todo o país.
As meninas encabeçam o grupo que
mais cresce nesse ranking, evidenciando os impactos de problemas geralmente
associados a adultos ‒ como depressão, ansiedade, bipolaridade e pressão por
padrões de beleza inatingíveis ‒ na saúde mental de quem ainda frequenta a
escola.
Recorde
De acordo com dados divulgados
na semana passada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças do governo
americano, as mortes de meninas entre 15 e 19 anos por suicídio atingiram um
recorde em 40 anos ‒ e dobraram entre 2007 e 2015, com 5,1 casos para cada 100
mil.
O fenômeno atinge também
crianças e adolescentes do sexo masculino, cujas mortes ainda acontecem em
maior número, mas crescem em ritmo menos acelerado: 30% no mesmo período (são
14,2 casos para cada 100 mil), segundo o órgão oficial.
Em números absolutos, em 2015,
foram registrados 524 suicídios de meninas e 1.537 de meninos entre 15 e 19
anos.
Outro relatório apresentado recentemente
no Encontro Anual de Sociedades Pediátricas dos EUA aponta que as internações
de menores de idade por pensamentos ou tentativas de suicídio dobraram entre
2008 e 2015.
O estudo se focou em crianças e
adolescentes entre 5 e 17 anos e, novamente, apontou que o grupo que mais
registrou aumento nas internações é o das meninas ‒ que atualmente respondem
por 2 em cada 3 dos casos.
O suicídio é hoje a segunda
principal causa de mortes de crianças e jovens em idade escolar (12 a 18 anos)
nos EUA, ficando atrás apenas de acidentes.
O volume impressiona: a taxa de
suicídios infanto-juvenis, segundo o governo americano, é maior que a soma das
mortes por câncer, doenças cardíacas e respiratórias, problemas de nascimento,
derrame, pneumonia e febre.
Pressão online
Chefe da ala de saúde
comportamental do hospital pediátrico Cook Children's, no Texas, a psicóloga
Lisa Elliott diz que os dados recém-revelados "são absolutamente
dolorosos, mas não são uma surpresa".
"Nós precisamos tirar os
estigmas da saúde mental", diz a PhD, alertando para a incidência dos
quadros entre menores de idade, e não só entre adultos. "Problemas de
saúde mental têm que ser vistos pelos pais como qualquer doença, da mesma
maneira que os problemas de coração são".
Em coro com outros especialistas,
ela afirma que o quadro se agrava pelo uso irresponsável de redes sociais, que
pode gerar competitividade e uma busca por padrões de beleza e desempenho.
"As redes podem ter impacto
negativo sobre a autoestima das meninas e isso aumenta o isolamento
delas", avalia Elliott. "Quando notam que não têm uma vida tão
perfeita ou glamorosa quanto a de outros, elas concluem que 'algo anormal ou
errado está acontecendo comigo'".
Segundo a psicóloga, a sensação
de invisibilidade nas redes impulsiona práticas ligadas ao bullying entre jovens de ambos os sexos.
"O anonimato traz uma
desumanização, uma perda de empatia pelos outros, especialmente aqueles
diferentes de nós. Assim perdemos a capacidade de respeitar as opiniões
diferentes, o que infelizmente resulta em mais bullying e mais isolamento".
À BBC Brasil, Eileen
Kennedy-Moore, psicóloga e autora de diversos livros sobre saúde mental
infantil, diz que não faz sentido proibir o acesso a redes sociais (os
celulares e tablets estão aí, não há como lutar contra isso), mas que os pais
precisam colocar "limites sensatos" na relação entre seus filhos e
aparelhos eletrônicos.
"Adolescentes e crianças
sempre tiveram a sensação de uma audiência imaginária, de que todos estão
sempre olhando para eles", conta a especialista, que vive e trabalha em
Nova York.
"Com as redes sociais, a
experiência de ser vigiado e julgado o tempo todo aumenta", avalia.
Segundo Kennedy-Moore, os
aparelhos eletrônicos "também precisam ser colocados para dormir, já que
nada de bom acontece nesses telefones depois da meia-noite".
"As relações online podem
ser uma fonte de apoio e conforto. Pacientes de câncer, por exemplo, encontram
grupos de apoio na internet que são maravilhosos", diz Moore. "Mas
amizades online não podem substituir as amizades cara a cara, e os pais
precisam prestar atenção nisso".
Economia e 'contágio'
Daniel J. Reidenberg, diretor do
Conselho Nacional para Prevenção de Suicídios, alerta para outras raízes
associadas ao aumento dos suicídios infanto-juvenis.
"Há uma pressão extrema
sobre esse grupo por competição, ambições e preocupações com o futuro",
diz.
"Crises econômicas também
têm impacto, uma vez que alguns jovens se sentem um fardo para as famílias.
Jogos, vídeos, TV e filmes também influenciam muito as mentes dos jovens. Outra
chave para a questão são outros suicídios a que esses jovens expostos. O
contágio do suicídio é real, e os jovens são particularmente sensíveis a
ele", diz o especialista à BBC Brasil.
Segundo Lisa Elliott, enquanto
meninos que tentam cometer suicídio apelam para métodos mais violentos, como o
uso de armas, os casos de meninas são normalmente associados ao excesso de
substâncias controladas e drogas ilícitas.
"Adolescentes não entendem
completamente as drogas que estão ingerindo e suas potenciais consequências.
Isso pode resultar em overdoses acidentais", alerta.
De acordo com os entrevistados,
os pais que buscam ajuda profissional normalmente contam que encontraram
menções a suicídio nos telefones ou cadernos dos filhos, ou perceberam mudanças
de comportamento, como isolamento e afastamento dos amigos, irritabilidade,
problemas de sono e em notas escolares e falta de interesse em atividades que
antes agradavam.
"A tentativa mostra muitas
vezes que as crianças querem dizer que estão muito bravas ou tristes, mas não
sabem como articular isso", avalia Kennedy-Moore. "E muitas pesquisas
mostram que a maioria dos que tentam se suicidar acaba se arrependendo do ato".
Para Elliott, os dados apontados
pelas pesquisas não devem ser ignorados pelos pais ‒ cujo maior erro costuma
ser achar que histórias como as que abrem esta reportagem nunca acontecerão com
pessoas próximas.
As referências a suicídios no
noticiário, segundo a especialista, podem servir como oportunidade para
conversas sobre o tema entre pais e filhos.
"Pergunte a eles por que
acham que isso está acontecendo e se sentem algo semelhante", diz.
"Assim, você pode descobrir muito sobre o que eles ou seus amigos estão
vivendo".
A presença dos pais nas vidas
das crianças e jovens é a estratégia mais eficaz, segundo os entrevistados.
"Muitas vezes, nós enchemos
a agenda dos nossos filhos com atividades porque pensamos que é saudável,
quando seria melhor ter mais tempo com relações humanas saudáveis e realmente
gastar tempo em família com qualidade, sem dispositivos eletrônicos",
afirma Elliott.
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