A ideia clara e precisa que se
faz da vida futura dá uma fé inabalável no porvir, e essa fé tem consequências
enormes sobre a moralização dos homens, porque muda completamente o ponto de
vista pelo qual eles encaram a vida terrena. Para aquele que se coloca, pelo pensamento,
na vida espiritual, que é infinita, a vida corporal não é mais do que rápida passagem,
uma breve permanência num país ingrato.
As vicissitudes e as tribulações
da vida são apenas incidentes que ele enfrenta com paciência, porque sabe que
são de curta duração e devem ser seguidos de uma situação mais feliz. A morte
nada tem de pavoroso, não é mais a porta do nada, mas a da libertação, que abre
para o exilado a morada da felicidade e da paz.
Sabendo que se encontra numa
condição temporária e não definitiva, ele encara as dificuldades da vida com
mais indiferença, do que resulta uma calma de espírito que lhe abranda as
amarguras.
Pela simples dúvida sobre a vida
futura, o homem concentra todos os seus pensamentos na vida terrena. Incerto do
porvir dedica-se inteiramente ao presente. Não entrevendo bens mais preciosos
que os da terra, ele se porta como a criança que nada vê além dos seus brinquedos
e tudo faz para obtê-los. A perda do menor dos seus bens causa-lhe pungente mágoa.
Um desengano, uma esperança perdida, uma ambição insatisfeita, uma injustiça de
que for vítima, o orgulho ou a vaidade ferida, são tantos outros tormentos, que
fazem da vida uma angústia perpétua, pois que se entrega voluntariamente a uma
verdadeira tortura de todos os instantes.
Sob o ponto de vista da vida
terrena, em cujo centro se coloca, tudo se agiganta ao seu redor.
O mal que o atinge, como o bem
que toca aos outros, tudo adquire aos seus olhos enorme importância. É como o
homem que, dentro de uma cidade, vê tudo grande em seu redor: os cidadãos
eminentes como os monumentos, mas que, subindo a uma montanha, tudo lhe parece
pequeno.
Assim acontece com aquele que
encara a vida terrena do ponto de vista da vida futura: a humanidade, como as
estrelas no céu, se perde na imensidade; ele então se apercebe de que grandes e
pequenos se confundem como as formigas num monte de terra; que operários e poderosos
são da mesma estatura; e ele lamenta essas criaturas efêmeras, que tanto se esfalfam
para conquistar uma posição que os eleva tão pouco e por tão pouco tempo.
É assim que a importância
atribuída aos bens terrenos está sempre na razão inversa da fé que se tem na
vida futura.
Se todos pensarem assim,
dir-se-á, ninguém mais se ocupando das coisas da terra, tudo perigará. Mas não,
porque o homem procura instintivamente o seu bem-estar, e mesmo tendo a certeza
de que ficará por pouco tempo em algum lugar, ainda quererá estar o melhor ou o
menos mal possível. Não há uma só pessoa que, sentindo um espinho sob a mão,
não a retire para não ser picada. Ora, a procura do bem-estar força o homem a
melhorar todas as coisas, impulsionado como ele é pelo instinto do progresso e
da conservação, que decorre das próprias leis da natureza. Ele trabalha,
portanto, por necessidade, por gosto e por dever, e com isso cumpre os
desígnios da Providência, que o colocou na terra para esse fim. Só aquele que
considera o futuro pode dar ao presente uma importância relativa, consolando-se
facilmente de seus revezes, ao pensar no destino que o aguarda.
Deus não condena, portanto, os
gozos terrenos, mas o abuso desses gozos, em prejuízo dos interesses da alma. É
contra esse abuso que se previnem os que compreendem estas palavras de Jesus: O meu reino não é deste mundo.
Aquele que se identifica com a
vida futura é semelhante a um homem rico, que perde uma pequena soma sem se
perturbar; e aquele que concentra os seus pensamentos na vida terrestre é como
o pobre que, ao perder tudo o que possui, cai em desespero.
O Espiritismo dá amplitude ao
pensamento e abre-lhe novos horizontes. Em vez dessa visão estreita e
mesquinha, que o concentra na vida presente, fazendo do instante que passa
sobre a terra o único e frágil esteio do futuro eterno, ele nos mostra que esta
vida é um simples elo do conjunto harmonioso e grandioso da obra do Criador, e
revela a solidariedade que liga todas as existências de um mesmo ser, todos os
seres de um mesmo mundo e os seres de todos os mundos. Oferece, assim, uma base
e uma razão de ser à fraternidade universal, enquanto a doutrina da criação da
alma, no momento do nascimento de cada corpo, faz que todos os seres sejam
estranhos uns aos outros. Essa solidariedade das partes de um mesmo todo
explica o que é inexplicável, quando apenas consideramos uma parte. Essa visão
de conjuntos, os homens do tempo de Cristo não podiam compreender, e por isso o
seu conhecimento foi reservado para mais tarde.
[1] O Evangelho Segundo
o Espiritismo – Capítulo II – Meu Reino
Não é Deste Mundo – Allan Kardec
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