Maria Ribeiro - 24/03/2015
Este estudo tem o objetivo de
reunir algumas informações dispersas ao longo da codificação sobre o que se
designa por períspirito a fim de conceber-se ideia mais exata sobre ele [*].
Apesar do máximo esforço de
Kardec e dos Espíritos na explicação acerca dos diversos conceitos e fenômenos
espíritas, muitas vezes recorrendo a comparações por demais materiais para que
se pudesse apreendê-los, não é raro que se depare com dúvidas ou falsos
entendimentos acerca de pontos capitais. Um deles diz respeito aos fluidos mais
próximos da materialidade, ou seja, da categoria dos ponderáveis, o perispírito
e, consequentemente, o fluido vital.
Em seu conceito vulgarizado, perispírito
é o elo que une o Espírito à matéria [1]. Trata-se do envoltório pelo qual o
Espírito propriamente dito se reveste e pode ser reconhecido e identificado
numa aparição [2], [3], [4]. O perispírito envolve o Espírito em qualquer grau
que esteja, antes, durante e após a morte. E, durante a vida material, penetra
o corpo físico [5]. É por seu intermédio que o Espírito realiza todas as ações
da inteligência, seja no mundo físico ou moral. No mundo físico, entretanto,
sua ação é percebida através das manifestações com o concurso dos médiuns.
Ao perispírito designam-se
concepções como revestimento de uma substância vaporosa [6] e invólucro
semi-material. [¹,7] Sendo que na Introdução de O Livro dos Espíritos, Kardec se refere a ele como uma espécie de
envoltório (d’envelope) semi-material.
O períspirito não pode ser
entendido como corpo, que seja fluídico, (fluídico, etéreo, sem dúvida, mas não
corpo) astral ou designação similar, conforme abordado por alguns escritos de
nomes ilustres que adotaram as crenças esotéricas, pela razão que a partir de
agora vamos abordar.
Na questão 257 de O Livro dos Espíritos, encontra-se esta
definição para o perispírito:
O perispírito é o laço que
une o Espírito à matéria do corpo, sendo tirado do meio ambiente, do fluido
universal; contém ao mesmo tempo, eletricidade,
fluido magnético e, até certo ponto, a matéria inerte. Poder-se-ia dizer que é
a quintessência da matéria, o princípio da vida orgânica, mas não da vida
intelectual, por que esta está no Espírito. É, além disso, o agente das
sensações externas. No corpo, essas sensações estão localizadas pelos órgãos
que lhes servem de canais. Destruído o corpo, as sensações ficam generalizadas.
(Negrito meu)
Quando se diz que o perispírito
“contém ao mesmo tempo, eletricidade, fluido magnético e, até certo ponto, a
matéria inerte”, diz-se que o perispírito é o resultado de variados estados de
fluidos que se aglomeram, embora sem se confundirem, e, de certa forma,
conservarem sua independência. A ideia de fluido perispirítico como sendo uma
aglomeração molecular de fluidos iguais, semelhantes é abandonada para dar
lugar a um composto de fluidos distintos: fluido magnético e fluido elétrico,
que por conceito são o fluido vital [8], e ainda o fluido mais materializado –
o que se chama matéria inerte, talvez um estado o mais próximo da
ponderabilidade. Além destes fluidos conhecidos, provavelmente há os totalmente
desconhecidos que ainda entram na composição perispiritual que estão mais em
contato com o Ser inteligente. Mas é imprescindível lembrar que os fluidos não
permanecem os mesmos, pois, de acordo com a evolução do Espírito, eles se
purificam.
O fluido vital, por sua vez, em
seu estado mais simples, quer dizer, sem combinação, está na forma de fluido
magnético animalizado [9], ou seja, o estado em que é absorvido e assimilado
pela matéria quando lhe fornece a vida orgânica. Isto faz inferir que seja o
mesmo estado no qual é absorvido pelas plantas e animais, incluindo o homem,
variando sua composição de acordo com as exigências de cada reino. No caso dos
reinos superiores, ele, ainda sem perder sua independência, obtém ou agrega
novas formas moleculares, ou novas misturas fluídicas, em sua composição, dando
origem ao envoltório, e, no homem, o envoltório se torna mais bem elaborado, o
perispírito.
Poder-se-ia inferir que o
perispírito coadune os fluidos vitais mais materializados da sua composição no
momento da encarnação, daí o dizer dos Espíritos que “se desenvolve com o
corpo. Não dissemos que esse agente sem a matéria não é a vida? É necessária a
união dessas duas coisas para produzir a vida” [10]. Assim, faz sentido que ao
desencarnar estes fluidos retornem à massa [11].
As questões 27 e 64 de O Livro dos Espíritos dão a conhecer que
a matéria, o Espírito e o fluido cósmico universal são os elementos gerais do
universo. Do fluido cósmico se origina tudo o que existe, e se distingue do
elemento material, pois, possui propriedades especiais, embora guardem relativa
afinidade entre si. Devido às suas infinitas modificações, se liga à matéria,
conforme ver-se-á, e entre outras coisas, imprime-lhe forma.
A questão 427 de O Livro dos Espíritos ainda traz a
definição de eletricidade animalizada, électricité
animalisée, como sendo uma das modificações do fluido cósmico. Pode-se
inferir que há nuances muito sutis nestes estados fluídicos, do contrário
usaria-se o termo no singular, e não no plural: modifications du fluide universel, conforme se pode verificar.
Ao discorrer sobre a emancipação
da alma no Resumo teórico do sonambulismo, do êxtase e da dupla vista [12], entretanto,
Kardec deixa mais clara a ideia da formação perispirítica por meio de uma
combinação fluídica, argumento que corrobora a favor deste presente trabalho:
“No estado de
desprendimento em que se encontra o Espírito do sonâmbulo, entra ele em
comunicação mais fácil com os outros Espíritos encarnados ou não. Essa
comunicação se estabelece pelo contato dos fluidos que compõem os perispíritos
e servem de transmissão de pensamento, como fio à eletricidade”.
Em resumo: a formação do
perispírito não pode ser uma única substância fluídica. Em outras palavras,
chama-se perispírito ao conjunto de componentes fluídicos que formam o
envoltório com o qual o Espírito se reveste. Quando se diz fluido perispirítico
deve-se entender exatamente a combinação de mais de uma modificação do fluido
universal, entre eles, aquele que dá a vida orgânica. Por isso que, em dadas
vezes, o perispírito é designado como sendo este agente [13], enquanto o fluido
vital é designado por elo entre matéria e Espírito [14]. É como se o uso de um
ou de outro se fizesse por extensão, já que o segundo está contido no primeiro.
O outro fluido componente seria o fluido elétrico, cuja função seria a do
condutor, ou seja, através dele que o Espírito recebe as sensações exteriores.
Isto lhe confere todas as propriedades necessárias à vida física, bem como ao
desenvolvimento dos mecanismos da mediunidade e também à vida espírita, além de
todos os processos anímicos, como o do poder magnético.
Seria conveniente questionar se
o próprio fluido vital seja o fruto de uma combinação fluídica, onde seu estado
simples seria o fluido magnético animal, e, a partir de associações com outros
fluidos, como o elétrico, o torne absorvível pelos seres mais bem elaborados da
natureza. Na verdade, a designação do fluido magnético animal sugere que o
termo animal seja para lhe imprimir a função que tem o fluido magnético:
animar, dar vida.
Os Espíritos se reportam ao
fluido cósmico universal como sendo a matéria primitiva, a substância através
da qual tudo teve e tem origem e na qual tudo está mergulhado [15]. O
conhecimento empírico desta verdade, ou seja, dos diversos estados fluídicos,
pode ser a razão para a crença nos diversos corpos do Espírito. Razão que
sucumbe diante a revelação espírita. A questão 94 de O Livro dos Espíritos, entretanto, afirma que o mencionado fluido
universal está particularizado segundo a natureza de cada mundo, ou seja, seria
impróprio dizer fluido universal quando ele se particulariza em cada mundo. Eis
a questão:
De onde o Espírito toma o
seu invólucro semi-material?
– Do fluido universal de cada globo. Por isso ele não é o
mesmo em todos os mundos. Passando de um mundo para outro o Espírito troca se
envoltório como mudais de roupa. (Itálico meu)
O que haveria de comum entre os
mundos? Ou melhor, o que seria realmente universal? Esta é a pergunta. E com
esta pergunta é preciso admitir que, se cada globo tem seu próprio fluido
‘universal’, tudo o que é criado num pode não encontrar correspondência noutro,
e, para que haja solidariedade entre eles tem que haver elos que façam com que
tenham continuidade. É por isso que os Espíritos afirmam que seria impossível
classificá-los em categorias [16], mesmo se referindo aos fluidos terrestres,
pois que são infinitos.
Também afirmam as Letras
Espíritas que os fluidos não têm qualidades originais, mas as que lhe dão os
pensamentos. Sendo estes bons ou maus, os fluidos serão salutares ou maléficos
[17], ou seja, nada há no homem de imutável.
Nas manifestações mediúnicas, o
perispírito do médium se expande, formando em torno como que um campo
magnético, razão pela qual os Espíritos se sentirão, de certa forma, atraídos.
Mas, quais seriam os componentes do perispírito que exercem este papel mais
abundantemente? O fluido vital estaria presente em todos os seus estados? E
isto seria o sinal determinante do grau e potência mediúnicos? De acordo com a
pergunta 19 do capítulo IV da segunda parte de O Livro dos Médiuns:
Por que todo mundo não pode
produzir o mesmo efeito, e por que os médiuns não têm a mesma força?
– Isso depende do organismo
e da maior ou menos facilidade com a qual a combinação dos fluidos pode se
operar; depois o Espírito do médium simpatiza mais ou menos com os Espíritos
estranhos que nele encontram a força fluídica necessária. Ocorre com esta força
como com a dos magnetizadores, ser maior ou menor…
O fluido vital em seu estado
mais material (matéria inerte que se reportam os Espíritos como um componente
do perispírito), ou seja, mais próximo da matéria, fluido que guarda mais
íntima afinidade com o corpo físico, deixa de fazer parte da composição
perispirítica na ocasião do desencarne.
Não possuindo mais este estado fluídico, os Espíritos recorrem aos
médiuns, que são encarnados com uma aptidão especial, da qual, com ou sem o seu
conhecimento, agem de forma a não deixar dúvidas de que se trata de uma
inteligência oculta.
Há médiuns cuja constituição
permite uma grande emanação deste fluido, de tal forma generosa, o que torna o
trabalho dos Espíritos mais fácil no que tange à possibilidade para realizarem
manifestações físicas, como movimentação e formação de objetos, as aparições,
até mesmo tangíveis; e inteligentes, como a psicografia. Muito embora, toda
ação espírita que manifeste independência, é por isto mesmo, inteligente [18].
Esta emanação fluídica varia de
indivíduo para indivíduo [19], e, com certeza, há variações em suas
composições, ou seja, enquanto um médium possui mais fluido animalizado em seu
perispírito, outro o possui em menor quantidade, tendo outro em maior volume, e
assim por diante [20]. Por isso a grande variedade de faculdades mediúnicas e
em diversos graus, pois, ao que parece, cada fluido proporciona uma dada
intensidade para a faculdade. Esta teoria explicaria como dois médiuns veem o
mesmo Espírito de maneiras diferentes.
Outro ponto digno de nota é a
respeito do destino destes fluidos após o desencarne. Na questão 70 de O Livro dos Espíritos a informação é que
“a matéria inerte se decompõe e toma nova forma; o princípio vital retorna à
massa”, ou seja, o Ser permanece o mesmo, outros componentes do seu perispírito
lhe resguardam a identidade, mais que isto, a individualidade.
Além disso, há de se questionar
se não há os Espíritos que, a despeito do desencarne, carreguem consigo algo
deste fluido animalizado, mais precisamente da matéria inerte, pois, conforme
em O Livro dos Médiuns:
Foi dito que a densidade do
perispírito, se se pode exprimir assim, varia segundo o estado dos mundos;
parece que varia também no mesmo mundo segundo os indivíduos. Nos Espíritos
avançados moralmente, é mais sutil e se aproxima da dos Espíritos elevados; nos
Espíritos inferiores, ao contrário, se aproxima da matéria, e é o que faz que
esses Espíritos de baixo estágio conservem por tempo tão longo as ilusões da
vida terrestre; eles pensam e agem como se estivessem ainda vivos; têm os
mesmos desejos e, se poderá dizer, a mesma sensualidade. Essa grosseria do
perispírito dando-lhe mais afinidade com a matéria, torna os Espíritos
inferiores mais próprios para as manifestações físicas [21].
Ora, se neste estágio de
inferioridade o Espírito tem afinidade com a matéria mais grosseira e por isso
está mais apto às manifestações físicas, deve guardar em sua composição
perispirítica algo verdadeiro de matéria, uma vez que, se dependessem apenas da
vontade, os Espíritos mais elevados também seriam igualmente capazes, ou seja,
a força moral apenas não basta para estes efeitos.
Além disso, mesmo estando no
mundo espírita, encontra em sua própria condição fluídica, meios de “pensar e
agir como se ainda vivessem no mundo físico, conservando ilusões da vida
terrestre”. Sendo assim, podem forjar determinadas situações e efeitos que não
justificam sua atual situação. Em outras palavras, manterão seu estado fluídico
“denso” enquanto suas mentes estiverem voltadas para as ocupações e interesses
materiais.
A questão 186 de O Livro dos Espíritos esclarece
prontamente este ponto, afirmando que, ao atingir o estado de pureza, os
Espíritos passam a revestir um perispírito tão etéreo que parecerá não existir
para os que ainda permanecem em baixa elevação. Isto explica porque os
Espíritos imperfeitos não veem sempre os mais evoluídos. Quando estes querem se
fazer ver, ou quando isto for útil, absorvem fluidos mais grosseiros para
adensar os seus próprios e assim se fazerem visíveis. Parece o que comumente se
chama de “baixar a vibração”.
Esta ideia se ampara pelas
questões 87 e 1011 e a própria supra citada 186 de O Livro dos Espíritos onde as informações se cruzam e dão conta de
que os Espíritos não estão separados por locais, lugares, ambientes espirituais
senão no sentido metafísico. Os Espíritos falam de estados e não de mundos
espirituais circunscritos propriamente ditos. Alguns se valem dos mundos
transitórios citados nas questões 234 a 236 da mesma obra magna para amparar a
ideia de uma morada dos Espíritos, mas se esquecem de que os mundos
transitórios são mundos físicos em formação.
Portanto, a ideia de organização
do perispírito, tornando-o corpo perde totalmente o sentido quando refletidas e
devidamente analisadas as ilações apontadas. Um exemplo que poderá ilustrar o
que se quis dizer é a manga comprida de uma camisa, por exemplo: ela recobre o
braço, toma inclusive a sua forma, mas ela não é o braço mesmo, é o seu
revestimento.
Isto significa que o fluido
perispirítico não forma um corpo, mas um revestimento, um envoltório adimensional,
enquanto o entendimento de corpo requer uma visão tridimensional. Por mais
materializados que sejam alguns dos fluidos que o compõem, sua natureza
espiritual, ou seja, aqueles fluidos ainda em estados desconhecidos, se
sobrepõe à concepção da matéria propriamente dita, ou melhor, a matéria que
ainda carregam, de forma alguma tem as mesmas propriedades e exigências da
matéria mais grosseira da vida terrestre.
[*] Trata-se, no entanto, de reflexões especulativas,
segundo nossa compreensão atual.
NOTAS
[1] KARDEC, Introdução de O
Livro dos Espíritos.
[2] KARDEC, O Livro dos
Espíritos, 93.
[3] KARDEC, cap. I, item 55 de
O Livro dos Médiuns.
[4] KARDEC, cap. XI, item 17
de A Gênese.
[5] KARDEC, cap. I, seg.
parte, item 4 de O Céu e o Inferno.
[6] KARDEC, O Livro dos
Espíritos, 93.
[7] KARDEC, O Livro dos
Espíritos, 94.
[8] KARDEC, Introdução item II
de O Livro dos Espíritos.
[9] KARDEC, cap. IV, item 74
de O Livro dos Médiuns.
[10] KARDEC, O Livro dos
Espíritos, 67.
[11] KARDEC, O Livro dos
Espíritos, 70.
[12] KARDEC, O Livro dos
Espíritos, 455.
[13] KARDEC, O Livro dos
Espíritos, 257.
[14] KARDEC, O Livro dos
Espíritos, 65.
[15] KARDEC, cap. XIV, item 2, A Gênese.
[16] KARDEC, cap. XIV, item 17, A
Gênese.
[17] KARDEC, cap. XIV, item 7,
A Gênese.
[18] KARDEC, cap. III, item
65-8, O Livro dos Médiuns.
[19] KARDEC, O Livro dos
Espíritos, 66.
[20] KARDEC, comentário q. 70.
[21] KARDEC, cap. IV, 74/12
(nota), O Livro dos Médiuns.
Artigo original: Blog CRITICA
ESPIRITA
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