terça-feira, 18 de julho de 2017

Ensaio teórico sobre a composição do perispírito[1]



Maria Ribeiro - 24/03/2015


Este estudo tem o objetivo de reunir algumas informações dispersas ao longo da codificação sobre o que se designa por períspirito a fim de conceber-se ideia mais exata sobre ele [*].
Apesar do máximo esforço de Kardec e dos Espíritos na explicação acerca dos diversos conceitos e fenômenos espíritas, muitas vezes recorrendo a comparações por demais materiais para que se pudesse apreendê-los, não é raro que se depare com dúvidas ou falsos entendimentos acerca de pontos capitais. Um deles diz respeito aos fluidos mais próximos da materialidade, ou seja, da categoria dos ponderáveis, o perispírito e, consequentemente, o fluido vital.
Em seu conceito vulgarizado, perispírito é o elo que une o Espírito à matéria [1]. Trata-se do envoltório pelo qual o Espírito propriamente dito se reveste e pode ser reconhecido e identificado numa aparição [2], [3], [4]. O perispírito envolve o Espírito em qualquer grau que esteja, antes, durante e após a morte. E, durante a vida material, penetra o corpo físico [5]. É por seu intermédio que o Espírito realiza todas as ações da inteligência, seja no mundo físico ou moral. No mundo físico, entretanto, sua ação é percebida através das manifestações com o concurso dos médiuns.
Ao perispírito designam-se concepções como revestimento de uma substância vaporosa [6] e invólucro semi-material. [¹,7] Sendo que na Introdução de O Livro dos Espíritos, Kardec se refere a ele como uma espécie de envoltório (d’envelope) semi-material.
O períspirito não pode ser entendido como corpo, que seja fluídico, (fluídico, etéreo, sem dúvida, mas não corpo) astral ou designação similar, conforme abordado por alguns escritos de nomes ilustres que adotaram as crenças esotéricas, pela razão que a partir de agora vamos abordar.
Na questão 257 de O Livro dos Espíritos, encontra-se esta definição para o perispírito:
O perispírito é o laço que une o Espírito à matéria do corpo, sendo tirado do meio ambiente, do fluido universal; contém ao mesmo tempo, eletricidade, fluido magnético e, até certo ponto, a matéria inerte. Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria, o princípio da vida orgânica, mas não da vida intelectual, por que esta está no Espírito. É, além disso, o agente das sensações externas. No corpo, essas sensações estão localizadas pelos órgãos que lhes servem de canais. Destruído o corpo, as sensações ficam generalizadas. (Negrito meu)
Quando se diz que o perispírito “contém ao mesmo tempo, eletricidade, fluido magnético e, até certo ponto, a matéria inerte”, diz-se que o perispírito é o resultado de variados estados de fluidos que se aglomeram, embora sem se confundirem, e, de certa forma, conservarem sua independência. A ideia de fluido perispirítico como sendo uma aglomeração molecular de fluidos iguais, semelhantes é abandonada para dar lugar a um composto de fluidos distintos: fluido magnético e fluido elétrico, que por conceito são o fluido vital [8], e ainda o fluido mais materializado – o que se chama matéria inerte, talvez um estado o mais próximo da ponderabilidade. Além destes fluidos conhecidos, provavelmente há os totalmente desconhecidos que ainda entram na composição perispiritual que estão mais em contato com o Ser inteligente. Mas é imprescindível lembrar que os fluidos não permanecem os mesmos, pois, de acordo com a evolução do Espírito, eles se purificam.
O fluido vital, por sua vez, em seu estado mais simples, quer dizer, sem combinação, está na forma de fluido magnético animalizado [9], ou seja, o estado em que é absorvido e assimilado pela matéria quando lhe fornece a vida orgânica. Isto faz inferir que seja o mesmo estado no qual é absorvido pelas plantas e animais, incluindo o homem, variando sua composição de acordo com as exigências de cada reino. No caso dos reinos superiores, ele, ainda sem perder sua independência, obtém ou agrega novas formas moleculares, ou novas misturas fluídicas, em sua composição, dando origem ao envoltório, e, no homem, o envoltório se torna mais bem elaborado, o perispírito.
Poder-se-ia inferir que o perispírito coadune os fluidos vitais mais materializados da sua composição no momento da encarnação, daí o dizer dos Espíritos que “se desenvolve com o corpo. Não dissemos que esse agente sem a matéria não é a vida? É necessária a união dessas duas coisas para produzir a vida” [10]. Assim, faz sentido que ao desencarnar estes fluidos retornem à massa [11].
As questões 27 e 64 de O Livro dos Espíritos dão a conhecer que a matéria, o Espírito e o fluido cósmico universal são os elementos gerais do universo. Do fluido cósmico se origina tudo o que existe, e se distingue do elemento material, pois, possui propriedades especiais, embora guardem relativa afinidade entre si. Devido às suas infinitas modificações, se liga à matéria, conforme ver-se-á, e entre outras coisas, imprime-lhe forma.
A questão 427 de O Livro dos Espíritos ainda traz a definição de eletricidade animalizada, électricité animalisée, como sendo uma das modificações do fluido cósmico. Pode-se inferir que há nuances muito sutis nestes estados fluídicos, do contrário usaria-se o termo no singular, e não no plural: modifications du fluide universel, conforme se pode verificar.
Ao discorrer sobre a emancipação da alma no Resumo teórico do sonambulismo, do êxtase e da dupla vista [12], entretanto, Kardec deixa mais clara a ideia da formação perispirítica por meio de uma combinação fluídica, argumento que corrobora a favor deste presente trabalho:
“No estado de desprendimento em que se encontra o Espírito do sonâmbulo, entra ele em comunicação mais fácil com os outros Espíritos encarnados ou não. Essa comunicação se estabelece pelo contato dos fluidos que compõem os perispíritos e servem de transmissão de pensamento, como fio à eletricidade”.
Em resumo: a formação do perispírito não pode ser uma única substância fluídica. Em outras palavras, chama-se perispírito ao conjunto de componentes fluídicos que formam o envoltório com o qual o Espírito se reveste. Quando se diz fluido perispirítico deve-se entender exatamente a combinação de mais de uma modificação do fluido universal, entre eles, aquele que dá a vida orgânica. Por isso que, em dadas vezes, o perispírito é designado como sendo este agente [13], enquanto o fluido vital é designado por elo entre matéria e Espírito [14]. É como se o uso de um ou de outro se fizesse por extensão, já que o segundo está contido no primeiro. O outro fluido componente seria o fluido elétrico, cuja função seria a do condutor, ou seja, através dele que o Espírito recebe as sensações exteriores. Isto lhe confere todas as propriedades necessárias à vida física, bem como ao desenvolvimento dos mecanismos da mediunidade e também à vida espírita, além de todos os processos anímicos, como o do poder magnético.
Seria conveniente questionar se o próprio fluido vital seja o fruto de uma combinação fluídica, onde seu estado simples seria o fluido magnético animal, e, a partir de associações com outros fluidos, como o elétrico, o torne absorvível pelos seres mais bem elaborados da natureza. Na verdade, a designação do fluido magnético animal sugere que o termo animal seja para lhe imprimir a função que tem o fluido magnético: animar, dar vida.
Os Espíritos se reportam ao fluido cósmico universal como sendo a matéria primitiva, a substância através da qual tudo teve e tem origem e na qual tudo está mergulhado [15]. O conhecimento empírico desta verdade, ou seja, dos diversos estados fluídicos, pode ser a razão para a crença nos diversos corpos do Espírito. Razão que sucumbe diante a revelação espírita. A questão 94 de O Livro dos Espíritos, entretanto, afirma que o mencionado fluido universal está particularizado segundo a natureza de cada mundo, ou seja, seria impróprio dizer fluido universal quando ele se particulariza em cada mundo. Eis a questão:
De onde o Espírito toma o seu invólucro semi-material?
– Do fluido universal de cada globo. Por isso ele não é o mesmo em todos os mundos. Passando de um mundo para outro o Espírito troca se envoltório como mudais de roupa. (Itálico meu)
O que haveria de comum entre os mundos? Ou melhor, o que seria realmente universal? Esta é a pergunta. E com esta pergunta é preciso admitir que, se cada globo tem seu próprio fluido ‘universal’, tudo o que é criado num pode não encontrar correspondência noutro, e, para que haja solidariedade entre eles tem que haver elos que façam com que tenham continuidade. É por isso que os Espíritos afirmam que seria impossível classificá-los em categorias [16], mesmo se referindo aos fluidos terrestres, pois que são infinitos.
Também afirmam as Letras Espíritas que os fluidos não têm qualidades originais, mas as que lhe dão os pensamentos. Sendo estes bons ou maus, os fluidos serão salutares ou maléficos [17], ou seja, nada há no homem de imutável.
Nas manifestações mediúnicas, o perispírito do médium se expande, formando em torno como que um campo magnético, razão pela qual os Espíritos se sentirão, de certa forma, atraídos. Mas, quais seriam os componentes do perispírito que exercem este papel mais abundantemente? O fluido vital estaria presente em todos os seus estados? E isto seria o sinal determinante do grau e potência mediúnicos? De acordo com a pergunta 19 do capítulo IV da segunda parte de O Livro dos Médiuns:
Por que todo mundo não pode produzir o mesmo efeito, e por que os médiuns não têm a mesma força?
– Isso depende do organismo e da maior ou menos facilidade com a qual a combinação dos fluidos pode se operar; depois o Espírito do médium simpatiza mais ou menos com os Espíritos estranhos que nele encontram a força fluídica necessária. Ocorre com esta força como com a dos magnetizadores, ser maior ou menor…
O fluido vital em seu estado mais material (matéria inerte que se reportam os Espíritos como um componente do perispírito), ou seja, mais próximo da matéria, fluido que guarda mais íntima afinidade com o corpo físico, deixa de fazer parte da composição perispirítica na ocasião do desencarne.  Não possuindo mais este estado fluídico, os Espíritos recorrem aos médiuns, que são encarnados com uma aptidão especial, da qual, com ou sem o seu conhecimento, agem de forma a não deixar dúvidas de que se trata de uma inteligência oculta.
Há médiuns cuja constituição permite uma grande emanação deste fluido, de tal forma generosa, o que torna o trabalho dos Espíritos mais fácil no que tange à possibilidade para realizarem manifestações físicas, como movimentação e formação de objetos, as aparições, até mesmo tangíveis; e inteligentes, como a psicografia. Muito embora, toda ação espírita que manifeste independência, é por isto mesmo, inteligente [18].
Esta emanação fluídica varia de indivíduo para indivíduo [19], e, com certeza, há variações em suas composições, ou seja, enquanto um médium possui mais fluido animalizado em seu perispírito, outro o possui em menor quantidade, tendo outro em maior volume, e assim por diante [20]. Por isso a grande variedade de faculdades mediúnicas e em diversos graus, pois, ao que parece, cada fluido proporciona uma dada intensidade para a faculdade. Esta teoria explicaria como dois médiuns veem o mesmo Espírito de maneiras diferentes.
Outro ponto digno de nota é a respeito do destino destes fluidos após o desencarne. Na questão 70 de O Livro dos Espíritos a informação é que “a matéria inerte se decompõe e toma nova forma; o princípio vital retorna à massa”, ou seja, o Ser permanece o mesmo, outros componentes do seu perispírito lhe resguardam a identidade, mais que isto, a individualidade.
Além disso, há de se questionar se não há os Espíritos que, a despeito do desencarne, carreguem consigo algo deste fluido animalizado, mais precisamente da matéria inerte, pois, conforme em O Livro dos Médiuns:
Foi dito que a densidade do perispírito, se se pode exprimir assim, varia segundo o estado dos mundos; parece que varia também no mesmo mundo segundo os indivíduos. Nos Espíritos avançados moralmente, é mais sutil e se aproxima da dos Espíritos elevados; nos Espíritos inferiores, ao contrário, se aproxima da matéria, e é o que faz que esses Espíritos de baixo estágio conservem por tempo tão longo as ilusões da vida terrestre; eles pensam e agem como se estivessem ainda vivos; têm os mesmos desejos e, se poderá dizer, a mesma sensualidade. Essa grosseria do perispírito dando-lhe mais afinidade com a matéria, torna os Espíritos inferiores mais próprios para as manifestações físicas [21].
Ora, se neste estágio de inferioridade o Espírito tem afinidade com a matéria mais grosseira e por isso está mais apto às manifestações físicas, deve guardar em sua composição perispirítica algo verdadeiro de matéria, uma vez que, se dependessem apenas da vontade, os Espíritos mais elevados também seriam igualmente capazes, ou seja, a força moral apenas não basta para estes efeitos.
Além disso, mesmo estando no mundo espírita, encontra em sua própria condição fluídica, meios de “pensar e agir como se ainda vivessem no mundo físico, conservando ilusões da vida terrestre”. Sendo assim, podem forjar determinadas situações e efeitos que não justificam sua atual situação. Em outras palavras, manterão seu estado fluídico “denso” enquanto suas mentes estiverem voltadas para as ocupações e interesses materiais.
A questão 186 de O Livro dos Espíritos esclarece prontamente este ponto, afirmando que, ao atingir o estado de pureza, os Espíritos passam a revestir um perispírito tão etéreo que parecerá não existir para os que ainda permanecem em baixa elevação. Isto explica porque os Espíritos imperfeitos não veem sempre os mais evoluídos. Quando estes querem se fazer ver, ou quando isto for útil, absorvem fluidos mais grosseiros para adensar os seus próprios e assim se fazerem visíveis. Parece o que comumente se chama de “baixar a vibração”.
Esta ideia se ampara pelas questões 87 e 1011 e a própria supra citada 186 de O Livro dos Espíritos onde as informações se cruzam e dão conta de que os Espíritos não estão separados por locais, lugares, ambientes espirituais senão no sentido metafísico. Os Espíritos falam de estados e não de mundos espirituais circunscritos propriamente ditos. Alguns se valem dos mundos transitórios citados nas questões 234 a 236 da mesma obra magna para amparar a ideia de uma morada dos Espíritos, mas se esquecem de que os mundos transitórios são mundos físicos em formação.
Portanto, a ideia de organização do perispírito, tornando-o corpo perde totalmente o sentido quando refletidas e devidamente analisadas as ilações apontadas. Um exemplo que poderá ilustrar o que se quis dizer é a manga comprida de uma camisa, por exemplo: ela recobre o braço, toma inclusive a sua forma, mas ela não é o braço mesmo, é o seu revestimento.
Isto significa que o fluido perispirítico não forma um corpo, mas um revestimento, um envoltório adimensional, enquanto o entendimento de corpo requer uma visão tridimensional. Por mais materializados que sejam alguns dos fluidos que o compõem, sua natureza espiritual, ou seja, aqueles fluidos ainda em estados desconhecidos, se sobrepõe à concepção da matéria propriamente dita, ou melhor, a matéria que ainda carregam, de forma alguma tem as mesmas propriedades e exigências da matéria mais grosseira da vida terrestre.
 
[*] Trata-se, no entanto, de reflexões especulativas, segundo nossa compreensão atual.
NOTAS
[1] KARDEC, Introdução de O Livro dos Espíritos.
[2] KARDEC, O Livro dos Espíritos, 93.
[3] KARDEC, cap. I, item 55 de O Livro dos Médiuns.
[4] KARDEC, cap. XI, item 17 de A Gênese.
[5] KARDEC, cap. I, seg. parte, item 4 de O Céu e o Inferno.
[6] KARDEC, O Livro dos Espíritos, 93.
[7] KARDEC, O Livro dos Espíritos, 94.
[8] KARDEC, Introdução item II de O Livro dos Espíritos.
[9] KARDEC, cap. IV, item 74 de O Livro dos Médiuns.
[10] KARDEC, O Livro dos Espíritos, 67.
[11] KARDEC, O Livro dos Espíritos, 70.
[12] KARDEC, O Livro dos Espíritos, 455.
[13] KARDEC, O Livro dos Espíritos, 257.
[14] KARDEC, O Livro dos Espíritos, 65.
[15] KARDEC, cap. XIV, item 2, A Gênese.
[16] KARDEC, cap. XIV, item 17, A Gênese.
[17] KARDEC, cap. XIV, item 7, A Gênese.
[18] KARDEC, cap. III, item 65-8, O Livro dos Médiuns.
[19] KARDEC, O Livro dos Espíritos, 66.
[20] KARDEC, comentário q. 70.
[21] KARDEC, cap. IV, 74/12 (nota), O Livro dos Médiuns.
 
Artigo original: Blog CRITICA ESPIRITA




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