sexta-feira, 30 de junho de 2017

SEM O CONHECIMENTO DE NÓS MESMOS NÃO HÁ REFORMA INTIMA[1]



DR. AMÉRICO MARQUES CANHOTO


Quando Sócrates (um dos precursores da mensagem de Jesus) nos recomendou o conhecimento de nós mesmos, talvez não imaginasse o alcance atual da proposta. Jesus deixou claro quem somos nós e a que viemos; bem como o caminho mais fácil para atingir nosso objetivo maior: a plenitude do amor; após cumprirmos todas as etapas evolutivas, passo a passo.

A Doutrina dos Espíritos tão bem formatada por Kardec e depois complementada por vários Espíritos como Emmanuel e André Luiz, através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier, nos trouxe notícias a respeito de onde nos localizaremos e como viveremos no Plano Espiritual. O Espiritismo veio agregar novas; mas já pálidas e algumas até defasadas atribuições ao postulado de Sócrates.

Somos seres em constante evolução.

Na empreitada do progresso é preciso responder a algumas questões básicas que o Espiritismo quase elucida com simplicidade e precisão:


QUEM SOMOS NÓS?

Uma vez definido que somos espíritos eternos filhos de um mesmo Pai, luz da mesma Luz e sujeitos às mesmas Leis, direitos e obrigações; e que partimos do mesmo princípio, usando o dom do livre arbítrio nos definimos como individualidade vida após vida – somos hoje o que nos fizemos ontem; nós somos nossa própria continuidade.

Estamos destinados à felicidade e à perfeição progressiva segundo nosso desejo e esforço – em concordância com as Leis de Trabalho, Amor e Justiça.


O QUE FAZEMOS AQUI?

Reconhecidamente somos seres imperfeitos, endividados perante nós mesmos e os outros, doentes, insanos. Buscamos a cura através da Reforma Interior. Mas antes é preciso fazer o diagnóstico.


QUEM SOU EU?

Mesmo na atualidade não há pessoa mais desconhecida para nós do que nós mesmos. E para piorar; nossa percepção a respeito da nossa pessoa é deveras deturpada: imaginamos ser uma criatura que tem pouco a ver conosco. Diagnóstico errado conduz a tratamento ineficiente e perigoso.


QUAL MINHA TAREFA DE VIDA?

Todos nós temos um projeto de vida física consciente ou não. Para algumas pessoas a reencarnação foi compulsória baseada na Lei de Causa e Efeito com alguns ajustes feitos por Espíritos que coordenam esses Projetos de Vida. Outros de nós já participamos ativamente do Projeto de Vida; como nos relata o espírito André Luiz no livro Missionários Da Luz – psicografia de Francisco C. Xavier – editado pela FEB; no caso de Segismundo um dos protagonistas em fase de preparo para reencarnação.

Identificar e definir a tarefa de vida não é tão fácil; mas, com a simples observação e estudo dos acontecimentos em nossa atual existência é possível uma visão clara.


DIFICULDADES A SEREM TRANSPOSTAS

Além das íntimas decorrentes da própria evolução tais como: Preguiça de todos os tipos. Pouca maturidade psicológica. Há os impedimentos externos, dentre eles:

– O sistema de educação em andamento que leva à formação de múltiplas personalidades.

– A vida de competição e seus valores egoístas, que nos deixa sem tempo para olhar para nós mesmos. Estamos sempre vigiando os outros; na ânsia de ultrapassá-los.

– Boa parte das crenças religiosas que iludem a respeito do que nos aguarda no pós-morte.

Claro que muitas outras dificuldades a serem transpostas nos acompanham no dia a dia. A reforma interior apenas começa de fato a se tornar eficiente quando alinhamos nossa existência ao conhecimento de quem somos nós e a que cada um de nós veio.


FONTES DO CONHECIMENTO DE NÓS MESMOS

Para descobrir quem somos basta apenas boa vontade e humildade. Muitos são os caminhos e as fontes para quem já busca.

Estudo das ocorrências do dia a dia. Somos tal e qual uma estação de rádio ou de TV, vinte e quatro horas ao dia espalhamos ao universo quem somos.

Cada pensamento, sentimento e atitude têm um padrão vibratório específico. Irradiamos e recebemos de volta; Lei do Retorno e a de Sintonia.

Quando em desarmonia o que recebemos de volta recebe o nome de dor, sofrer, pena, castigo, sorte, azar, destino, Deus quis ou deixou de querer…

Exemplos:

‒ Para o impaciente que se acha o dono do mundo: demora; complicações. Está sempre rodeado de pessoas mais lerdas; quando próximo de alguns, sua simples presença trava-lhes o raciocínio.

‒ O orgulhoso recebe a ajuda das humilhações, uma após outra, vindas de pessoas, situações, acontecimentos.

‒ Para o avarento, o melhor remédio são as perdas.

‒ O ciumento para curar-se não abre mão de todo tipo de traição – até que entenda que não é dono de nada nem de ninguém; além de sua própria vida e destino.

‒ O com tendência a mágoa recebe “coices” até das Madres Teresas da vida.

Enfim, para cada um de nossos distúrbios de caráter a vida possui o remédio específico.

A análise de cada uma das ocorrências do cotidiano é um dos aplicativos da dica do Mestre Jesus: Vigia e ora.


Estudo dos modelos familiares

Ao nascer trazemos inscrito no DNA físico e espiritual o conjunto de nossas tendências para todas as ocorrências possíveis durante esta existência; além das características do esboço da nossa personalidade a serem aprimoradas. Isso é o nosso Projeto de Vida desta vez.

Quando os pais dizem: Seria tão bom que as crianças viessem com manual de instrução! ‒ Conforme colocamos em nosso livro: “A Reforma íntima Começa no Berço” – Ed. EBM –. Nos primeiros anos da atual existência nosso Espírito está na Vitrine da Vida para quem tiver olhos de ver e ouvidos de ouvir –  basta atenção e querer.

Nosso progresso nesta existência depende do meio em que fomos criados e educados; pois às tendências do nosso espírito soma-se a influência do meio ambiente, em especial a família – maior oficina no aprendizado da Lei do Amor.

Nos primeiros anos de vida tudo é subconsciente. Ele funciona como um scanner de computador a captar e absorver tudo que se passa ao redor; para depois exteriorizar na forma de atitudes, comportamentos.

O mecanismo se processa através da energia e padrão vibratório.

Inicialmente os registros são feitos no DNA espiritual – depois, via centros de força, meridianos de acupuntura, mitocôndrias, células e órgãos há manifestação no DNA físico. Isso explica a semelhança física e de comportamento em filhos adotivos.

Em virtude de mesmo quando adultos levarmos uma vida muito subconsciente, casais de longa data juntos tornam-se parecidos, como se fossem irmãos, embora fotos antigas mostrem que não havia semelhança no passado.


Absorvemos qualidades e não qualidades

As posturas e os comportamentos adequados nós temos o dever de melhorar – a parte inadequada que copiamos deve ser reformada para não repetir doenças, desvios de comportamentos, problemas e dificuldades que enfrentam ou enfrentaram nossos modelos familiares ao longo de suas vidas.

Na atualidade, na maioria de nós, ainda predomina características e comportamentos inadequados; daí, nós temos mais a reformar do que ajustar, no que copiamos.

Quando analisamos nossos modelos o intuito deve ser apenas de aprendizado, sem julgamentos ou recriminações.

Quem deve mudar é sempre aquele que já percebeu a inadequação.

Tentar mudar os outros com palavras e críticas é falta de respeito. Cada qual apenas reforma aquilo que percebe, deseja e lhe é possível em cada momento.

Mil palavras não valem uma atitude; o exemplo longamente trabalhado é quase tudo. Efeito espelho.

Não aceitamos nosso lado “sombra” da personalidade. Para que nos reconheçamos a vida nos mostra quem somos nós através dos outros.

Usando o mecanismo da sintonia atraímos pessoas que são a nossa cara espiritual. As que detestamos; as que não suportamos ver na frente nos representam.

É a vida nos apontando: Olha você aí! – Não as aceitamos nem gostamos delas; pela razão de apontarem nosso lado da personalidade e do caráter mais negado.

Essa fase para que se torne útil e eficiente no conhecimento de nós mesmos exige um pouco mais de humildade, inteligência e aceitação; daí deve ser analisada e praticada quando as outras já estão em treinamento.


Colecionar opiniões sobre nós

As pessoas que imaginamos não gostar de nós são importantes para que nos conheçamos melhor. Pois, apontam nossa falta de qualidade pessoal, às vezes, com precisão cirúrgica. Algumas de nossas características da personalidade e alguns padrões de atitudes que imaginamos não ser bem aceitas pela sociedade são ignoradas por nós; agimos como se elas não nos pertencessem.

Somos carentes de afeto; e a vontade em sermos aceitos pela sociedade nos faz usarmos várias personalidades no dia a dia que funcionam à maneira de máscaras; essa atitude nos leva a desperdiçar lições valiosas para progredir.

Na ânsia de sermos amados distorcemos nossa realidade.

Muitos amigos pelo medo de nos ofender não costumam dizer o que realmente pensam e sentem a nosso respeito; daí eles não se tornam muito úteis para a tarefa de conhecimento de nós mesmos.


Análise das doenças

Nossas doenças espelham nossa condição evolutiva, em especial, as que se repetem. Não há a rigor doenças físicas; elas se originam no sistema mental, emocional, afetivo; depois se transferem para o corpo físico, que devolve o processo ao terreno psicológico através das sensações, fechando o circuito.

A dor e a doença têm uma linguagem própria e clara para quem desejar ouvir. As de repetição, pela insistência, são as que se oferecem como recurso pedagógico mais claro.

Cada dificuldade do caráter tem um órgão alvo no corpo físico; inveja dá um tipo de doença, intolerância outra, ansiedade outra…


Estudo das Projeções

O que achamos de inadequado no comportamento e na forma de ser dos outros costuma estar em nós à espreita da primeira oportunidade de se manifestar.

Medimos os outros com nossa régua.


Catalogar os impulsos

A força que supera a capacidade de contenção gerando tendências, pulsos e impulsos, é a realidade da nossa situação evolutiva.

Nossa mente racional embora tenha uma importância fundamental no progredir; camufla muitas tendências e mente demais através das desculpas e justificativas.

Nossos impulsos devem ser cuidadosamente catalogados, já que podem determinar nossa qualidade de vida atual, e especialmente a futura. Pois, pela força que trazem em si podem provocar reações que podem levar séculos para serem ajustadas.


Atenção para processos obsessivos

Muitas vezes, com nossa permissão através do descuido, nós apresentamos durante largo tempo, posturas e características que não nos pertencem integralmente.

Nessa ocasião, nós estamos sendo vítimas da influência de mentes externas através de processo obsessivo.

Com treino podemos perceber com facilidade o que nos pertence e o que não faz parte de nosso acervo da personalidade e de comportamentos psicológicos.


Aplicação prática

É vital e urgente ANOTAR TUDO para que não desperdicemos lições valiosas, especialmente as que envolvem dor e sofrer. A vida na atualidade exige planejamento para que nossa existência não entre no rol das falidas.

Não se compare a outras pessoas – cada um de nós é um universo único.

Metodologia:

‒ Analisar e anotar nossas características apontadas pela repetição de situações do cotidiano;

‒ Catalogar as observações a respeito dos modelos familiares;

‒ Avaliar as relacionadas ao efeito espelho;

‒ Estudar as opiniões a nosso respeito;

‒ Procurar compreender os recados das doenças;

‒ Observar as projeções ajuda a perceber o lado negado;

‒ Catalogar os impulsos é da maior importância;

‒ Buscar ajuda para diagnóstico de influências espirituais e se preciso nos tratamentos de desobsessão e

‒ Um ponto importante é passar tudo pelo crivo da Ética proposta por Jesus.

Muitas posturas hoje consideradas normais, pelo fato da maioria apresentar-se dessa forma, nos induzem a pensar que não é preciso reformá-las. Exemplo: Ansiedade doentia e Medo mórbido sinalizam problemas psicológicos do espírito e que precisam ser corrigidos – não com remédios; assim como não há remédio para intolerância, ganância, inveja…; ansiedade e medo serão corrigidos de forma definitiva apenas pela atitude de Reforma íntima.


Conclusão.

Conforme nos mostra a Doutrina Espírita, com critério, estudo e trabalho perseverante, é possível montar o diagnóstico uma imagem muito mais próxima da realidade evolutiva do nosso espírito.

Não é necessário que nos preocupemos de forma exagerada com relação às mudanças – essa atitude gera culpa e remorso que tendem a travar o progresso – a tendência é que o conhecimento induza à transformação de forma progressiva e natural.

O conhecimento de nós mesmos deve ser um trabalho bem humorado, alegre e devemos nos sentir felizes ao realizá-lo.

Sem conhecimento de nós mesmos não há Reforma Íntima – Sem diagnóstico preciso e correio não há cura.

A cura não será milagrosa – as recaídas serão inevitáveis.

Somos seres ainda com pouca consciência a respeito de quem somos nós e o que fazemos aqui. Mais reagimos a situações externas do que agimos de forma proativa – inevitável que nos surpreendamos a pensar, sentir e agir como antes do esforço da mudança.

O que fazer? Recomeçar. Recomeçar. Recomeçar.



quinta-feira, 29 de junho de 2017

Contribuição dos Povos para a implantação do Cristianismo[1]



Robert Hastings Nihols[2]


Uma das coisas que tornaram o estudo da história da Igreja Cristã uma inspiração é que ele nos convence que Deus está, realmente, operando a salvação do gênero humano no mundo em que vivemos. Em parte alguma verificamos essa operação divina mais claramente do que na maneira extraordinária e maravilhosa como foi o mundo antigo preparado para a vinda de Jesus Cristo. Ele veio na plenitude dos tempos, quando todas as coisas tinham sido dispostas de tal modo, pela mão do Pai, que a vinda do Filho obteve pleno êxito. Para compreender melhor essa preparação do mundo para o advento do Cristianismo, vamos considerar, em primeiro lugar, a contribuição de três grandes povos. Cada um, no seu tempo, pela providência divina, criou as condições na sociedade em que o Cristianismo surgiu realizando as suas primeiras conquistas.


Os romanos

Quando o Cristianismo surgiu, e durante os primeiros séculos de sua existência, os romanos eram senhores do mundo. Assim os consideramos, não obstante haver muitíssimas regiões fora do seu domínio, porque a parte que governaram foi aquele em que a civilização do mundo estava então realizando os seus notáveis progressos. Os habitantes desse império o consideravam como abrangendo o mundo, pois ignoravam o que existia além das suas fronteiras. Além disso, o mundo romano incluía todas as terras que seriam alcançadas pelo Cristianismo durante os três primeiros séculos da Era Cristã. Por volta do ano 50 d.C., o império abrangia a Europa ao sul do Reno e do Danúbio, a maior parte da Inglaterra, o Egito e toda a costa norte da África, como também grande parte da Ásia, desde o Mediterrâneo até a Mesopotâmia.
Não tinha sido somente pela força que os romanos tinham dominado todas as regiões; eles a governavam de modo efetivo e inteligente, pois para onde quer que estendessem o seu domínio, eles levavam uma civilização incomparavelmente superior à anteriormente existente naquelas terras. O poder desse império foi mais acentuado, e sua administração mais eficiente, nas terras adjacentes ao Mediterrâneo, exatamente onde o Cristianismo foi primeiramente implantado.
Com o seu império, os romanos se tornaram os mais úteis instrumentos de Deus no preparo do mundo para o advento do Cristianismo. Esse império, que incluía grande parte do gênero humano, foi uma lição objetiva que provava ser a humanidade uma só. Por muitas eras, governos separados tinham formado grupamentos humanos que se sentiam diferentes e isolados de todos os outros grupos; mas, com o Império Romano, os povos se unificaram, no sentido de que todos os governos tinham sido derrubados e um poder único dominava em toda parte. O Cristianismo é uma religião de caráter universal, que não conhece distinções de raças, que apela para os homens simplesmente como homens, tornando todos UM em Cristo. Para essa religião, a preparação mais valiosa foi a unificação de todos os povos sob o poder político de Roma.
Além disso, o poder de Roma trouxe uma paz universal, a Pax Romana. As guerras entre as nações tornaram-se quase impossíveis sob a égide desse poderoso império. Essa paz entre os povos favoreceu extraordinariamente a disseminação, entre as nações, da religião que pretendia um domínio espiritual universal.
Finalmente, a administração romana, que era sábia, forte e vigilante, tornou fáceis e seguras as viagens e as comunicações entre as diferentes partes do mundo. Os piratas, que estorvavam a navegação, foram varridos dos mares. Por terra, as esplêndidas estradas romanas davam acesso a todas as partes do império. Essas estradas notáveis tinham, nessa civilização, a mesma função das nossas atuais estradas de rodagem e estradas de ferro. Essas vias de comunicação eram tão policiadas que os ladrões desistiram dos seus assaltos. Assim, as viagens e o intercâmbio comercial tiveram um extraordinário incremento. É provável que, durante os primeiros temos do Cristianismo, as pessoas se locomoviam de uma cidade para outra ou de um país para outro muito mais que em qualquer outra época, exceto depois da Idade Média. Os que sabem como as atuais facilidades de transporte têm auxiliado o trabalho missionário podem compreender o que isso significou para a implantação do Cristianismo. Teria sido impossível ao apóstolo Paulo realizar sua carreira missionária sem essa liberdade e facilidade de trânsito que eram possibilitadas pelo império romano. Esse fato contribuiu muitíssimo para o progresso do Cristianismo nos seus primeiros anos; as portas abertas que a nova fé encontrou ao longo de todo o mundo civilizado facilitaram o livre intercâmbio entre os países onde as novas ideias deveriam ser pregadas e encorajaram os movimentos dos primeiros missionários.

Os gregos

Ao surgir o Cristianismo, os povos que habitavam as regiões do Mediterrâneo tinham sido profundamente influenciados pelo espírito do povo grego. As colônias gregas, algumas das quais com centenas de anos, estavam amplamente disseminadas ao longo da costa de todo o Mediterrâneo. Com seu comércio, os gregos foram a todos os lugares.
A sua influência espalhou-se e foi mais acentuada nas cidades e nos país que se constituíam nos mais importantes centros do mundo de então. Tão poderosa foi a influência dos gregos, que denominamos esse mundo antigo de greco-romano, porque ele era governado politicamente por Roma, mas a mentalidade dos povos desse império tinha sido moldada fundamentalmente pelos gregos.
Por muitos séculos antes da Era Cristã, os gregos foram detentores da vida intelectual mais vigorosa e mais desenvolvida do mundo. Questões sobre as quais os homens cogitavam – a origem e significado do mundo, a existência de Deus e do homem, o bem e o mal, enfim, tudo o que se relacionava com as pesquisas filosóficas -, foram objeto de meditação dos gregos mais do que de qualquer outro povo. É verdade que os hebreus tinham recebido uma revelação de Deus e de sua vontade que os gregos jamais possuíram, mas os judeus não eram dados às pesquisas, às indagações, nem se interessavam pela discussão dessas questões, como o eram os gregos. Do século 6º ao século 3º antes de Cristo, um grande movimento intelectual a respeito de temas filosóficos e teológicos ocorreu entre os gregos, movimento no qual pontificaram os mais profundos e influentes pensadores do mundo, que ensinaram muita coisa de valor que ainda hoje perdura. Como consequência disso, verificou-se um desenvolvimento maravilhoso da mentalidade do povo grego, que aprendeu a pensar muito e profundamente sobre as questões debatidas pelos seus filósofos. O raciocínio e a curiosidade dessas pessoas desenvolveram-se ao máximo. Como exemplo dessas influência, temos Sócrates aparecendo nas praças públicas de Atenas, fazendo perguntas e debatendo assuntos e ideias que obrigavam os homens a meditar sobre questões que jamais tinham entrado nas suas cogitações. Isso teve como resultado que o grego típico tornou-se um homem vivaz, inquiridor, polemista, ansioso por falar sobre assuntos profundos e sobre questões que se relacionavam com o céu e a terra.
É fácil compreender o resultado do contato dos gregos com outros povos. A sua influência se relacionavam com as grandes questões da vida. Esse tipo de curiosidade intelectual e essa prontidão de raciocínio prevaleciam nos principais centros do mundo greco-romano, lugares esses que depois foram alcançados pelos primeiros missionários com a pregação do Cristianismo. Assim, os povos desses lugares estavam mais dispostos a receber a nova religião do que estariam se não fosse a influência dos gregos.
Os gregos fizeram outra contribuição importante ao preparo dos mundo para o advento do Cristianismo ao disseminar a língua em que este seria pregado ao gênero humano pela primeira vez. Uma prova da extensão da influência do grego vê-se no fato de que a língua mais falada nos países situados às margens do Mediterrâneo era o dialeto grego conhecido por KOINÊ ou dialeto “comum”. Era essa a língua universal do mundo greco-romano que era usada para todos os fins no intercâmbio popular. Quem quer que a falasse seria entendido em toda parte, especialmente nos grandes centros onde o Cristianismo foi primeiramente implantado. Os primeiros missionários, como, por exemplo, Paulo, pregaram quase sempre nessa língua, e nela foram escritos os livros que vieram a constituir o nosso Novo Testamento. Assim, a religião universal encontrou, para que pudesse ser difundida e conhecida entre todos os homens, uma língua universal; e essa ajuda inestimável foi, por Deus, providenciada por intermédio do povo grego.

Os judeus

Os hebreus, ou judeus, constituíram o povo divinamente indicado para mordomos da verdadeira religião. A missão deles foi receber de Deus uma revelação especial a respeito do próprio Deus e da sua vontade, assenhorar-se desse ensino divino à medida que o iam recebendo numa revelação progressiva, preservá-lo na sua pureza e integridade, de modo que, na “plenitude dos tempos”, eles, os judeus, se constituíssem numa benção para todos os povos. Não podemos entender a grandeza da vida nacional desse povo sem que reconheçamos a sua história como uma preparação divina do mundo para o aparecimento da religião por meio da qual Deus se propusera salvar o gênero humano.
Os judeus, como se tem dito com muito acerto, prepararam o “berço do Cristianismo”, fizeram os preparativos para o seu nascimento e o alimentaram na sua primeira infância. Prepararam antecipadamente a vida religiosa em que foram instruídos o próprio Senhor Jesus e todos os cristãos primitivos, inclusive os apóstolos e os primeiros missionários. Em parte alguma do mundo, quando do surgimento do Cristianismo, havia uma vida religiosa tão pura e tão forte como a existente entre os melhores representantes da religião judaica, cujas características essenciais eram duas: a mais alta concepção de Deus conhecida entre os homens, como resultado do ensino do Antigo Testamento; e o mais alto ideal de vida moral que se conhecia, resultante dessa sublime concepção de Deus. Humanamente falando, não podemos ver como a vida e os ensinos de Jesus pudessem ter procedido da vida religiosa de qualquer outro povo a não ser dos judeus. Não podemos ver como outro povo, a não ser o judeu, podia se dispor a receber, no seu início, a religião que Cristo trouxe, e estendê-la a toda parte. Preparados nessa religião mais antiga (o Judaísmo), religião que era tão intimamente aparentada com o Cristianismo, os judeus eram necessários para difundir e pregar a nova religião. Para os que bem conhecem a vida dos gregos e dos romanos, é fácil sentir a impossibilidade de arrebanhar, entre eles, homens que fossem para o Cristianismo, o que vieram a ser os primeiros discípulos, Paulo e os apóstolos.
Em segundo lugar, os judeus prepararam o caminho para o Cristianismo porque se constituíam numa etnia que aguardava o que o Cristianismo oferecia: um Salvador divino. A esperança de um Messias era acariciada por todos os judeus como a mais preciosa das suas possessões. É verdade que muitos alimentavam essa esperança com uma concepção grosseira, materialista. Porém, em todas as concepções havia um elemento essencial: a ardente expectativa de um enviado de Deus para redimir o seu povo. Jamais houve entre os demais povos uma esperança ou perspectiva do futuro comparável à esperança messiânica dos judeus. O que havia, realmente, no mundo grego e no mundo romano era uma forte dose de desespero, de cansaço, de desilusão. O Cristianismo encontrou todos os seus primeiros seguidores entre os judeus, e o elemento que os habilitou a receber a nova religião foi a esperança de um Salvador divino.
Em terceiro lugar, os livros sagrados dos judeus foram um auxílio inestimável. O nosso Antigo Testamento foi por eles entesourado como um relato da manifestação do próprio Deus na sua vida nacional. Assim a nova religião foi suprida, no seu nascimento, por uma literatura religiosa que ultrapassou, infinitamente, qualquer outra desse gênero então existente, e que confirmava os ensinos cristãos, prenunciando Cristo pelas profecias. O Cristianismo, antes de produzir os próprios livros, encontrou, prontos para o seu uso, os antigos manuscritos que lhe foram de grande ajuda. Jesus fez uso constante do Antigo Testamento para nutrir a própria vida e basear os seus ensinos, e, consoante seu exemplo, as Escrituras judaicas eram lidas regularmente nas reuniões de culto dos primitivos cristãos. Todos os cristãos, judeus ou não, retiravam delas instrução e inspiração incalculáveis. Note-se também que o Antigo Testamento era conhecido de numerosos gentios que tinham sido atraídos para a religião judaica como a mais pura que podiam encontrar, e, assim, essa religião se tornou um meio pelo qual muitos desses homens foram a Jesus.
Julgamos também ser necessário dizer algo sobre a importante contribuição que os elementos judaicos da Dispersão (Diáspora) fizeram à preparação para o Cristianismo. Trata-se dos judeus que foram espalhados em decorrência dos cativeiros que sofreram. Esses judeus podiam ser encontrados em quase todas as cidades do antigo mundo greco-romano. Para onde quer que fossem, eles conservavam a sua religião e mantinham as suas sinagogas. Em muitos lugares realizavam trabalho missionário ativo. Assim, ganharam entre os gentios numerosos prosélitos e tornaram conhecidos os ensinamentos da sua religião a muitos outros que, embora só em parte, os aceitaram. Essa missão judaica foi uma precursora muito útil das missões cristãs, porque espalhou, extensivamente, entre os gentios, certos elementos religiosos básicos que são essenciais tanto ao Cristianismo como ao Judaísmo. Um desses elementos era a crença monoteísta, a crença num só Deus. Outro era uma lei moral elevada que tanto e Judaísmo como o Cristianismo ensinavam ser parte integrante da religião. Nisso ambos se diferenciavam das religiões pagãs, que nada ensinavam sobre a conduta humana. Um terceiro elemento era e esperança num Salvador. Muitos gentios, pelo contato com os judeus, tinha sido inspirados por essa expectativa, preparando-se, desse modo, para a aceitação de Cristo como aquele Salvador que haveria de vir.
 



[1] História da Igreja Cristã – Robert Hastings Nichols – Editora Cultura Cristã
[2] Professor de História Eclesiástica do Auburn Theological – Seminary do Union Theological Seminary, U.S.A.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

ALGUMAS IDÉIAS QUE EINSTEIN FAZIA SOBRE DEUS[1]



Jorge Hessen


No século XIX Kardec indagou dos Espíritos: Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?
- Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a  causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá. Responderam os Espíritos [2]. 
A nossa compreensão de Deus muda na mesma proporção em que a nossa percepção sobre a vida se amplia. É uma tarefa difícil, quando o limitado tenta alcançar o Ilimitado, ou o finito entender o Infinito. Assim somos nós diante de Deus. As opiniões científicas ainda estão divididas quanto à origem do universo, mas há unanimidade num ponto, existe ordem no universo.
E “Sendo Deus a essência divina por excelência, unicamente os Espíritos que atingiram o mais alto grau de desmaterialização o podem perceber” [3]. Assinalamos aqui uma pequena digressão: é interessante notar que geralmente, nós imaginamos Deus como alguma coisa absolutamente externa. Pensamos em Deus como um ser ou algo separado de nós, advindo muitos conflitos.
Ora! Se o Todo-Poderoso também está dentro de nós, podemos mudar por nossa própria vontade. Mas se acreditamos que o Pai celestial está exclusivamente do lado externo, então supomos que só Ele pode nos mudar e não nos transformamos pela nossa própria vontade. Achamo-nos então, constantemente, em presença da Divindade; nenhuma das nossas ações lhe podem subtrair ao olhar; o nosso pensamento está em contato ininterrupto com o seu pensamento, havendo, pois, razão para dizer-se que Deus vê os mais profundos refolhos do nosso coração.
Albert Einstein, físico alemão de origem judaica que dispensa apresentações quando, em 1921, perguntado pelo rabino H. Goldstein, de New York, se acreditava em Deus, respondeu: “Acredito no Deus de Spinoza [vide neste blog Deus, segundo Baruch Spinoza (Deus falando com você)], que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens” [4]·.
Nesta mesma ocasião, muitos líderes religiosos diziam que a teoria da relatividade “encobre com um manto o horrível fantasma do ateísmo, e obscurece especulações, produzindo uma dúvida universal sobre Deus e sua criação” [5]. Tese que discordamos integralmente , pois Einstein confessou a um assistente que no fundo, seu único interesse era descobrir se no instante da criação Deus teve escolha de fazer um universo diferente e, caso tenha tido opção, por que é que decidiu criar esse universo singular que conhecemos e não outro qualquer? Dizia ainda, Minha religião consiste em humilde admiração do espírito superior e ilimitado que se revela nos menores detalhes que podemos perceber em nossos espíritos frágeis e incertos. Essa convicção, profundamente emocional na presença de um poder racionalmente superior, que se revela no incompreensível universo, é a ideias que faço de Deus[6].
Outros cientistas expunham que da megaestrutura dos astros à infraestrutura subatômica, tudo está mergulhado na substância viva da mente de Deus. O físico americano Paul Davies no seu livro intitulado Deus e a Nova Física afirma categoricamente que o universo foi desenhado por uma consciência cósmica[7]. O Universo, portanto, constituídos por esses milhões de sóis, regido por leis universais, imutáveis, completas, às quais se acham sujeitas todas as criaturas, é a exteriorização do Pensamento Divino. Portanto, o Criador “É” Único…
Fonte: A Luz na Mente


[2] Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio [de Janeiro]: FEB, 1994, Questão 4.
[3] Kardec, Allan. A Gênese, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, Cap. II – A Providência, item 34.
[4] Citado em Golgher, I. O Universo Físico e humano e Albert Einstein, B.H: Oficina de Livros, 1991, p. 304.
[5] Citado em Idem, ibidem, pp 304-305.
[6] Einstein Albert. Extraído do livro “As mais belas orações de todos os tempos”.
[7] Davies, Paul. Deus e a Nova Física, Lisboa: Edições 70, 1986, p. 157.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Fenômenos de Transporte[1]

 


Esse fenômeno é, sem contradita, um dos mais extraordinários entre os apresentados pelas manifestações espíritas e, também, um dos mais raros. Consiste no transporte espontâneo de um objeto que não existe no local em que nos encontramos.
Nós já o conhecíamos há muito tempo, por ouvir dizer; mas como há pouco nos foi dado testemunhá-lo, podemos agora de ele falar com conhecimento de causa. Digamos, primeiramente, que é um dos que mais se prestam à imitação; em consequência, faz-se necessário que nos guardemos contra a trapaça. Sabe-se até onde pode ir a arte da prestidigitação, no caso de experiências desse gênero; mas, sem se haver com gente do ofício, poder-se-ia facilmente ser enganado por uma hábil manobra. A melhor de todas as garantias está no caráter, na honorabilidade notória, no desinteresse absoluto da pessoa que obtém semelhantes efeitos; em segundo lugar, no exame atento de todas as circunstâncias em que se produzem os fatos; enfim, no conhecimento esclarecido do Espiritismo, único que pode fazer descobrir o que seria suspeito.
Dissemos que o fenômeno é um dos mais raros e, menos que os outros, talvez não se produza à vontade e no momento certo. Algumas vezes, embora raramente, pode ser provocado; mas na maioria das vezes é espontâneo. Portanto, quem quer que se vanglorie de obtê-lo à vontade e à hora marcada pode, sem temor, ser tachado de ignorante e suspeito de fraude, principalmente se nele se misturar o menor motivo de interesse material. Um médium que tirasse um proveito qualquer de sua faculdade pode realmente ser médium; mas como essa faculdade está sujeita a intermitências, e os fenômenos dependem exclusivamente da vontade dos Espíritos, que não se submetem ao nosso capricho, resulta que o médium interessado, para não se atrapalhar ou para produzir mais efeito, conforme as circunstâncias, chama a astúcia em seu auxílio, porque, para ele, é preciso que o Espírito aja de qualquer maneira; caso contrário este é substituído pela esperteza do médium, que por vezes se oculta sob os mais simples disfarces.
Feitas estas reflexões preliminares, que tiveram por fim pôr em guarda os observadores, vamos voltar ao nosso assunto.
Mas, antes de falar do que nos concerne, julgamos dever relatar a carta seguinte, que nos foi enviada de Orléans, a 14 de fevereiro último.
Senhor,
É um espírita convicto que vos escreve esta carta. Os fatos que ela relata são raros; devem servir ao bem de todos e já levaram a convicção a várias pessoas que nos cercam e que os testemunharam.
O primeiro fato passou-se em 1º de janeiro de 1861.
Uma de minhas parentas, que possui em supremo grau a faculdade mediúnica e que a ignorava completamente antes que eu lhe tivesse falado do Espiritismo, via algumas vezes sua mãe, mas tomava o fato como uma alucinação e tratava de evitá-la. No dia 1º de janeiro último, por volta das três horas da tarde, viu-a novamente. O sobressalto que ela e o marido experimentaram, embora este nada visse, impediu-a de se dar conta de seus movimentos. Alguns minutos depois, entrando novamente nesse aposento, seu marido viu sobre a mesa um anel, que a esposa reconheceu perfeitamente como sendo o anel da mãe dela, que a própria filha havia posto no dedo da genitora quando da morte desta última. Alguns dias mais tarde, como aquela senhora sofresse de uma sufocação, a que era sujeita, aconselhei a seu marido que a magnetizasse, o que ele fez; ao cabo de três minutos, ela adormeceu profundamente e a lucidez foi perfeita. Então ela disse ao marido que sua mãe lhe havia trazido o anel para lhe provar que está com eles e que vela por eles.
Seu marido lhe pergunta se ela vê a filha morta há oito anos, com dois anos de idade, e se esta lhe pode trazer uma lembrança. A sonâmbula responde que ela está lá, assim como a mãe de seu marido; que no dia seguinte lhe trará uma rosa e que ele a encontrará sobre a escrivaninha. O fato realizou-se; a rosa murcha estava acompanhada de um papel, sobre o qual estavam escritas estas palavras: “A meu querido papai. Laura”. Dois dias depois, sono magnético; o marido pergunta se poderia receber cabelos de sua própria mãe. Seu desejo é executado no mesmo instante: os cabelos estão sobre a lareira. Depois, duas cartas foram escritas espontaneamente pelas duas mães.
Chego a fatos que se passaram em minha casa. Após um estudo sério de vossas obras sobre o Espiritismo, veio-me a fé, sem que tivesse visto um único fato. “O Livro dos Médiuns” me havia incitado a tentar escrever, mas sem nenhum resultado. Persuadido de que nada obteria sem a presença da pessoa da qual falei acima, pedi-lhe que viesse a Orléans, assim como o marido. Segunda-feira, 11 de fevereiro, às 10 horas da noite, sono magnético e êxtase; ela vê junto de si e de nós os Espíritos que a acompanham e tinham prometido acompanhá-la. Pergunto se eu seria médium escrevente; ela responde: “Sim, dentro de 15 dias”; acrescenta que no dia seguinte escreverá por intermédio de sua mãe para convencer um de meus amigos, rogando-me que o traga comigo. No dia seguinte, 12, às 8 horas da manhã, sono; perguntamos se lhe devemos dar um lápis: “Não”, disse ela; “minha mãe está perto de ti e escreve; sua carta está sobre a lareira”. Vou até lá e encontro um papel dobrado, contendo estas palavras: “Crede e orai; estou convosco. Isto é para vos convencer”. Disse-me ainda que nessa noite eu poderia tentar escrever, com sua mão posta sobre a minha. Eu não ousava esperar tal resultado; entretanto, escrevi estas palavras: “Crede; vou voltar; não esqueçais o magnetismo; não demoreis muito tempo”. Minha parenta devia partir no dia seguinte. À noite escrevemos isto: “A ciência espírita não é uma brincadeira; é verdadeira; o magnetismo pode conduzir a ela. Orai e invocai aqueles que o coração vos disser. Não fiqueis mais por muito tempo. Catherine”. Era o nome de sua mãe.
Ordenaram-me várias vezes que vos escrevesse estes fatos; fui até censurado por não havê-lo feito antes; aliás, ela me disse que poderíeis ter a prova do que vos digo, e que sua própria mãe iria vos confirmar os fatos, se a chamásseis. Recebei etc..
Esta carta relata dois fenômenos notáveis: o dos transportes e o da escrita direta. A propósito, faremos uma observação essencial: é que, quando o marido e a mulher obtiveram os primeiros resultados, estavam sós, preocupados com o que lhes pudesse acontecer e não tinham o menor interesse em se enganarem mutuamente. Em segundo lugar, o transporte do anel, que havia sido enterrado com a mãe, é um fato positivo que não podia ser resultado de uma trapaça, pois não se brinca com essas coisas.
Vários fatos da mesma natureza nos foram relatados por pessoas que gozam da nossa inteira confiança, e que se passaram em circunstâncias também autênticas; mas eis um de que fomos duas vezes testemunha ocular, assim como vários membros da Sociedade.
A Srta. V. B..., jovem de 16 ou 17 anos, é excelente médium escrevente e ao mesmo tempo sonâmbula muito clarividente. Durante o sono ela vê principalmente o Espírito de um de seus primos, que por diversas vezes já lhe havia trazido diferentes objetos, entre os quais anéis, bombons em grande quantidade e flores. É sempre necessário que ela esteja adormecida cerca de duas horas antes da produção do fenômeno. A primeira vez que assistimos a uma manifestação do gênero, houve o transporte de um anel que lhe foi colocado na mão. Para nós, que conhecíamos a jovem e seus pais, gente muito honesta, não havia nenhum motivo de dúvida. No entanto, confessamos que, para os estranhos, a maneira pela qual isto se passou era pouco concludente. O mesmo não ocorreu na outra sessão. Após duas horas de sono prévio, durante as quais a jovem sonâmbula ocupou-se de coisas muito interessantes, conquanto estranhas ao nosso objetivo, o Espírito apareceu-lhe com um ramo de flores, visível apenas para ela. Não foi senão após muito tempo, estimulado por ardente desejo e provocado por incessantes pedidos, que o Espírito fez cair a seus pés um ramo de açaflor. A moça não se deu por satisfeita; o Espírito tinha ainda algo que ela queria; novas súplicas durante cerca de meia hora, depois do que um maço de violetas, envolvidas por musgo, apareceu no soalho. Algum tempo depois um bombom, grande como um punho, caiu ao seu lado; pelo gosto reconheceram tratar-se de conserva de abacaxi, que parecia ter sido amassada nas mãos.
Tudo isto durou cerca de uma hora e, durante esse tempo, a sonâmbula esteve constantemente isolada de todos os assistentes; seu próprio magnetizador manteve-se a grande distância. Nós estávamos colocados de maneira a não perder de vista um único movimento, e declaramos sinceramente que não houve a menor coisa suspeita. Nessa sessão o Espírito, que se chama Léon, prometeu vir à Sociedade para dar as explicações que lhe fossem pedidas.
Evocamo-lo na sessão da Sociedade, de 1º de março, simultaneamente com o Espírito da Sra. Catherine, que se havia manifestado em Orléans. Eis a conversa que se seguiu:
1. Evocação da Sra. Catherine.
– Estou presente e pronta a responder.
2. Dissestes à vossa filha e à vossa parenta de Orléans que viríeis confirmar aqui os fenômenos que elas testemunharam. Ficaremos muito contentes se recebermos vossas explicações a respeito. A princípio, eu perguntaria com que objetivo insististes tanto para que me escrevessem relatando esses fatos?
– O que eu disse, estou pronta a fazê-lo, pois a vós é que mais se deve instruir. Eu havia dito a meus filhos que vos comunicassem essas provas, tendo em vista a propagação do Espiritismo.
3. Há poucos dias fui testemunha de fatos análogos e vou pedir ao Espírito que os produziu a gentileza de vir. Tendo podido observar todas as fases do fenômeno, espero dirigir-lhe várias perguntas. Peço que vos unais a ele para completar as respostas, caso necessário.
– Farei o que me pedis; com os dois haverá mais clareza e precisão.
4. Evocação de Léon.
– Eis-me pronto a cumprir a promessa que vos fiz, senhor.
Observação – Muito frequentemente os Espíritos se eximem de nossas fórmulas de polidez. Este oferece a particularidade de servir-se sempre da palavra senhor, toda vez que o evocamos.
5. Peço nos digais por que esses fenômenos só se produzem durante o sono magnético do médium?
– Isto se deve à natureza do médium. Os fatos que produzo, quando o meu está adormecido, poderiam igualmente produzir-se em estado de vigília.
6. Por que fazeis esperar tanto tempo o transporte de objetos e por que excitais a cobiça do médium, exasperando seu desejo de obter o objeto prometido?
– Esse tempo é-me necessário para preparar os fluidos que servem ao transporte. Quanto à excitação, é apenas para divertir os presentes e a sonâmbula.
7. Eu tinha pensado que a excitação poderia produzir mais abundante emissão de fluidos da parte do médium e facilitar a combinação necessária.
– Vós vos enganastes, senhor; os fluidos que nos são necessários não pertencem ao médium, mas ao Espírito e, em certos casos, pode-se mesmo prescindir-se deles, e o transporte ocorrer imediatamente.
8. A produção do fenômeno se deve à natureza especial do médium? Poderia dar-se por outros médiuns com mais facilidade e presteza?
– A produção se deve à natureza do médium e só pode realizar-se com outros de natureza correspondente. Quanto à prontidão, o hábito que adquirimos, correspondendo muitas vezes com o mesmo médium, nos é de grande valia.
9. A natureza do médium deve corresponder à natureza do fato ou à do Espírito?
– Faz-se mister que corresponda à natureza do fato, e não à do Espírito.
10. A influência das pessoas presentes tem algum significado?
– Quando há incredulidade e oposição, podem prejudicar bastante. Preferimos fazer nossas provas com crentes e pessoas versadas no Espiritismo, mas com isso não queremos dizer que a má vontade possa paralisar-nos completamente.
11. Aqui só há crentes e pessoas muito simpáticas. Há algum empecilho em que o fato ocorra?
– Sim: aquele para o qual não estou preparado nem disposto.
12. Estaríeis num outro dia?
– Sim.
13. Poderíeis fixá-lo?
– Um dia em que nada me pedirdes eu virei de improviso surpreender-vos com um bonito ramo de flores.
14. Talvez haja pessoas que preferissem bombons.
– Se há gastrônomos, também podem ser contentados. Creio que as mulheres, que não desdenham das flores, gostarão ainda mais dos bombons.
15. A Srta. V. B. precisará ficar em estado sonambúlico?
– Farei o transporte com ela desperta.
16. Onde pegastes as flores e os bombons que transportastes?
– As flores eu as colho nos jardins, onde me agradam.
17. Mas, e os bombons? O comerciante não lhes nota a falta?
– Eu os pego onde me apraz. O comerciante nada percebe, porque ponho outros no lugar.
18. Mas os anéis têm um valor. Onde os pegastes? Isto não prejudica àqueles de quem os tirastes?
– Tirei-os de lugares de todos desconhecidos, e de modo que ninguém possa sofrer qualquer prejuízo.
19. É possível trazer flores de outro planeta?  
– Não; a mim não é possível.
20. Outros Espíritos o poderiam?
– Sim; há Espíritos mais elevados do que eu que podem fazê-lo; quanto a mim, não posso encarregar-me disto. Contentai-vos com o que vos trago.
21. Poderíeis trazer flores de um outro hemisfério, dos trópicos, por exemplo?
– Desde que sejam da Terra, posso.
22. Como introduzistes esses objetos outro dia, já que a sala estava fechada?
– Fi-los entrar comigo, por assim dizer envoltos em minha substância. Quanto a vos falar mais longamente, isto não é explicável.
23. [À Sra. Catherine] – Considerando-se que o anel que trouxestes à vossa filha estava enterrado convosco, como o obtivestes?
– Retirei-o da terra e o trouxe a minha filha.
24. [A Léon] – Como tornastes visíveis esses objetos que, um instante antes, eram invisíveis?
– Tirei a matéria que os envolvia.
25. Poderíeis fazer desaparecer esses objetos que transportastes e os transportar novamente?
– Assim como os trouxe, posso levá-los à vontade.
26. Ontem... (o Espírito retifica escrevendo: quarta-feira.) Exatamente; quarta-feira o médium vos viu tomar uma tesoura e cortar flores de laranjeira no ramalhete que está em seu quarto. Realmente tiveste necessidade de um instrumento cortante para isso?
– Absolutamente; eu não tinha tesoura, mas me fiz ver assim para que ficassem bem certos de que era eu quem as tirava.
27. Mas o buquê estava sob um globo de vidro?
– Oh! Eu bem podia tirar o globo.
28. Tiraste o globo?
– Não.
29. Não compreendemos como isto pode acontecer. Credes que um dia chegaremos a ter a explicação desse fenômeno?
– Em pouco tempo mesmo; não apenas o cremos: temos certeza.
30. Quem acaba de responder? Léon ou a Sra. Catherine?
Nós dois.
31. A produção do fenômeno dos transportes vos causa alguma aflição, um embaraço qualquer?
– Não nos causa nenhuma dificuldade, quando temos permissão, mas poderiam causar, e grandes, se quiséssemos produzir efeitos sem que, para isto, estivéssemos autorizados.
32. Quais as dificuldades que encontrais?
– Nenhuma outra senão as más disposições fluídicas que nos podem ser contrárias.
33. Como trazeis o objeto? Segurais com as mãos?
– Não; nós o envolvemos em nós.
34. Traríeis com a mesma facilidade um objeto de peso considerável, de 50 quilos, por exemplo?
– O peso nada representa para nós; trazemos flores porque isto talvez seja mais agradável do que um peso volumoso.
35. Por vezes há desaparecimento de objetos cuja causa é ignorada e que se poderia atribuir aos Espíritos?
– Isto acontece frequentemente; muito mais do que pensais. Tal ocorrência poderia ser remediada se pedíssemos ao Espírito para restituir o objeto desaparecido.
36. Há efeitos que são considerados como fenômenos naturais e que sejam devidos à ação de certos Espíritos?
– Vossos dias estão repletos de fatos que não compreendeis, porque não pensastes neles, mas que um pouco de reflexão vos faria ver claramente.
37. Entre os objetos transportados, não se encontram alguns que podem ser fabricados pelos Espíritos, isto é, produzidos espontaneamente pelas modificações que estes imprimem ao fluido ou ao elemento universal?
– Não por mim, pois para isso não tenho permissão; só um Espírito elevado o pode.
38. Um objeto feito de tal maneira poderia ter estabilidade e tornar-se um objeto de uso? Se um Espírito me fizesse uma tabaqueira, por exemplo, poderia servir-me dela?
– Poderia ter, se o Espírito o quisesse. Mas, também, poderia ser apenas para a vista e desvanecer-se ao cabo de algumas horas.
Observação – Pode-se classificar na categoria dos fenômenos de transporte os que se passaram na Rua des Noyers e que relatamos na Revista do mês de agosto de 1860, com a diferença de que, neste último caso, são produzidos por um Espírito malévolo, que apenas deseja causar perturbação, enquanto nos fenômenos aqui tratados são Espíritos benevolentes que procuram ser agradáveis e testemunhar simpatia.
Nota – Sobre a teoria da formação espontânea dos objetos, vide O Livro dos Médiuns, capítulo intitulado Laboratório do Mundo Invisível.


[1] Revista Espírita – Maio/1861 – Allan Kardec