Esse fenômeno é, sem contradita,
um dos mais extraordinários entre os apresentados pelas manifestações espíritas
e, também, um dos mais raros. Consiste no transporte espontâneo de um objeto
que não existe no local em que nos encontramos.
Nós já o conhecíamos há muito
tempo, por ouvir dizer; mas como há pouco nos foi dado testemunhá-lo, podemos
agora de ele falar com conhecimento de causa. Digamos, primeiramente, que é um
dos que mais se prestam à imitação; em consequência, faz-se necessário que nos
guardemos contra a trapaça. Sabe-se até onde pode ir a arte da prestidigitação,
no caso de experiências desse gênero; mas, sem se haver com gente do ofício,
poder-se-ia facilmente ser enganado por uma hábil manobra. A melhor de todas as
garantias está no caráter, na honorabilidade notória, no desinteresse absoluto
da pessoa que obtém semelhantes efeitos; em segundo lugar, no exame atento de
todas as circunstâncias em que se produzem os fatos; enfim, no conhecimento
esclarecido do Espiritismo, único que pode fazer descobrir o que seria
suspeito.
Dissemos que o fenômeno é um dos
mais raros e, menos que os outros, talvez não se produza à vontade e no momento
certo. Algumas vezes, embora raramente, pode ser provocado; mas na maioria das
vezes é espontâneo. Portanto, quem quer que se vanglorie de obtê-lo à vontade e
à hora marcada pode, sem temor, ser tachado de ignorante e suspeito de fraude,
principalmente se nele se misturar o menor motivo de interesse material. Um
médium que tirasse um proveito qualquer de sua faculdade pode realmente ser
médium; mas como essa faculdade está sujeita a intermitências, e os fenômenos
dependem exclusivamente da vontade dos Espíritos, que não se submetem ao nosso
capricho, resulta que o médium interessado, para não se atrapalhar ou para
produzir mais efeito, conforme as circunstâncias, chama a astúcia em seu
auxílio, porque, para ele, é preciso que o Espírito aja de qualquer maneira;
caso contrário este é substituído pela esperteza do médium, que por vezes se oculta
sob os mais simples disfarces.
Feitas estas reflexões
preliminares, que tiveram por fim pôr em guarda os observadores, vamos voltar
ao nosso assunto.
Mas, antes de falar do que nos
concerne, julgamos dever relatar a carta seguinte, que nos foi enviada de
Orléans, a 14 de fevereiro último.
Senhor,
É um espírita convicto que vos escreve esta carta. Os fatos que ela
relata são raros; devem servir ao bem de todos e já levaram a convicção a
várias pessoas que nos cercam e que os testemunharam.
O primeiro fato passou-se em 1º de janeiro de 1861.
Uma de minhas parentas, que possui em supremo grau a faculdade
mediúnica e que a ignorava completamente antes que eu lhe tivesse falado do
Espiritismo, via algumas vezes sua mãe, mas tomava o fato como uma alucinação e
tratava de evitá-la. No dia 1º de janeiro último, por volta das três horas da
tarde, viu-a novamente. O sobressalto que ela e o marido experimentaram, embora
este nada visse, impediu-a de se dar conta de seus movimentos. Alguns minutos
depois, entrando novamente nesse aposento, seu marido viu sobre a mesa um anel,
que a esposa reconheceu perfeitamente como sendo o anel da mãe dela, que a
própria filha havia posto no dedo da genitora quando da morte desta última.
Alguns dias mais tarde, como aquela senhora sofresse de uma sufocação, a que
era sujeita, aconselhei a seu marido que a magnetizasse, o que ele fez; ao cabo
de três minutos, ela adormeceu profundamente e a lucidez foi perfeita. Então
ela disse ao marido que sua mãe lhe havia trazido o anel para lhe provar que
está com eles e que vela por eles.
Seu marido lhe pergunta se ela vê a filha morta há oito anos, com dois
anos de idade, e se esta lhe pode trazer uma lembrança. A sonâmbula responde
que ela está lá, assim como a mãe de seu marido; que no dia seguinte lhe trará
uma rosa e que ele a encontrará sobre a escrivaninha. O fato realizou-se; a
rosa murcha estava acompanhada de um papel, sobre o qual estavam escritas estas
palavras: “A meu querido papai. Laura”. Dois dias depois, sono magnético; o
marido pergunta se poderia receber cabelos de sua própria mãe. Seu desejo é
executado no mesmo instante: os cabelos estão sobre a lareira. Depois, duas
cartas foram escritas espontaneamente pelas duas mães.
Chego a fatos que se passaram em minha casa. Após um estudo sério de
vossas obras sobre o Espiritismo, veio-me a fé, sem que tivesse visto um único
fato. “O Livro dos Médiuns” me havia incitado a tentar escrever, mas sem nenhum
resultado. Persuadido de que nada obteria sem a presença da pessoa da qual
falei acima, pedi-lhe que viesse a Orléans, assim como o marido. Segunda-feira,
11 de fevereiro, às 10 horas da noite, sono magnético e êxtase; ela vê junto de
si e de nós os Espíritos que a acompanham e tinham prometido acompanhá-la.
Pergunto se eu seria médium escrevente; ela responde: “Sim, dentro de 15 dias”;
acrescenta que no dia seguinte escreverá por intermédio de sua mãe para
convencer um de meus amigos, rogando-me que o traga comigo. No dia seguinte,
12, às 8 horas da manhã, sono; perguntamos se lhe devemos dar um lápis: “Não”,
disse ela; “minha mãe está perto de ti e escreve; sua carta está sobre a
lareira”. Vou até lá e encontro um papel dobrado, contendo estas palavras: “Crede
e orai; estou convosco. Isto é para vos convencer”. Disse-me ainda que nessa
noite eu poderia tentar escrever, com sua mão posta sobre a minha. Eu não
ousava esperar tal resultado; entretanto, escrevi estas palavras: “Crede; vou
voltar; não esqueçais o magnetismo; não demoreis muito tempo”. Minha parenta
devia partir no dia seguinte. À noite escrevemos isto: “A ciência espírita não
é uma brincadeira; é verdadeira; o magnetismo pode conduzir a ela. Orai e
invocai aqueles que o coração vos disser. Não fiqueis mais por muito tempo.
Catherine”. Era o nome de sua mãe.
Ordenaram-me várias vezes que vos escrevesse estes fatos; fui até
censurado por não havê-lo feito antes; aliás, ela me disse que poderíeis ter a
prova do que vos digo, e que sua própria mãe iria vos confirmar os fatos, se a
chamásseis. Recebei etc..
Esta carta relata dois fenômenos
notáveis: o dos transportes e o da escrita direta. A propósito, faremos
uma observação essencial: é que, quando o marido e a mulher obtiveram os
primeiros resultados, estavam sós, preocupados com o que lhes pudesse acontecer
e não tinham o menor interesse em se enganarem mutuamente. Em segundo lugar, o
transporte do anel, que havia sido enterrado com a mãe, é um fato positivo que
não podia ser resultado de uma trapaça, pois não se brinca com essas coisas.
Vários fatos da mesma natureza
nos foram relatados por pessoas que gozam da nossa inteira confiança, e que se
passaram em circunstâncias também autênticas; mas eis um de que fomos duas
vezes testemunha ocular, assim como vários membros da Sociedade.
A Srta. V. B..., jovem de 16 ou
17 anos, é excelente médium escrevente e ao mesmo tempo sonâmbula muito
clarividente. Durante o sono ela vê principalmente o Espírito de um de seus
primos, que por diversas vezes já lhe havia trazido diferentes objetos, entre
os quais anéis, bombons em grande quantidade e flores. É sempre necessário que
ela esteja adormecida cerca de duas horas antes da produção do fenômeno. A
primeira vez que assistimos a uma manifestação do gênero, houve o transporte de
um anel que lhe foi colocado na mão. Para nós, que conhecíamos a jovem e seus
pais, gente muito honesta, não havia nenhum motivo de dúvida. No entanto,
confessamos que, para os estranhos, a maneira pela qual isto se passou era
pouco concludente. O mesmo não ocorreu na outra sessão. Após duas horas de sono
prévio, durante as quais a jovem sonâmbula ocupou-se de coisas muito
interessantes, conquanto estranhas ao nosso objetivo, o Espírito apareceu-lhe
com um ramo de flores, visível apenas para ela. Não foi senão após muito tempo,
estimulado por ardente desejo e provocado por incessantes pedidos, que o
Espírito fez cair a seus pés um ramo de açaflor. A moça não se deu por
satisfeita; o Espírito tinha ainda algo que ela queria; novas súplicas durante
cerca de meia hora, depois do que um maço de violetas, envolvidas por musgo, apareceu
no soalho. Algum tempo depois um bombom, grande como um punho, caiu ao seu
lado; pelo gosto reconheceram tratar-se de conserva de abacaxi, que parecia ter
sido amassada nas mãos.
Tudo isto durou cerca de uma
hora e, durante esse tempo, a sonâmbula esteve constantemente isolada de todos
os assistentes; seu próprio magnetizador manteve-se a grande distância. Nós
estávamos colocados de maneira a não perder de vista um único movimento, e
declaramos sinceramente que não houve a menor coisa suspeita. Nessa sessão o
Espírito, que se chama Léon, prometeu vir à Sociedade para dar as explicações
que lhe fossem pedidas.
Evocamo-lo na sessão da
Sociedade, de 1º de março, simultaneamente com o Espírito da Sra. Catherine,
que se havia manifestado em Orléans. Eis a conversa que se seguiu:
1. Evocação da Sra. Catherine.
– Estou presente e
pronta a responder.
2. Dissestes à vossa filha e à vossa parenta de Orléans que
viríeis confirmar aqui os fenômenos que elas testemunharam. Ficaremos muito
contentes se recebermos vossas explicações a respeito. A princípio, eu
perguntaria com que objetivo insististes tanto para que me escrevessem
relatando esses fatos?
– O que eu disse,
estou pronta a fazê-lo, pois a vós é que mais se deve instruir. Eu havia dito a
meus filhos que vos comunicassem essas provas, tendo em vista a propagação do
Espiritismo.
3. Há poucos dias fui testemunha de fatos análogos e vou
pedir ao Espírito que os produziu a gentileza de vir. Tendo podido observar
todas as fases do fenômeno, espero dirigir-lhe várias perguntas. Peço que vos
unais a ele para completar as respostas, caso necessário.
– Farei o que me
pedis; com os dois haverá mais clareza e precisão.
4. Evocação de Léon.
– Eis-me pronto a
cumprir a promessa que vos fiz, senhor.
Observação –
Muito frequentemente os Espíritos se eximem de nossas fórmulas de polidez. Este
oferece a particularidade de servir-se sempre da palavra senhor, toda vez que o
evocamos.
5. Peço nos digais por que esses fenômenos só se produzem
durante o sono magnético do médium?
– Isto se deve à
natureza do médium. Os fatos que produzo, quando o meu está adormecido,
poderiam igualmente produzir-se em estado de vigília.
6. Por que fazeis esperar tanto tempo o transporte de
objetos e por que excitais a cobiça do médium, exasperando seu desejo de obter
o objeto prometido?
– Esse tempo é-me
necessário para preparar os fluidos que servem ao transporte. Quanto à
excitação, é apenas para divertir os presentes e a sonâmbula.
7. Eu tinha pensado que a excitação poderia produzir mais
abundante emissão de fluidos da parte do médium e facilitar a combinação
necessária.
– Vós vos enganastes,
senhor; os fluidos que nos são necessários não pertencem ao médium, mas ao
Espírito e, em certos casos, pode-se mesmo prescindir-se deles, e o transporte ocorrer
imediatamente.
8. A produção do fenômeno se deve à natureza especial do
médium? Poderia dar-se por outros médiuns com mais facilidade e presteza?
– A produção se deve à
natureza do médium e só pode realizar-se com outros de natureza correspondente.
Quanto à prontidão, o hábito que adquirimos, correspondendo muitas vezes com o
mesmo médium, nos é de grande valia.
9. A natureza do médium deve corresponder à natureza do fato
ou à do Espírito?
– Faz-se mister que
corresponda à natureza do fato, e não à do Espírito.
10. A influência das pessoas presentes tem algum significado?
– Quando há
incredulidade e oposição, podem prejudicar bastante. Preferimos fazer nossas
provas com crentes e pessoas versadas no Espiritismo, mas com isso não queremos
dizer que a má vontade possa paralisar-nos completamente.
11. Aqui só há crentes e pessoas muito simpáticas. Há algum
empecilho em que o fato ocorra?
– Sim: aquele para o
qual não estou preparado nem disposto.
12. Estaríeis num outro dia?
– Sim.
13. Poderíeis fixá-lo?
– Um dia em que nada
me pedirdes eu virei de improviso surpreender-vos com um bonito ramo de flores.
14. Talvez haja pessoas que preferissem bombons.
– Se há gastrônomos,
também podem ser contentados. Creio que as mulheres, que não desdenham das
flores, gostarão ainda mais dos bombons.
15. A Srta. V. B. precisará ficar em estado sonambúlico?
– Farei o transporte
com ela desperta.
16. Onde pegastes as flores e os bombons que transportastes?
– As flores eu as
colho nos jardins, onde me agradam.
17. Mas, e os bombons? O comerciante não lhes nota a falta?
– Eu os pego onde me
apraz. O comerciante nada percebe, porque ponho outros no lugar.
18. Mas os anéis têm um valor. Onde os pegastes? Isto não
prejudica àqueles de quem os tirastes?
– Tirei-os de lugares
de todos desconhecidos, e de modo que ninguém possa sofrer qualquer prejuízo.
19. É possível trazer flores de outro planeta?
– Não; a mim não é
possível.
20. Outros Espíritos o poderiam?
– Sim; há Espíritos
mais elevados do que eu que podem fazê-lo; quanto a mim, não posso
encarregar-me disto. Contentai-vos com o que vos trago.
21. Poderíeis trazer flores de um outro hemisfério, dos trópicos,
por exemplo?
– Desde que sejam da
Terra, posso.
22. Como introduzistes esses objetos outro dia, já que a
sala estava fechada?
– Fi-los entrar
comigo, por assim dizer envoltos em minha substância. Quanto a vos falar mais
longamente, isto não é explicável.
23. [À Sra. Catherine] – Considerando-se que o anel que trouxestes
à vossa filha estava enterrado convosco, como o obtivestes?
– Retirei-o da terra e
o trouxe a minha filha.
24. [A Léon] – Como tornastes visíveis esses objetos que, um
instante antes, eram invisíveis?
– Tirei a matéria que
os envolvia.
25. Poderíeis fazer desaparecer esses objetos que transportastes
e os transportar novamente?
– Assim como os
trouxe, posso levá-los à vontade.
26. Ontem... (o Espírito retifica escrevendo: quarta-feira.)
Exatamente; quarta-feira o médium vos viu tomar uma tesoura e cortar flores de
laranjeira no ramalhete que está em seu quarto. Realmente tiveste necessidade
de um instrumento cortante para isso?
– Absolutamente; eu
não tinha tesoura, mas me fiz ver assim para que ficassem bem certos de que era
eu quem as tirava.
27. Mas o buquê estava sob um globo de vidro?
– Oh! Eu bem podia
tirar o globo.
28. Tiraste o globo?
– Não.
29. Não compreendemos como isto pode acontecer. Credes que
um dia chegaremos a ter a explicação desse fenômeno?
– Em pouco tempo mesmo; não apenas o cremos: temos certeza.
30. Quem acaba de responder? Léon ou a Sra. Catherine?
– Nós dois.
31. A produção do fenômeno dos transportes vos causa alguma
aflição, um embaraço qualquer?
– Não nos causa
nenhuma dificuldade, quando temos permissão, mas poderiam causar, e grandes, se
quiséssemos produzir efeitos sem que, para isto, estivéssemos autorizados.
32. Quais as dificuldades que encontrais?
– Nenhuma outra senão
as más disposições fluídicas que nos podem ser contrárias.
33. Como trazeis o objeto? Segurais com as mãos?
– Não; nós o
envolvemos em nós.
34. Traríeis com a mesma facilidade um objeto de peso considerável,
de 50 quilos, por exemplo?
– O peso nada
representa para nós; trazemos flores porque isto talvez seja mais agradável do
que um peso volumoso.
35. Por vezes há desaparecimento de objetos cuja causa é
ignorada e que se poderia atribuir aos Espíritos?
– Isto acontece frequentemente;
muito mais do que pensais. Tal ocorrência poderia ser remediada se pedíssemos
ao Espírito para restituir o objeto desaparecido.
36. Há efeitos que são considerados como fenômenos naturais
e que sejam devidos à ação de certos Espíritos?
– Vossos dias estão
repletos de fatos que não compreendeis, porque não pensastes neles, mas que um
pouco de reflexão vos faria ver claramente.
37. Entre os objetos transportados, não se encontram alguns
que podem ser fabricados pelos Espíritos, isto é, produzidos espontaneamente
pelas modificações que estes imprimem ao fluido ou ao elemento universal?
– Não por mim, pois
para isso não tenho permissão; só um Espírito elevado o pode.
38. Um objeto feito de tal maneira poderia ter estabilidade
e tornar-se um objeto de uso? Se um Espírito me fizesse uma tabaqueira, por
exemplo, poderia servir-me dela?
– Poderia ter, se o
Espírito o quisesse. Mas, também, poderia ser apenas para a vista e desvanecer-se
ao cabo de algumas horas.
Observação –
Pode-se classificar na categoria dos fenômenos de transporte os que se passaram
na Rua des Noyers e que relatamos na Revista do mês de agosto de 1860, com a
diferença de que, neste último caso, são produzidos por um Espírito malévolo, que
apenas deseja causar perturbação, enquanto nos fenômenos aqui tratados são Espíritos benevolentes que procuram ser agradáveis
e testemunhar simpatia.
Nota – Sobre
a teoria da formação espontânea dos objetos, vide O Livro dos Médiuns, capítulo intitulado Laboratório do Mundo Invisível.
[1] Revista Espírita – Maio/1861 – Allan Kardec
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