Robert Hastings Nihols[2]
Uma das coisas que tornaram o
estudo da história da Igreja Cristã uma inspiração é que ele nos convence que
Deus está, realmente, operando a salvação do gênero humano no mundo em que
vivemos. Em parte alguma verificamos essa operação divina mais claramente do
que na maneira extraordinária e maravilhosa como foi o mundo antigo preparado
para a vinda de Jesus Cristo. Ele veio na plenitude
dos tempos, quando todas as coisas tinham sido dispostas de tal modo, pela
mão do Pai, que a vinda do Filho obteve pleno êxito. Para compreender melhor
essa preparação do mundo para o advento do Cristianismo, vamos considerar, em
primeiro lugar, a contribuição de três grandes povos. Cada um, no seu tempo,
pela providência divina, criou as condições na sociedade em que o Cristianismo
surgiu realizando as suas primeiras conquistas.
Os romanos
Quando o Cristianismo surgiu, e
durante os primeiros séculos de sua existência, os romanos eram senhores do
mundo. Assim os consideramos, não obstante haver muitíssimas regiões fora do
seu domínio, porque a parte que governaram foi aquele em que a civilização do
mundo estava então realizando os seus notáveis progressos. Os habitantes desse
império o consideravam como abrangendo o mundo, pois ignoravam o que existia
além das suas fronteiras. Além disso, o mundo romano incluía todas as terras
que seriam alcançadas pelo Cristianismo durante os três primeiros séculos da
Era Cristã. Por volta do ano 50 d.C., o império abrangia a Europa ao sul do
Reno e do Danúbio, a maior parte da Inglaterra, o Egito e toda a costa norte da
África, como também grande parte da Ásia, desde o Mediterrâneo até a
Mesopotâmia.
Não tinha sido somente pela
força que os romanos tinham dominado todas as regiões; eles a governavam de
modo efetivo e inteligente, pois para onde quer que estendessem o seu domínio,
eles levavam uma civilização incomparavelmente superior à anteriormente
existente naquelas terras. O poder desse império foi mais acentuado, e sua
administração mais eficiente, nas terras adjacentes ao Mediterrâneo, exatamente
onde o Cristianismo foi primeiramente implantado.
Com o seu império, os romanos se
tornaram os mais úteis instrumentos de Deus no preparo do mundo para o advento
do Cristianismo. Esse império, que incluía grande parte do gênero humano, foi
uma lição objetiva que provava ser a humanidade uma só. Por muitas eras,
governos separados tinham formado grupamentos humanos que se sentiam diferentes
e isolados de todos os outros grupos; mas, com o Império Romano, os povos se
unificaram, no sentido de que todos os governos tinham sido derrubados e um
poder único dominava em toda parte. O Cristianismo é uma religião de caráter
universal, que não conhece distinções de raças, que apela para os homens
simplesmente como homens, tornando todos UM em Cristo. Para essa religião, a
preparação mais valiosa foi a unificação de todos os povos sob o poder político
de Roma.
Além disso, o poder de Roma
trouxe uma paz universal, a Pax Romana.
As guerras entre as nações tornaram-se quase impossíveis sob a égide desse
poderoso império. Essa paz entre os povos favoreceu extraordinariamente a
disseminação, entre as nações, da religião que pretendia um domínio espiritual
universal.
Finalmente, a administração
romana, que era sábia, forte e vigilante, tornou fáceis e seguras as viagens e
as comunicações entre as diferentes partes do mundo. Os piratas, que estorvavam
a navegação, foram varridos dos mares. Por terra, as esplêndidas estradas
romanas davam acesso a todas as partes do império. Essas estradas notáveis
tinham, nessa civilização, a mesma função das nossas atuais estradas de rodagem
e estradas de ferro. Essas vias de comunicação eram tão policiadas que os
ladrões desistiram dos seus assaltos. Assim, as viagens e o intercâmbio
comercial tiveram um extraordinário incremento. É provável que, durante os
primeiros temos do Cristianismo, as pessoas se locomoviam de uma cidade para
outra ou de um país para outro muito mais que em qualquer outra época, exceto
depois da Idade Média. Os que sabem como as atuais facilidades de transporte têm
auxiliado o trabalho missionário podem compreender o que isso significou para a
implantação do Cristianismo. Teria sido impossível ao apóstolo Paulo realizar
sua carreira missionária sem essa liberdade e facilidade de trânsito que eram
possibilitadas pelo império romano. Esse fato contribuiu muitíssimo para o
progresso do Cristianismo nos seus primeiros anos; as portas abertas que a nova
fé encontrou ao longo de todo o mundo civilizado facilitaram o livre
intercâmbio entre os países onde as novas ideias deveriam ser pregadas e
encorajaram os movimentos dos primeiros missionários.
Os gregos
Ao surgir o Cristianismo, os
povos que habitavam as regiões do Mediterrâneo tinham sido profundamente
influenciados pelo espírito do povo grego. As colônias gregas, algumas das
quais com centenas de anos, estavam amplamente disseminadas ao longo da costa
de todo o Mediterrâneo. Com seu comércio, os gregos foram a todos os lugares.
A sua influência espalhou-se e
foi mais acentuada nas cidades e nos país que se constituíam nos mais
importantes centros do mundo de então. Tão poderosa foi a influência dos
gregos, que denominamos esse mundo antigo de greco-romano, porque ele era
governado politicamente por Roma, mas a mentalidade dos povos desse império
tinha sido moldada fundamentalmente pelos gregos.
Por muitos séculos antes da Era
Cristã, os gregos foram detentores da vida intelectual mais vigorosa e mais
desenvolvida do mundo. Questões sobre as quais os homens cogitavam – a origem e
significado do mundo, a existência de Deus e do homem, o bem e o mal, enfim,
tudo o que se relacionava com as pesquisas filosóficas -, foram objeto de
meditação dos gregos mais do que de qualquer outro povo. É verdade que os
hebreus tinham recebido uma revelação de Deus e de sua vontade que os gregos
jamais possuíram, mas os judeus não eram dados às pesquisas, às indagações, nem
se interessavam pela discussão dessas questões, como o eram os gregos. Do
século 6º ao século 3º antes de Cristo, um grande movimento intelectual a
respeito de temas filosóficos e teológicos ocorreu entre os gregos, movimento
no qual pontificaram os mais profundos e influentes pensadores do mundo, que
ensinaram muita coisa de valor que ainda hoje perdura. Como consequência disso,
verificou-se um desenvolvimento maravilhoso da mentalidade do povo grego, que
aprendeu a pensar muito e profundamente sobre as questões debatidas pelos seus
filósofos. O raciocínio e a curiosidade dessas pessoas desenvolveram-se ao
máximo. Como exemplo dessas influência, temos Sócrates aparecendo nas praças
públicas de Atenas, fazendo perguntas e debatendo assuntos e ideias que
obrigavam os homens a meditar sobre questões que jamais tinham entrado nas suas
cogitações. Isso teve como resultado que o grego típico tornou-se um homem
vivaz, inquiridor, polemista, ansioso por falar sobre assuntos profundos e
sobre questões que se relacionavam com o céu e a terra.
É fácil compreender o resultado
do contato dos gregos com outros povos. A sua influência se relacionavam com as
grandes questões da vida. Esse tipo de curiosidade intelectual e essa prontidão
de raciocínio prevaleciam nos principais centros do mundo greco-romano, lugares
esses que depois foram alcançados pelos primeiros missionários com a pregação
do Cristianismo. Assim, os povos desses lugares estavam mais dispostos a
receber a nova religião do que estariam se não fosse a influência dos gregos.
Os gregos fizeram outra
contribuição importante ao preparo dos mundo para o advento do Cristianismo ao
disseminar a língua em que este seria pregado ao gênero humano pela primeira
vez. Uma prova da extensão da influência do grego vê-se no fato de que a língua
mais falada nos países situados às margens do Mediterrâneo era o dialeto grego
conhecido por KOINÊ ou dialeto “comum”. Era essa a língua universal do mundo
greco-romano que era usada para todos os fins no intercâmbio popular. Quem quer
que a falasse seria entendido em toda parte, especialmente nos grandes centros
onde o Cristianismo foi primeiramente implantado. Os primeiros missionários,
como, por exemplo, Paulo, pregaram quase sempre nessa língua, e nela foram
escritos os livros que vieram a constituir o nosso Novo Testamento. Assim, a
religião universal encontrou, para que pudesse ser difundida e conhecida entre
todos os homens, uma língua universal; e essa ajuda inestimável foi, por Deus,
providenciada por intermédio do povo grego.
Os judeus
Os hebreus, ou judeus,
constituíram o povo divinamente indicado para mordomos da verdadeira religião.
A missão deles foi receber de Deus uma revelação especial a respeito do próprio
Deus e da sua vontade, assenhorar-se desse ensino divino à medida que o iam
recebendo numa revelação progressiva, preservá-lo na sua pureza e integridade,
de modo que, na “plenitude dos tempos”, eles, os judeus, se constituíssem numa
benção para todos os povos. Não podemos entender a grandeza da vida nacional
desse povo sem que reconheçamos a sua história como uma preparação divina do
mundo para o aparecimento da religião por meio da qual Deus se propusera salvar
o gênero humano.
Os judeus, como se tem dito com
muito acerto, prepararam o “berço do Cristianismo”, fizeram os preparativos
para o seu nascimento e o alimentaram na sua primeira infância. Prepararam
antecipadamente a vida religiosa em que foram instruídos o próprio Senhor Jesus
e todos os cristãos primitivos, inclusive os apóstolos e os primeiros
missionários. Em parte alguma do mundo, quando do surgimento do Cristianismo,
havia uma vida religiosa tão pura e tão forte como a existente entre os
melhores representantes da religião judaica, cujas características essenciais
eram duas: a mais alta concepção de Deus conhecida entre os homens, como
resultado do ensino do Antigo Testamento; e o mais alto ideal de vida moral que
se conhecia, resultante dessa sublime concepção de Deus. Humanamente falando,
não podemos ver como a vida e os ensinos de Jesus pudessem ter procedido da
vida religiosa de qualquer outro povo a não ser dos judeus. Não podemos ver
como outro povo, a não ser o judeu, podia se dispor a receber, no seu início, a
religião que Cristo trouxe, e estendê-la a toda parte. Preparados nessa
religião mais antiga (o Judaísmo), religião que era tão intimamente aparentada
com o Cristianismo, os judeus eram necessários para difundir e pregar a nova
religião. Para os que bem conhecem a vida dos gregos e dos romanos, é fácil
sentir a impossibilidade de arrebanhar, entre eles, homens que fossem para o
Cristianismo, o que vieram a ser os primeiros discípulos, Paulo e os apóstolos.
Em segundo lugar, os judeus
prepararam o caminho para o Cristianismo porque se constituíam numa etnia que
aguardava o que o Cristianismo oferecia: um Salvador divino. A esperança de um
Messias era acariciada por todos os judeus como a mais preciosa das suas
possessões. É verdade que muitos alimentavam essa esperança com uma concepção
grosseira, materialista. Porém, em todas as concepções havia um elemento
essencial: a ardente expectativa de um enviado de Deus para redimir o seu povo.
Jamais houve entre os demais povos uma esperança ou perspectiva do futuro
comparável à esperança messiânica dos judeus. O que havia, realmente, no mundo
grego e no mundo romano era uma forte dose de desespero, de cansaço, de
desilusão. O Cristianismo encontrou todos os seus primeiros seguidores entre os
judeus, e o elemento que os habilitou a receber a nova religião foi a esperança
de um Salvador divino.
Em terceiro lugar, os livros
sagrados dos judeus foram um auxílio inestimável. O nosso Antigo Testamento foi
por eles entesourado como um relato da manifestação do próprio Deus na sua vida
nacional. Assim a nova religião foi suprida, no seu nascimento, por uma
literatura religiosa que ultrapassou, infinitamente, qualquer outra desse
gênero então existente, e que confirmava os ensinos cristãos, prenunciando
Cristo pelas profecias. O Cristianismo, antes de produzir os próprios livros,
encontrou, prontos para o seu uso, os antigos manuscritos que lhe foram de
grande ajuda. Jesus fez uso constante do Antigo Testamento para nutrir a própria
vida e basear os seus ensinos, e, consoante seu exemplo, as Escrituras judaicas
eram lidas regularmente nas reuniões de culto dos primitivos cristãos. Todos os
cristãos, judeus ou não, retiravam delas instrução e inspiração incalculáveis.
Note-se também que o Antigo Testamento era conhecido de numerosos gentios que
tinham sido atraídos para a religião judaica como a mais pura que podiam
encontrar, e, assim, essa religião se tornou um meio pelo qual muitos desses
homens foram a Jesus.
Julgamos também ser necessário
dizer algo sobre a importante contribuição que os elementos judaicos da
Dispersão (Diáspora) fizeram à preparação para o Cristianismo. Trata-se dos
judeus que foram espalhados em decorrência dos cativeiros que sofreram. Esses
judeus podiam ser encontrados em quase todas as cidades do antigo mundo
greco-romano. Para onde quer que fossem, eles conservavam a sua religião e
mantinham as suas sinagogas. Em muitos lugares realizavam trabalho missionário
ativo. Assim, ganharam entre os gentios numerosos prosélitos e tornaram
conhecidos os ensinamentos da sua religião a muitos outros que, embora só em
parte, os aceitaram. Essa missão judaica foi uma precursora muito útil das
missões cristãs, porque espalhou, extensivamente, entre os gentios, certos elementos
religiosos básicos que são essenciais tanto ao Cristianismo como ao Judaísmo.
Um desses elementos era a crença monoteísta, a crença num só Deus. Outro era
uma lei moral elevada que tanto e Judaísmo como o Cristianismo ensinavam ser
parte integrante da religião. Nisso ambos se diferenciavam das religiões pagãs,
que nada ensinavam sobre a conduta humana. Um terceiro elemento era e esperança
num Salvador. Muitos gentios, pelo contato com os judeus, tinha sido inspirados
por essa expectativa, preparando-se, desse modo, para a aceitação de Cristo
como aquele Salvador que haveria de vir.
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