quinta-feira, 29 de junho de 2017

Contribuição dos Povos para a implantação do Cristianismo[1]



Robert Hastings Nihols[2]


Uma das coisas que tornaram o estudo da história da Igreja Cristã uma inspiração é que ele nos convence que Deus está, realmente, operando a salvação do gênero humano no mundo em que vivemos. Em parte alguma verificamos essa operação divina mais claramente do que na maneira extraordinária e maravilhosa como foi o mundo antigo preparado para a vinda de Jesus Cristo. Ele veio na plenitude dos tempos, quando todas as coisas tinham sido dispostas de tal modo, pela mão do Pai, que a vinda do Filho obteve pleno êxito. Para compreender melhor essa preparação do mundo para o advento do Cristianismo, vamos considerar, em primeiro lugar, a contribuição de três grandes povos. Cada um, no seu tempo, pela providência divina, criou as condições na sociedade em que o Cristianismo surgiu realizando as suas primeiras conquistas.


Os romanos

Quando o Cristianismo surgiu, e durante os primeiros séculos de sua existência, os romanos eram senhores do mundo. Assim os consideramos, não obstante haver muitíssimas regiões fora do seu domínio, porque a parte que governaram foi aquele em que a civilização do mundo estava então realizando os seus notáveis progressos. Os habitantes desse império o consideravam como abrangendo o mundo, pois ignoravam o que existia além das suas fronteiras. Além disso, o mundo romano incluía todas as terras que seriam alcançadas pelo Cristianismo durante os três primeiros séculos da Era Cristã. Por volta do ano 50 d.C., o império abrangia a Europa ao sul do Reno e do Danúbio, a maior parte da Inglaterra, o Egito e toda a costa norte da África, como também grande parte da Ásia, desde o Mediterrâneo até a Mesopotâmia.
Não tinha sido somente pela força que os romanos tinham dominado todas as regiões; eles a governavam de modo efetivo e inteligente, pois para onde quer que estendessem o seu domínio, eles levavam uma civilização incomparavelmente superior à anteriormente existente naquelas terras. O poder desse império foi mais acentuado, e sua administração mais eficiente, nas terras adjacentes ao Mediterrâneo, exatamente onde o Cristianismo foi primeiramente implantado.
Com o seu império, os romanos se tornaram os mais úteis instrumentos de Deus no preparo do mundo para o advento do Cristianismo. Esse império, que incluía grande parte do gênero humano, foi uma lição objetiva que provava ser a humanidade uma só. Por muitas eras, governos separados tinham formado grupamentos humanos que se sentiam diferentes e isolados de todos os outros grupos; mas, com o Império Romano, os povos se unificaram, no sentido de que todos os governos tinham sido derrubados e um poder único dominava em toda parte. O Cristianismo é uma religião de caráter universal, que não conhece distinções de raças, que apela para os homens simplesmente como homens, tornando todos UM em Cristo. Para essa religião, a preparação mais valiosa foi a unificação de todos os povos sob o poder político de Roma.
Além disso, o poder de Roma trouxe uma paz universal, a Pax Romana. As guerras entre as nações tornaram-se quase impossíveis sob a égide desse poderoso império. Essa paz entre os povos favoreceu extraordinariamente a disseminação, entre as nações, da religião que pretendia um domínio espiritual universal.
Finalmente, a administração romana, que era sábia, forte e vigilante, tornou fáceis e seguras as viagens e as comunicações entre as diferentes partes do mundo. Os piratas, que estorvavam a navegação, foram varridos dos mares. Por terra, as esplêndidas estradas romanas davam acesso a todas as partes do império. Essas estradas notáveis tinham, nessa civilização, a mesma função das nossas atuais estradas de rodagem e estradas de ferro. Essas vias de comunicação eram tão policiadas que os ladrões desistiram dos seus assaltos. Assim, as viagens e o intercâmbio comercial tiveram um extraordinário incremento. É provável que, durante os primeiros temos do Cristianismo, as pessoas se locomoviam de uma cidade para outra ou de um país para outro muito mais que em qualquer outra época, exceto depois da Idade Média. Os que sabem como as atuais facilidades de transporte têm auxiliado o trabalho missionário podem compreender o que isso significou para a implantação do Cristianismo. Teria sido impossível ao apóstolo Paulo realizar sua carreira missionária sem essa liberdade e facilidade de trânsito que eram possibilitadas pelo império romano. Esse fato contribuiu muitíssimo para o progresso do Cristianismo nos seus primeiros anos; as portas abertas que a nova fé encontrou ao longo de todo o mundo civilizado facilitaram o livre intercâmbio entre os países onde as novas ideias deveriam ser pregadas e encorajaram os movimentos dos primeiros missionários.

Os gregos

Ao surgir o Cristianismo, os povos que habitavam as regiões do Mediterrâneo tinham sido profundamente influenciados pelo espírito do povo grego. As colônias gregas, algumas das quais com centenas de anos, estavam amplamente disseminadas ao longo da costa de todo o Mediterrâneo. Com seu comércio, os gregos foram a todos os lugares.
A sua influência espalhou-se e foi mais acentuada nas cidades e nos país que se constituíam nos mais importantes centros do mundo de então. Tão poderosa foi a influência dos gregos, que denominamos esse mundo antigo de greco-romano, porque ele era governado politicamente por Roma, mas a mentalidade dos povos desse império tinha sido moldada fundamentalmente pelos gregos.
Por muitos séculos antes da Era Cristã, os gregos foram detentores da vida intelectual mais vigorosa e mais desenvolvida do mundo. Questões sobre as quais os homens cogitavam – a origem e significado do mundo, a existência de Deus e do homem, o bem e o mal, enfim, tudo o que se relacionava com as pesquisas filosóficas -, foram objeto de meditação dos gregos mais do que de qualquer outro povo. É verdade que os hebreus tinham recebido uma revelação de Deus e de sua vontade que os gregos jamais possuíram, mas os judeus não eram dados às pesquisas, às indagações, nem se interessavam pela discussão dessas questões, como o eram os gregos. Do século 6º ao século 3º antes de Cristo, um grande movimento intelectual a respeito de temas filosóficos e teológicos ocorreu entre os gregos, movimento no qual pontificaram os mais profundos e influentes pensadores do mundo, que ensinaram muita coisa de valor que ainda hoje perdura. Como consequência disso, verificou-se um desenvolvimento maravilhoso da mentalidade do povo grego, que aprendeu a pensar muito e profundamente sobre as questões debatidas pelos seus filósofos. O raciocínio e a curiosidade dessas pessoas desenvolveram-se ao máximo. Como exemplo dessas influência, temos Sócrates aparecendo nas praças públicas de Atenas, fazendo perguntas e debatendo assuntos e ideias que obrigavam os homens a meditar sobre questões que jamais tinham entrado nas suas cogitações. Isso teve como resultado que o grego típico tornou-se um homem vivaz, inquiridor, polemista, ansioso por falar sobre assuntos profundos e sobre questões que se relacionavam com o céu e a terra.
É fácil compreender o resultado do contato dos gregos com outros povos. A sua influência se relacionavam com as grandes questões da vida. Esse tipo de curiosidade intelectual e essa prontidão de raciocínio prevaleciam nos principais centros do mundo greco-romano, lugares esses que depois foram alcançados pelos primeiros missionários com a pregação do Cristianismo. Assim, os povos desses lugares estavam mais dispostos a receber a nova religião do que estariam se não fosse a influência dos gregos.
Os gregos fizeram outra contribuição importante ao preparo dos mundo para o advento do Cristianismo ao disseminar a língua em que este seria pregado ao gênero humano pela primeira vez. Uma prova da extensão da influência do grego vê-se no fato de que a língua mais falada nos países situados às margens do Mediterrâneo era o dialeto grego conhecido por KOINÊ ou dialeto “comum”. Era essa a língua universal do mundo greco-romano que era usada para todos os fins no intercâmbio popular. Quem quer que a falasse seria entendido em toda parte, especialmente nos grandes centros onde o Cristianismo foi primeiramente implantado. Os primeiros missionários, como, por exemplo, Paulo, pregaram quase sempre nessa língua, e nela foram escritos os livros que vieram a constituir o nosso Novo Testamento. Assim, a religião universal encontrou, para que pudesse ser difundida e conhecida entre todos os homens, uma língua universal; e essa ajuda inestimável foi, por Deus, providenciada por intermédio do povo grego.

Os judeus

Os hebreus, ou judeus, constituíram o povo divinamente indicado para mordomos da verdadeira religião. A missão deles foi receber de Deus uma revelação especial a respeito do próprio Deus e da sua vontade, assenhorar-se desse ensino divino à medida que o iam recebendo numa revelação progressiva, preservá-lo na sua pureza e integridade, de modo que, na “plenitude dos tempos”, eles, os judeus, se constituíssem numa benção para todos os povos. Não podemos entender a grandeza da vida nacional desse povo sem que reconheçamos a sua história como uma preparação divina do mundo para o aparecimento da religião por meio da qual Deus se propusera salvar o gênero humano.
Os judeus, como se tem dito com muito acerto, prepararam o “berço do Cristianismo”, fizeram os preparativos para o seu nascimento e o alimentaram na sua primeira infância. Prepararam antecipadamente a vida religiosa em que foram instruídos o próprio Senhor Jesus e todos os cristãos primitivos, inclusive os apóstolos e os primeiros missionários. Em parte alguma do mundo, quando do surgimento do Cristianismo, havia uma vida religiosa tão pura e tão forte como a existente entre os melhores representantes da religião judaica, cujas características essenciais eram duas: a mais alta concepção de Deus conhecida entre os homens, como resultado do ensino do Antigo Testamento; e o mais alto ideal de vida moral que se conhecia, resultante dessa sublime concepção de Deus. Humanamente falando, não podemos ver como a vida e os ensinos de Jesus pudessem ter procedido da vida religiosa de qualquer outro povo a não ser dos judeus. Não podemos ver como outro povo, a não ser o judeu, podia se dispor a receber, no seu início, a religião que Cristo trouxe, e estendê-la a toda parte. Preparados nessa religião mais antiga (o Judaísmo), religião que era tão intimamente aparentada com o Cristianismo, os judeus eram necessários para difundir e pregar a nova religião. Para os que bem conhecem a vida dos gregos e dos romanos, é fácil sentir a impossibilidade de arrebanhar, entre eles, homens que fossem para o Cristianismo, o que vieram a ser os primeiros discípulos, Paulo e os apóstolos.
Em segundo lugar, os judeus prepararam o caminho para o Cristianismo porque se constituíam numa etnia que aguardava o que o Cristianismo oferecia: um Salvador divino. A esperança de um Messias era acariciada por todos os judeus como a mais preciosa das suas possessões. É verdade que muitos alimentavam essa esperança com uma concepção grosseira, materialista. Porém, em todas as concepções havia um elemento essencial: a ardente expectativa de um enviado de Deus para redimir o seu povo. Jamais houve entre os demais povos uma esperança ou perspectiva do futuro comparável à esperança messiânica dos judeus. O que havia, realmente, no mundo grego e no mundo romano era uma forte dose de desespero, de cansaço, de desilusão. O Cristianismo encontrou todos os seus primeiros seguidores entre os judeus, e o elemento que os habilitou a receber a nova religião foi a esperança de um Salvador divino.
Em terceiro lugar, os livros sagrados dos judeus foram um auxílio inestimável. O nosso Antigo Testamento foi por eles entesourado como um relato da manifestação do próprio Deus na sua vida nacional. Assim a nova religião foi suprida, no seu nascimento, por uma literatura religiosa que ultrapassou, infinitamente, qualquer outra desse gênero então existente, e que confirmava os ensinos cristãos, prenunciando Cristo pelas profecias. O Cristianismo, antes de produzir os próprios livros, encontrou, prontos para o seu uso, os antigos manuscritos que lhe foram de grande ajuda. Jesus fez uso constante do Antigo Testamento para nutrir a própria vida e basear os seus ensinos, e, consoante seu exemplo, as Escrituras judaicas eram lidas regularmente nas reuniões de culto dos primitivos cristãos. Todos os cristãos, judeus ou não, retiravam delas instrução e inspiração incalculáveis. Note-se também que o Antigo Testamento era conhecido de numerosos gentios que tinham sido atraídos para a religião judaica como a mais pura que podiam encontrar, e, assim, essa religião se tornou um meio pelo qual muitos desses homens foram a Jesus.
Julgamos também ser necessário dizer algo sobre a importante contribuição que os elementos judaicos da Dispersão (Diáspora) fizeram à preparação para o Cristianismo. Trata-se dos judeus que foram espalhados em decorrência dos cativeiros que sofreram. Esses judeus podiam ser encontrados em quase todas as cidades do antigo mundo greco-romano. Para onde quer que fossem, eles conservavam a sua religião e mantinham as suas sinagogas. Em muitos lugares realizavam trabalho missionário ativo. Assim, ganharam entre os gentios numerosos prosélitos e tornaram conhecidos os ensinamentos da sua religião a muitos outros que, embora só em parte, os aceitaram. Essa missão judaica foi uma precursora muito útil das missões cristãs, porque espalhou, extensivamente, entre os gentios, certos elementos religiosos básicos que são essenciais tanto ao Cristianismo como ao Judaísmo. Um desses elementos era a crença monoteísta, a crença num só Deus. Outro era uma lei moral elevada que tanto e Judaísmo como o Cristianismo ensinavam ser parte integrante da religião. Nisso ambos se diferenciavam das religiões pagãs, que nada ensinavam sobre a conduta humana. Um terceiro elemento era e esperança num Salvador. Muitos gentios, pelo contato com os judeus, tinha sido inspirados por essa expectativa, preparando-se, desse modo, para a aceitação de Cristo como aquele Salvador que haveria de vir.
 



[1] História da Igreja Cristã – Robert Hastings Nichols – Editora Cultura Cristã
[2] Professor de História Eclesiástica do Auburn Theological – Seminary do Union Theological Seminary, U.S.A.

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