Allan Kardec
A Sra. *** havia perdido, há
alguns meses, sua filha única, de catorze anos, objeto de toda sua ternura e
muito digna de seu pesar, pelas qualidades que dela prometiam fazer uma mulher perfeita.
Essa jovem havia sucumbido a uma longa e dolorosa doença. Inconsolável com essa
perda, dia a dia a mãe via sua saúde alterar-se, repetindo sem cessar que em
breve iria reunir-se à filha.
Instruída da possibilidade de
comunicar-se com os seres de além-túmulo, a Sra. *** resolveu procurar, numa
conversa com a filha, um alívio para sua pena. Uma senhora de seu conhecimento
era médium; mas as duas, com pouca experiência para semelhantes evocações,
sobretudo em circunstância assim tão solene, rogaram-me que as assistisse.
Éramos apenas três: a mãe, a médium e eu.
Eis o resultado dessa primeira
sessão:
A mãe: Em nome de
Deus Todo-Poderoso, Espírito Júlia ***, minha filha querida, peço-te que
venhas, se Deus o permitir.
Júlia: Mãe! Estou
aqui!
A mãe: És tu mesma,
minha filha, que me respondes? Como posso saber que és tu?
Júlia: Lili. (Era
um pequeno apelido familiar dado à jovem em sua infância; não era conhecido nem
da médium, nem de mim, considerando-se que, há vários anos, só a chamavam pelo
seu nome de Júlia. A esse sinal, a identidade era evidente; não podendo dominar
a emoção, a mãe explode em soluços).
Júlia: Mãe! Por que
te afliges? Sou feliz, bem feliz: não sofro mais e te vejo sempre.
A mãe: Mas eu não te
vejo. Onde estás?
Júlia: Aqui, ao teu
lado, minha mão sobre a Sra. *** (a médium) para fazer-lhe escrever o que te digo. Vê a minha letra (a letra,
de fato, era de sua filha).
A mãe: Dizes: minha
mão; tens, então, um corpo?
Júlia: Não tenho mais
aquele corpo que tanto me fazia sofrer, mas lhe guardo a aparência. Não estás
contente por que eu não sofro mais e posso conversar contigo?
A mãe: Se eu te
visse, então, reconhecer-te-ia?
Júlia: Sim, sem
dúvida, e já me viste muitas vezes em teus sonhos.
A mãe: De fato, já te
revi em meus sonhos, mas pensei que fosse efeito da imaginação; uma lembrança.
Júlia: Não; sou eu
mesma que estou sempre contigo e procuro consolar-te; fui eu que te inspirei a ideia
de evocar-me. Tenho muitas coisas a te dizer. Desconfia do Sr. ***; ele não é
sincero. (Esse senhor, conhecido apenas da mãe, e citado assim espontaneamente,
era uma nova prova de identidade do Espírito que se manifestava.)
A mãe: Que pode,
pois, fazer contra mim o Sr. ***?
Júlia: Não te posso
dizer; isto me é proibido. Apenas te advirto para desconfiares dele.
A mãe: Estás entre os
anjos?
Júlia: Oh! Ainda não;
não sou bastante perfeita.
A mãe: Entretanto, eu
não via nenhum defeito em ti; tu eras boa, doce, amável e benevolente para com
todos; isso não basta?
Júlia: Para ti, mãe
querida, eu não tinha nenhum defeito; e eu o acreditava, pois mo dizias tantas
vezes! Mas, agora, vejo o que me falta para ser perfeita.
A mãe: Como
adquirirás as qualidades que te faltam?
Júlia: Em novas
existências, que serão cada vez mais felizes.
A mãe: É na Terra que
terás essas novas existências?
Júlia: Nada sei
quanto a isso.
A mãe: Considerando
que não havias feito o mal durante tua vida, por que sofreste tanto?
Júlia: Prova! Prova!
Eu a suportei com paciência, por minha confiança em Deus; sou muito feliz hoje,
por isso. Até breve, mãe querida!
Em presença de semelhantes
fatos, quem ousaria falar do vazio do túmulo, quando a vida futura se nos
revela assim tão palpável? Essa mãe, minada pelo desgosto, experimenta hoje uma
felicidade inefável em poder conversar com a filha; não há mais separação entre
elas; suas almas se confundem e se expandem no seio uma da outra, pela permuta
de seus pensamentos.
Apesar da discrição com que
cercamos este relato, não nos permitiríamos publicá-lo, se a isto não
estivéssemos formalmente autorizados. Disse-nos aquela mãe: possam todos quantos
perderam seus afetos na Terra sentir a mesma consolação que experimento!
Acrescentaremos somente uma
palavra aos que negam a existência dos Espíritos bons; perguntamos como
poderiam provar que o Espírito dessa moça fosse um demônio malfazejo.
[1]
Revista Espírita – Janeiro/1858
Que lindo! Que emocionante! E que bela lição. Obrigada!Faz muito bem para a alma. Obrigada.
ResponderExcluirmarialudo05@gmail.com
Realmente e muito emocionante. ... bendita seja a doutrina consoladora! !
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