João Donha - 13/04/2017
Tenho lido, repetidas vezes, afirmações de que
as práticas terapêuticas disseminadas pelos nossos centros (água fluidificada,
passe e desobsessão) seriam criações do espiritismo brasileiro. Não. Como
muitas outras coisas cujas origens são questionadas, essas práticas são também
de responsabilidade de Kardec. Senão, vejamo-las em citações do mestre lionês.
Justificativa da
terapia espírita
“As doenças fazem parte das provas e das vicissitudes da
vida terrena; são inerentes à grosseria da nossa natureza material e à
inferioridade do mundo que habitamos. As paixões e os excessos de toda ordem
semeiam em nós germens malsãos, às vezes hereditários. Nos mundos mais
adiantados, física ou moralmente, o organismo humano, mais depurado e menos
material, não está sujeito às mesmas enfermidades e o corpo não é minado
surdamente pelo corrosivo das paixões. (Cap. III, n° 9.) Temos, assim, de nos
resignar às consequências do meio onde nos coloca a nossa inferioridade, até
que mereçamos passar a outro. Isso, no entanto, não é de molde a impedir que,
esperando tal se dê, façamos o que de nós depende para melhorar as nossas
condições atuais. Se, porém, mau grado aos nossos esforços, não o conseguirmos,
o Espiritismo nos ensina a suportar com resignação os nossos passageiros males.
Se Deus não houvesse querido que os sofrimentos corporais se dissipassem ou
abrandassem em certos casos, não houvera posto ao nosso alcance meios de cura.
A esse respeito, a sua solicitude, em conformidade com o instinto de
conservação, indica que é dever nosso procurar esses meios e aplicá-los. A par
da medicação ordinária, elaborada pela Ciência, o magnetismo nos dá a conhecer
o poder da ação fluídica e o Espiritismo nos revela outra força poderosa na
mediunidade curadora e a influência da prece. (Ver, no Cap. XXVI, a notícia
sobre a mediunidade curadora)[2]
Fluidoterapia: água
fluidificada e passe
Pode (o Espírito), pela ação da sua
vontade, operar na matéria elementar uma transformação íntima, que lhe confira
determinadas propriedades. Esta faculdade é inerente à natureza do Espírito,
que muitas vezes a exerce de modo instintivo, quando necessário, sem disso se
aperceber. A existência de uma matéria elementar única está hoje quase
geralmente admitida pela Ciência, e os Espíritos, como se acaba de ver, a
confirmam. Todos os corpos da Natureza nascem dessa matéria que, pelas
transformações por que passa, também produz as diversas propriedades desses
mesmos corpos. Daí vem que uma substância salutar pode, por efeito de simples
modificação, tornar-se venenosa, fato de que a Química nos oferece numerosos
exemplos. Toda gente sabe que, combinadas em certas proporções, duas
substâncias inocentes podem dar origem a uma que seja deletéria. Uma parte de
oxigênio e duas de hidrogênio, ambos inofensivos, formam a água. Juntai um
átomo de oxigênio e tereis um liquido corrosivo. Sem mudança nenhuma das
proporções, às vezes, a simples alteração no modo de agregação molecular basta
para mudar as propriedades. Assim é que um corpo opaco pode tornar-se
transparente e vice-versa. Pois que ao Espírito é possível tão grande ação
sobre a matéria elementar, concebe-se que lhe seja dado não só formar substâncias,
mas também modificar-lhes as propriedades, fazendo para isto a sua vontade o
efeito de reativo. Esta teoria nos fornece a solução de um fato bem conhecido
em magnetismo, mas inexplicado até hoje: o da mudança das propriedades da água,
por obra da vontade. O Espírito atuante é o do magnetizador, quase sempre
assistido por outro Espírito.
Ele opera uma transmutação por
meio do fluido magnético que, como atrás dissemos, é a substância que mais se
aproxima da matéria cósmica, ou elemento universal. Ora, desde que ele pode
operar uma modificação nas propriedades da água, pode também produzir um
fenômeno análogo com os fluidos do organismo, donde o efeito curativo da ação
magnética, convenientemente dirigida. Sabe-se que papel capital desempenha a
vontade em todos os fenômenos do magnetismo. Porém, como se há de explicar a
ação material de tão sutil agente?
A vontade não é um ser, uma
substância qualquer; não é, sequer, uma propriedade da matéria mais etérea que
exista. A vontade é atributo essencial do Espírito, isto é, do ser pensante.
Com o auxílio dessa alavanca, ele atua sobre a matéria elementar e, por uma
ação consecutiva, reage sobre seus compostos, cujas propriedades íntimas vêm
assim a ficar transformadas. Tanto quanto do Espírito errante, a vontade é igualmente
atributo do Espírito encarnado; daí o poder do magnetizador, poder que se sabe
estar na razão direta da força de vontade. Podendo o Espírito encarnado atuar
sobre a matéria elementar, pode do mesmo modo mudar-lhe as propriedades, dentro
de certos limites. Assim se explica a faculdade de cura pelo contato e pela
imposição das mãos, faculdade que algumas pessoas possuem em grau mais ou menos
elevado. (Veja-se, no capítulo dos Médiuns, o parágrafo referente aos Médiuns
curadores. Veja-se também a Revue Spirite,
de julho de 1859, págs. 184 e 189: O zuavo de Magenta; Um oficial do exército
da Itália)[3]
Costumam argumentar que
tais citações referem-se aos magnetizadores e, não, aos espíritas comuns,
trabalhadores de nossos centros. De novo, não. Além dessa profissão de
“magnetizador”, existente no tempo de Kardec, ter desaparecido, e sua prática
ter sido historicamente absorvida pelos espíritas, temos afirmações dele
próprio que justificam tal acontecimento:
“Médiuns curadores. Os que têm o poder de curar ou aliviar
pela imposição das mãos ou pela prece. ‘Esta faculdade não é essencialmente
mediúnica: pertence a todos os verdadeiros crentes, sejam médiuns ou não;
muitas vezes não passa de uma exaltação da força magnética fortificada, caso
necessário, pelo concurso dos bons Espíritos.’ (n.175)[4]
Desobsessão
Pelas citações abaixo,
vemos que Kardec, ao contrário do que se acredita, não preconiza o tratamento
da obsessão apenas em relação aos médiuns, mas, sim, para todo e qualquer
indivíduo que o necessite. E os passos são aqueles conhecidos dos espíritas da
atualidade: esclarecimento do obsidiado, fluidoterapia (“mediante ação idêntica
à do médium curador”) e, esclarecimento e convencimento do espírito obsessor,
“em evocações particulares”.
A obsessão é a ação persistente
que um Espírito mau exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito
diversos, desde a simples influência moral, sem perceptíveis sinais exteriores,
até a perturbação completa do organismo e das faculdades mentais. Oblitera
todas as faculdades mediúnicas; traduz-se, na mediunidade escrevente, pela
obstinação de um Espírito em se manifestar, com exclusão de todos os outros. Os
Espíritos maus pululam em torno da Terra, em virtude da inferioridade moral de
seus habitantes. A ação malfazeja que eles desenvolvem faz parte dos flagelos
com que a Humanidade se vê a braços neste mundo. A obsessão, como as
enfermidades e todas as tribulações da vida, deve ser considerada prova ou
expiação e como tal aceitado mesmo modo que as doenças resultam das
imperfeições físicas, que tornam o corpo acessível às influências perniciosas
exteriores, a obsessão é sempre o resultado de uma imperfeição moral, que dá
acesso a um Espírito mau. Às causas físicas se opõem forças físicas; a uma
causa moral, tem-se de opor uma força moral. Para preservá-lo das enfermidades,
fortifica-se o corpo; para isentá-lo da obsessão, é preciso fortificar a alma,
pelo que necessário se torna que o
obsidiado trabalhe pela sua própria melhoria, o que as mais das vezes basta
para o livrar do obsessor, sem recorrer a terceiros. O auxílio destes se faz
indispensável, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque
aí não raro o paciente perde a vontade e o livre-arbítrio. Quase sempre, a
obsessão exprime a vingança que um Espírito tira e que com frequência se radica
nas relações que o obsidiado manteve com ele em precedente existência.
(Veja-se: Cap. X, n° 6; cap. XII, n° 5 e n° 6.)
Nos casos de obsessão grave, o
obsidiado se acha como que envolvido e impregnado de um fluido pernicioso, que
neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É desse fluido que importa
desembaraçá-lo. Ora, um fluido mau não pode ser eliminado por outro fluido mau.
Mediante ação idêntica à do médium curador nos casos de enfermidade, cumpre se
elimine o fluido mau com o auxílio de um fluido melhor, que produz, de certo
modo, o efeito de um reativo. Esta a ação mecânica, mas que não basta;
necessário, sobretudo, é que se atue sobre o ser inteligente, ao qual importa
se possa falar com autoridade, que só existe onde há superioridade moral.
Quanto maior for esta, tanto maior será igualmente a autoridade. E não é tudo:
para garantir-se a libertação, cumpre induzir o Espírito perverso a renunciar
aos seus maus desígnios; fazer que nele despontem o arrependimento e o desejo
do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações
particulares, objetivando a sua educação moral. Pode-se então lograr a dupla
satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito. A tarefa
se apresenta mais fácil quando o obsidiado, compreendendo a sua situação,
presta o concurso da sua vontade e da sua prece. O mesmo não se dá, quando,
seduzido pelo Espírito embusteiro, ele se ilude no tocante às qualidades
daquele que o domina e se compraz no erro em que este último o lança, visto
que, então, longe de secundar, repele toda assistência, É o caso da fascinação,
infinitamente mais rebelde do que a mais violenta subjugação. (O Livro aos Médiuns, 2ª Parte, cap.
XXIII)
Em todos os casos de obsessão, a
prece é o mais poderoso auxiliar de quem haja de atuar sobre o Espírito
obsessor.
Observação.
– A cura das obsessões graves requer muita paciência, perseverança e
devotamento. Exige também tato e habilidade, a fim de encaminhar para o bem Espíritos
muitas vezes perversos, endurecidos e astuciosos, porquanto há os rebeldes ao
extremo. Na maioria dos casos, temos de nos guiar pelas circunstâncias.
Qualquer que seja, porém, o caráter do Espírito, nada se obtém, é isto um fato
incontestável pelo constrangimento ou pela ameaça. Toda influência reside no
ascendente moral. Outra verdade igualmente comprovada pela experiência tanto
quanto pela lógica, é a completa ineficácia dos exorcismos, fórmulas, palavras
sacramentais, amuletos, talismãs, práticas exteriores, ou quaisquer sinais
materiais. A obsessão muito prolongada pode ocasionar desordens patológicas e
reclama, por vezes, tratamento simultâneo ou consecutivo, quer magnético, quer
médico, para restabelecer a saúde do organismo. Destruída a causa, resta
combater os efeitos. (Veja-se: O Livro
dos Médiuns, 2ª Parte, cap. XXIII – “Da obsessão”. – Revue Spirite,
fevereiro e março de 1864; abril de 1865: exemplos de curas de obsessões)[5]
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