Como intérpretes das
comunicações espíritas, o papel dos médiuns é extremamente importante e nunca
daríamos demasiada atenção ao estudo de todas as causas que os podem influenciar,
não apenas em seu próprio interesse, mas, também, no daqueles que, não sendo
médiuns, deles se servem como intermediários, a fim de poderem julgar o grau de
confiança que merecem as comunicações que recebem.
Já dissemos que todas as
pessoas, em maior ou menor grau, são médiuns. Entretanto, convencionou-se dar
esse nome àqueles cujas manifestações são patentes e, por assim dizer, facultativas.
Ora, entre estes últimos as aptidões são muito diversas: pode-se dizer que cada
um tem a sua especialidade. Num primeiro exame, duas categorias se desenham
muito nitidamente: os médiuns de efeitos
físicos e os médiuns de efeitos
intelectuais.
Os derradeiros apresentam
numerosas variedades, das quais as principais são: os escreventes ou psicógrafos,
os desenhistas, os falantes[2],
os audientes e os videntes. Os médiuns poetas, músicos e poliglotas
são variedades dos escreventes e falantes. Não voltaremos às definições que já
fornecemos sobre esses diversos gêneros; apenas queremos lembrar o conjunto, de
maneira sucinta, para maior clareza.
De todos os gêneros de médiuns o
mais comum é o psicógrafo[3]; é
a modalidade mais fácil de ser adquirida pelo exercício. Eis por que, e com
razão, para ela geralmente são dirigidos os desejos e os esforços dos
aspirantes. Apresenta duas variantes, igualmente encontradas em diversas
categorias: os escreventes mecânicos
e os escreventes intuitivos.
Nos primeiros o impulso da mão
independe da vontade: move-se por si mesma, sem que o médium tenha consciência
daquilo que escreve, podendo, inclusive, estar pensando em outra coisa.
No médium intuitivo o Espírito
age sobre o cérebro; seu pensamento, por assim dizer, atravessa o pensamento do
médium, sem que haja confusão. Conseguintemente, ele tem consciência do que
escreve, por vezes até mesmo uma consciência antecipada, por isso que a
intuição algumas vezes precede o movimento da mão; entretanto, o pensamento
expresso não é o do médium. Uma comparação muito simples far-nos-á compreender
esse fenômeno. Quando queremos falar com alguém cuja língua não sabemos,
servimo-nos de um intérprete; este tem consciência do pensamento dos
interlocutores; deve entendê-lo para o poder expressar e, no entanto, esse pensamento
não é dele. Pois bem! O papel do médium intuitivo é o de um intérprete entre
nós e o Espírito.
Ensinou-nos a experiência que os
médiuns mecânicos e os intuitivos são igualmente bons, igualmente aptos a
receber e a transmitir boas comunicações. Como meio de convicção, sem dúvida,
os primeiros valem mais; quando, porém, a convicção é adquirida não há preferência
útil. A atenção deve voltar-se inteiramente para a natureza das comunicações,
isto é, para a aptidão do médium em receber as comunicações dos Espíritos bons
e maus; sob esse aspecto, podemos dizer se ele é bem ou mal assistido. Toda a questão
se resume nisso, e essa questão é capital, porquanto somente ela pode
determinar o grau de confiança que ele merece; é o resultado de estudo e
observações, pelo que recomendamos nosso artigo anterior sobre os escolhos dos
médiuns[4].
Com o médium intuitivo a
dificuldade consiste em distinguir os pensamentos que lhe são próprios daqueles
que lhe são sugeridos. Essa dificuldade também existe para ele; o pensamento
sugerido parece-lhe tão natural que muitas vezes o toma como seu, duvidando de
sua faculdade. O meio de o convencer e de convencer os outros é exercitar essa
faculdade com frequência. Então, no número das evocações às quais prestará seu concurso,
inúmeras circunstâncias se apresentarão, uma porção de comunicações íntimas, de
particularidades das quais não poderia ter nenhum conhecimento prévio e que
demonstrarão, de maneira irrecusável, a completa independência do seu Espírito.
As diferentes variedades de
médiuns repousam sobre aptidões especiais, cujo princípio até agora não
conhecemos perfeitamente. À primeira vista e para as pessoas que não fizeram um
estudo sistematizado dessa ciência, parece não ser mais difícil a um médium
escrever versos do que escrever prosa; dir-se-á, sobretudo se for médium
mecânico, que tanto pode o Espírito fazê-lo escrever numa língua estranha
quanto desenhar ou ditar música. Entretanto, não é assim que acontece. Embora a
todo instante estejamos vendo desenhos, versos e músicas feitos por médiuns
que, em seu estado normal não são desenhistas, nem poetas, nem músicos, nem
todos são aptos à produção dessas coisas. Apesar de sua ignorância, possuem uma
faculdade intuitiva e uma flexibilidade que os transformam nos mais dóceis instrumentos.
Foi o que muito bem exprimiu Bernard Palissy quando lhe perguntaram por que
havia escolhido o Sr. Victorien Sardou, que não sabe desenhar, para fazer seus
admiráveis desenhos; é porque – respondeu ele – eu o acho mais flexível. O mesmo
acontece com outras aptidões e, coisa bizarra, vimos Espíritos que se recusavam
a ditar versos a médiuns que conheciam a poesia, ao passo que ditavam
encantadores poemas a outros que lhes desconheciam as regras. Isso vem provar
uma vez mais que os Espíritos têm livre-arbítrio e que é inútil tentar
submetê-los aos nossos caprichos.
Resulta das observações
precedentes que o médium deve seguir o impulso que lhe é dado, conforme sua
aptidão; que deve procurar aperfeiçoar essa aptidão pelo exercício, sabendo que
é inútil tentar adquirir a que lhe falta, por prejudicial à que possui.
De maneira alguma devemos forçar
nosso talento, pois nada faríamos com perfeição, disse La Fontaine; e podemos
acrescentar: nada faríamos de bom. Quando um médium possui uma faculdade preciosa
com a qual pode tornar-se verdadeiramente útil, que se contente com ela e não
procure uma vã satisfação ao amor-próprio numa variante que enfraqueceria a faculdade
primordial. Se esta deve ser transformada, o que muitas vezes acontece, ou se
deve adquirir uma nova, isso virá espontaneamente e não por efeito de sua
vontade.
A faculdade de produzir efeitos
físicos constitui uma categoria bem nítida que raramente se alia às
comunicações inteligentes, sobretudo àquelas de elevado alcance. Sabe-se que os
efeitos físicos são peculiares aos Espíritos de classe inferior, como entre nós
as demonstrações de força são características dos saltimbancos. Ora, os Espíritos batedores pertencem a essa
classe inferior; agem o mais das vezes por conta própria, para se divertirem ou
vexarem os outros, mas algumas vezes, também, por ordem dos Espíritos elevados,
que deles se servem, como nós dos trabalhadores braçais. Seria absurdo
acreditar que os Espíritos superiores viessem divertir-se em bater nas mesas ou
fazê-las girar.
Eles se servem desses meios,
dizemos nós, através de intermediários, seja para convencer-nos, seja para
comunicar-se conosco quando não dispomos de outros meios; mas os abandonam tão
logo possam agir de modo mais rápido, mais cômodo e mais direto, como nós
abandonamos o telégrafo aéreo desde que passamos a ter o telégrafo elétrico. De
modo algum os efeitos físicos devem ser desprezados, porque, para muitas
pessoas, são um meio de convicção; aliás, eles oferecem precioso material de estudo
sobre as forças ocultas; mas é notável que os Espíritos geralmente os recusam
aos que deles não necessitam ou, pelo menos, os aconselham a com eles não se
ocuparem de modo particular. Eis o que a propósito ditou o Espírito São Luís,
na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:
Zombaram das mesas girantes, mas não zombarão jamais da filosofia, da
sabedoria e da caridade que brilham nas comunicações sérias. Aquelas foram o
vestíbulo da ciência, onde, ao entrar, devemos deixar os preconceitos, assim
como se deixa a capa. Não vos poderei senão estimular a fazer de vossas
reuniões uma assembleia séria: que se façam demonstrações físicas, que se veja,
que se escute, mas que entre vós haja compreensão e amor. O que imaginais
parecer aos olhos dos Espíritos superiores quando fazeis girar uma mesa?
Ignorantes. O sábio gastará seu tempo em repisar o á-bê-cê da Ciência? Ao
contrário, em vos vendo rebuscar as comunicações inteligentes e instrutivas,
sereis considerados como homens sérios, em busca da verdade.
É impossível resumir de maneira
mais lógica e mais precisa o caráter dos dois gêneros de manifestações. Aquele
que recebe comunicações elevadas deve-as à assistência dos Espíritos bons: é
uma prova da simpatia destes por ele; renunciar a elas para procurar os efeitos
materiais é deixar uma sociedade de escol por outra mais ínfima. Querer aliar
as duas coisas é atrair todos os seres antipáticos e, nesse conflito, é
provável que os bons se vão e que os maus permaneçam. Longe de nós desprezar os
médiuns de efeitos físicos; eles têm sua razão de ser, seu objetivo
providencial; prestam incontestáveis serviços à ciência espírita; mas quando um
médium possui uma faculdade que o põe em contato com seres superiores, não
compreendemos que dela abdique, ou que deseje outras, a não ser por ignorância.
Muitas vezes a ambição de querer ser tudo faz com que se acabe não sendo nada.
[1] Revista Espírita – Março/1859 – Allan Kardec
[2] N. do T.: Médiuns psicofônicos.
[3] N. do T.: Hoje parece ser mais comum a mediunidade de
psicofonia.
[4] Revista Espírita – Fevereiro/1859 – Allan Kardec
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