terça-feira, 4 de abril de 2017

Estudo Sobre os Médiuns[1]

 

Como intérpretes das comunicações espíritas, o papel dos médiuns é extremamente importante e nunca daríamos demasiada atenção ao estudo de todas as causas que os podem influenciar, não apenas em seu próprio interesse, mas, também, no daqueles que, não sendo médiuns, deles se servem como intermediários, a fim de poderem julgar o grau de confiança que merecem as comunicações que recebem.
Já dissemos que todas as pessoas, em maior ou menor grau, são médiuns. Entretanto, convencionou-se dar esse nome àqueles cujas manifestações são patentes e, por assim dizer, facultativas. Ora, entre estes últimos as aptidões são muito diversas: pode-se dizer que cada um tem a sua especialidade. Num primeiro exame, duas categorias se desenham muito nitidamente: os médiuns de efeitos físicos e os médiuns de efeitos intelectuais.
Os derradeiros apresentam numerosas variedades, das quais as principais são: os escreventes ou psicógrafos, os desenhistas, os falantes[2], os audientes e os videntes. Os médiuns poetas, músicos e poliglotas são variedades dos escreventes e falantes. Não voltaremos às definições que já fornecemos sobre esses diversos gêneros; apenas queremos lembrar o conjunto, de maneira sucinta, para maior clareza.
De todos os gêneros de médiuns o mais comum é o psicógrafo[3]; é a modalidade mais fácil de ser adquirida pelo exercício. Eis por que, e com razão, para ela geralmente são dirigidos os desejos e os esforços dos aspirantes. Apresenta duas variantes, igualmente encontradas em diversas categorias: os escreventes mecânicos e os escreventes intuitivos.
Nos primeiros o impulso da mão independe da vontade: move-se por si mesma, sem que o médium tenha consciência daquilo que escreve, podendo, inclusive, estar pensando em outra coisa.
No médium intuitivo o Espírito age sobre o cérebro; seu pensamento, por assim dizer, atravessa o pensamento do médium, sem que haja confusão. Conseguintemente, ele tem consciência do que escreve, por vezes até mesmo uma consciência antecipada, por isso que a intuição algumas vezes precede o movimento da mão; entretanto, o pensamento expresso não é o do médium. Uma comparação muito simples far-nos-á compreender esse fenômeno. Quando queremos falar com alguém cuja língua não sabemos, servimo-nos de um intérprete; este tem consciência do pensamento dos interlocutores; deve entendê-lo para o poder expressar e, no entanto, esse pensamento não é dele. Pois bem! O papel do médium intuitivo é o de um intérprete entre nós e o Espírito.
Ensinou-nos a experiência que os médiuns mecânicos e os intuitivos são igualmente bons, igualmente aptos a receber e a transmitir boas comunicações. Como meio de convicção, sem dúvida, os primeiros valem mais; quando, porém, a convicção é adquirida não há preferência útil. A atenção deve voltar-se inteiramente para a natureza das comunicações, isto é, para a aptidão do médium em receber as comunicações dos Espíritos bons e maus; sob esse aspecto, podemos dizer se ele é bem ou mal assistido. Toda a questão se resume nisso, e essa questão é capital, porquanto somente ela pode determinar o grau de confiança que ele merece; é o resultado de estudo e observações, pelo que recomendamos nosso artigo anterior sobre os escolhos dos médiuns[4].
Com o médium intuitivo a dificuldade consiste em distinguir os pensamentos que lhe são próprios daqueles que lhe são sugeridos. Essa dificuldade também existe para ele; o pensamento sugerido parece-lhe tão natural que muitas vezes o toma como seu, duvidando de sua faculdade. O meio de o convencer e de convencer os outros é exercitar essa faculdade com frequência. Então, no número das evocações às quais prestará seu concurso, inúmeras circunstâncias se apresentarão, uma porção de comunicações íntimas, de particularidades das quais não poderia ter nenhum conhecimento prévio e que demonstrarão, de maneira irrecusável, a completa independência do seu Espírito.
As diferentes variedades de médiuns repousam sobre aptidões especiais, cujo princípio até agora não conhecemos perfeitamente. À primeira vista e para as pessoas que não fizeram um estudo sistematizado dessa ciência, parece não ser mais difícil a um médium escrever versos do que escrever prosa; dir-se-á, sobretudo se for médium mecânico, que tanto pode o Espírito fazê-lo escrever numa língua estranha quanto desenhar ou ditar música. Entretanto, não é assim que acontece. Embora a todo instante estejamos vendo desenhos, versos e músicas feitos por médiuns que, em seu estado normal não são desenhistas, nem poetas, nem músicos, nem todos são aptos à produção dessas coisas. Apesar de sua ignorância, possuem uma faculdade intuitiva e uma flexibilidade que os transformam nos mais dóceis instrumentos. Foi o que muito bem exprimiu Bernard Palissy quando lhe perguntaram por que havia escolhido o Sr. Victorien Sardou, que não sabe desenhar, para fazer seus admiráveis desenhos; é porque – respondeu ele – eu o acho mais flexível. O mesmo acontece com outras aptidões e, coisa bizarra, vimos Espíritos que se recusavam a ditar versos a médiuns que conheciam a poesia, ao passo que ditavam encantadores poemas a outros que lhes desconheciam as regras. Isso vem provar uma vez mais que os Espíritos têm livre-arbítrio e que é inútil tentar submetê-los aos nossos caprichos.
Resulta das observações precedentes que o médium deve seguir o impulso que lhe é dado, conforme sua aptidão; que deve procurar aperfeiçoar essa aptidão pelo exercício, sabendo que é inútil tentar adquirir a que lhe falta, por prejudicial à que possui.
De maneira alguma devemos forçar nosso talento, pois nada faríamos com perfeição, disse La Fontaine; e podemos acrescentar: nada faríamos de bom. Quando um médium possui uma faculdade preciosa com a qual pode tornar-se verdadeiramente útil, que se contente com ela e não procure uma vã satisfação ao amor-próprio numa variante que enfraqueceria a faculdade primordial. Se esta deve ser transformada, o que muitas vezes acontece, ou se deve adquirir uma nova, isso virá espontaneamente e não por efeito de sua vontade.
A faculdade de produzir efeitos físicos constitui uma categoria bem nítida que raramente se alia às comunicações inteligentes, sobretudo àquelas de elevado alcance. Sabe-se que os efeitos físicos são peculiares aos Espíritos de classe inferior, como entre nós as demonstrações de força são características dos saltimbancos. Ora, os Espíritos batedores pertencem a essa classe inferior; agem o mais das vezes por conta própria, para se divertirem ou vexarem os outros, mas algumas vezes, também, por ordem dos Espíritos elevados, que deles se servem, como nós dos trabalhadores braçais. Seria absurdo acreditar que os Espíritos superiores viessem divertir-se em bater nas mesas ou fazê-las girar.
Eles se servem desses meios, dizemos nós, através de intermediários, seja para convencer-nos, seja para comunicar-se conosco quando não dispomos de outros meios; mas os abandonam tão logo possam agir de modo mais rápido, mais cômodo e mais direto, como nós abandonamos o telégrafo aéreo desde que passamos a ter o telégrafo elétrico. De modo algum os efeitos físicos devem ser desprezados, porque, para muitas pessoas, são um meio de convicção; aliás, eles oferecem precioso material de estudo sobre as forças ocultas; mas é notável que os Espíritos geralmente os recusam aos que deles não necessitam ou, pelo menos, os aconselham a com eles não se ocuparem de modo particular. Eis o que a propósito ditou o Espírito São Luís, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:
Zombaram das mesas girantes, mas não zombarão jamais da filosofia, da sabedoria e da caridade que brilham nas comunicações sérias. Aquelas foram o vestíbulo da ciência, onde, ao entrar, devemos deixar os preconceitos, assim como se deixa a capa. Não vos poderei senão estimular a fazer de vossas reuniões uma assembleia séria: que se façam demonstrações físicas, que se veja, que se escute, mas que entre vós haja compreensão e amor. O que imaginais parecer aos olhos dos Espíritos superiores quando fazeis girar uma mesa? Ignorantes. O sábio gastará seu tempo em repisar o á-bê-cê da Ciência? Ao contrário, em vos vendo rebuscar as comunicações inteligentes e instrutivas, sereis considerados como homens sérios, em busca da verdade.
É impossível resumir de maneira mais lógica e mais precisa o caráter dos dois gêneros de manifestações. Aquele que recebe comunicações elevadas deve-as à assistência dos Espíritos bons: é uma prova da simpatia destes por ele; renunciar a elas para procurar os efeitos materiais é deixar uma sociedade de escol por outra mais ínfima. Querer aliar as duas coisas é atrair todos os seres antipáticos e, nesse conflito, é provável que os bons se vão e que os maus permaneçam. Longe de nós desprezar os médiuns de efeitos físicos; eles têm sua razão de ser, seu objetivo providencial; prestam incontestáveis serviços à ciência espírita; mas quando um médium possui uma faculdade que o põe em contato com seres superiores, não compreendemos que dela abdique, ou que deseje outras, a não ser por ignorância. Muitas vezes a ambição de querer ser tudo faz com que se acabe não sendo nada.




[1] Revista Espírita – Março/1859 – Allan Kardec
[2] N. do T.: Médiuns psicofônicos.
[3] N. do T.: Hoje parece ser mais comum a mediunidade de psicofonia.
[4] Revista Espírita – Fevereiro/1859 – Allan Kardec

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