quarta-feira, 5 de abril de 2017

Anomalias possíveis na psicologia de pacientes transplantados[1]

 


O magnetismo animal pode assim ser definido: ação recíproca de dois seres vivos por meio de um agente especial chamado fluido magnético.

A. Kardec, Instruções práticas sobre as manifestações espíritas.

Vocabulário Espírita. Magnetismo animal.

 Este texto complementa o artigo Mudança de personalidades em transplantados cardíacos que foi publicado no site "O Consolador". [ver neste blog, publicado em 29/03/2017]
Quase sempre as evidências para a natureza espiritual do ser humano são encontradas em fenômenos invulgares, onde menos se espera. Esse é o caso de reportes sobre mudanças inesperadas de gostos ou "traços" psicológicos em pessoas que receberam órgãos transplantados. Numa época em que se diz que tudo é "gerado pelo cérebro", no mínimo essa anomalia é bastante bizarra a ponto de atrair a rejeição feroz de céticos que dizem ser o fenômeno irreal.
O fenômeno é raro, mas nem por isso pouco notado. Além disso, é mais comum em pacientes que receberam transplantes de coração. Tornou-se famoso o caso de Claire Sylvia[2], [3].
No dia 29 de maio de 1988 uma mulher norte-americana chamada Claire Sylvia recebeu um coração transplantado no hospital de Yale, em Connecticut. A ela foi dito apenas que seu doador foi um homem de dezoito anos de idade, residente no Maine (nos Estados Unidos) e que morreu de um acidente de motocicleta. Logo após a operação, Sylvia declarou sentir como se tivesse bebido cerveja, algo que ela nunca teve atração. Mais tarde, passou por uma vontade incontrolável de comer nuggets de frango e uma tendência inesperada de visitar restaurantes da cadeia KFC. Também desenvolveu interesse por pimenta verde, o que, particularmente, ela nunca tinha gostado antes. Começou então a ter sonhos recorrentes, onde aparecia um nome, Tim L, que ela imaginou ser o dono do coração. Com base em uma pista que lhe foi concedida, buscou no obituário e jornais da região do Maine e pôde identificar o jovem cujo coração ela tinha recebido. Seu nome, de fato, era Tim. Depois de visitar a família de Tim, teve confirmado seu gosto por nuggets de frango, pimenta verde e cerveja. (Itálicos nossos).
Outros casos podem ser lidos em[4], registrando-se, inclusive, mudança de orientação sexual . No Brasil, uma novela foi feita explorando o fenômeno[5].  Obviamente existem muitas explicações céticas para ele[6]·, desde aquelas que desqualificam esses relatos (com o título odioso de "evidência anedótica"), que o tornam irrelevante pela sua raridade ou que explicam tudo por efeitos de medicação. Segundo essa proposta cética, ainda que existam tais relatos, eles são tão raros que são esperados estatisticamente e seriam frutos de impressões errôneas nos pacientes, ou seja, ocorreram mudanças de gostos etc., mas elas foram erroneamente atribuídas ao transplante4.
Do ponto de vista puramente materialista, a explicação de tais memórias anômalas é dependente da existência de "memórias celulares", o que é frequentemente adotado pelos que consideram esses relatos[7]·. Essencialmente: a informação sobre gostos, tendências etc. estaria registrada em algum mecanismo celular, dependente ou não da genética, e essa informação seria acessada pelo corpo do paciente transplantado gerando a mudança de comportamento. 
Influência magnética do órgão transplantado ?
Do ponto de vista espírita, não esperamos que tais ocorrências sejam comuns mesmo. Para existirem, provavelmente um conjunto mais extenso de condições deve prevalecer, e não somente um transplante.  Uma delas é uma sensibilidade do receptor ou indivíduo sobre o qual a influência se estabelece. Essa sensibilidade não está distribuída de maneira uniforme e frequente na população. 
Sabe-se que as fontes de influência sobre a personalidade de um Espírito (esteja ele encarnado ou não) são múltiplas e, envolvem, segundo o Espiritismo, um meio de transporte conhecido como fluido. Esse conceito não é o mesmo encontrado em física - o de uma substância sobre a qual não persistem forças de cisalhamento etc. - mas tem uma concepção integralmente nova.
Um fluido é uma substância de natureza "semi-material" que, tanto quanto nos é possível inferir pela literatura espírita, é produzida pelo perispírito (que não existe, alias, desacompanhado de seu espírito) em combinação com fluidos ambientes - ou todas as coisas com as quais o Espírito entra em contato. É através do perispírito que a mente sente o mundo a sua volta:
O perispírito é o órgão sensitivo do Espírito, por meio do qual este percebe coisas espirituais que escapam aos sentidos corpóreos. Pelos órgãos do corpo, a visão, a audição e as diversas sensações são localizadas e limitadas à percepção das coisas materiais; pelo sentido espiritual, ou psíquico, elas se generalizam: o Espírito vê, ouve e sente, por todo o seu ser, tudo o que se encontra na esfera de irradiação do seu fluido perispirítico. (A Gênese, Capítulo XIV. Os fluidos II. Parágrafo 22).
A ação dos fluidos é bastante discutida por Allan Kardec nas suas diversas obras e é um componente importante para a teoria espírita da mediunidade, em particular nas suas explicações para a mediunidade curadora. Não são incomuns, durante as incorporações, que médiuns descrevam sensações, impressões e até mesmo lembranças associadas à Entidade comunicante. Essa influenciação se dá por meio dos fluidos da Entidade que atuam sobre o perispírito do médium.
Entende-se assim um fluido espiritual como um elemento intermediário, capaz de transportar características que são tipicamente associadas ao Espírito (gostos, impressões e memórias), porém, por meio de algo que é localizado no espaço e no tempo e que pode ficar impregnado em coisas materiais, inclusive objetos. As sensações dilatadas do Espírito são assim explicadas de forma independente dos cinco sentidos ordinários, o que permite entender uma grande quantidade de fenômenos psíquicos.
Obsessão ?
 Ação fluídica desse tipo estabelece-se particularmente nas chamadas "obsessões":
Nos casos de obsessão grave, o obsidiado fica como que envolto e impregnado de um fluido pernicioso, que neutraliza a ação dos fluidos salutares e os repele. É daquele fluido que importa desembaraçá-lo. (A Gênese, Capítulo XIV. Os fluidos II. Parágrafo 45).
Porém, não há porque sustentar que, depois de um transplante, exista qualquer influência obsessiva do desencarnado doador com o transplantado. Certamente, tal possibilidade existe, mas seria sempre provocada por outros fatores, todos eles comumente associadas aos processos típicos de obsessão, jamais por causa do novo órgão. Se fosse obsessão, por que a mudança seria mais observada com o coração ? Não seria ela ligada a todos os órgãos?
A explicação que nos parece mais plausível para essas raras mudanças de personalidade com os transplantes estão fundamentadas na impregnação do tecido do órgão com o fluido do desencarnado, fluido esse que pode influenciar o perispírito do transplantado, fazendo surgir nele alguns traços associados à personalidade desencarnada. Não se trata, porém, de uma mudança integral de personalidade, o que exigiria um estado completamente passivo do transplantado. Se isso for possível, sua ocorrência seria bastante transitória e ainda mais rara.
Assim, tudo se passa como em um fenômeno de psicometria[8]·. Esse termo não pode ser encontrado na obra de A. Kardec, mas seu conceito é anterior a ele[9]·. Kardec chama de "dupla vista" uma grande variedade de fenômenos psíquicos dentre os quais se inclui a psicometria[10]·. Portanto, a raridade das ocorrências de alteração de personalidade em transplantados fica estabelecida sobre uma sensibilidade peculiar, que talvez não seja tão rara como no caso da psicometria clássica, mas que não deixa de se manifestar de forma continuada, por causa da influência do objeto imantado de fluido do desencarnado, em seu novo recipiente. Esse contato é de tal natureza (trata-se da conexão de um órgão vital) que a modificação se estabelece de maneira bastante perceptível pelo transplantado.
Não é difícil imaginar também, para que a intensidade do efeito seja maior, que deva existir uma afinidade entre o fluido impregnado no órgão e o do perispírito do paciente transplantado. Aqui apenas especulamos com base em um paralelo que podemos fazer entre esse fenômeno e o da própria mediunidade, que exige essa afinidade em outra ordem de fenomenologia.
E por que o coração?
É crença comum que o principal órgão responsável pela sensibilidade é o cérebro. Em consonância com a tese materialista, tudo é produto do cérebro e o coração é apenas uma bomba de sangue. Porém, mesmo numa descrição puramente material, neurônios (ou células nervosas) não existem exclusivamente no cérebro.
Recentemente descobriu-se que o coração é sede de aproximadamente 40 mil neurônios[11]·, o que foi chamado "pequeno cérebro do coração". Essa descoberta fez crescer a importância dos relatos de mudanças de personalidade em transplantados cardíacos[12], como a ref. 9 mostra, e relembra a explicação Aristotélica da sede das sensações[13]·.
 O cérebro provavelmente é a interface mais importante, do lado material, para o Espírito, que armazena muitos fluidos a se relacionar com o perispírito e facultar à mente suas sensações. Isso implica, do ponto de vista espírita, que tais fluidos espirituais, capazes de produzir modificações parciais ou completas na personalidade no Espírito sob sua influência, bem como em suas sensações, encontram-se disseminados por todo o corpo, provavelmente mais adensados no sistema nervoso central [14].
Não é verdade, porém que, com o transplante, as conexões neurais preexistentes sejam restabelecidas[15] . Isso não acontece, ou seja, os "neurônios cardíacos" do coração transplantado ficam sem função. Uma possível via de compreensão maior desse fenômeno é através de estruturas no corpo espiritual, conforme descritas por vários autores como André Luiz em "Evolução em dois mundos” [16]. Portanto, a mudança de personalidade e surgimento de novas sensações (que precisam ser melhor caracterizadas e descritas) abre espaço potencial para a validação da tese da existência de órgãos no perispírito.
 Outra conclusão é que, enquanto o sucesso físico do transplante de um órgão exige condições entre doador e recipiente, para que um "pedaço" ou "traço" da personalidade seja "transplantado", deve existir uma condição de sintonia entre fluidos, assim como algum grau de passividade no transplantado.




[2] Sylvia, Claire. A Change of heart: a memoir. New York; Warner Books, 1997. O que descrevemos aqui é um comentário algo hilário, mas que reflete a forma direta que americanos costumam fazer em textos populares.
[5] Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/De_Corpo_e_Alma (telenovela) (acesso janeiro de 2016).
[6] Em http://bigthink.com/neurobonkers/dont-be-taken-in-by-the-bad-science-of-cell-memory-theory (acesso em janeiro de 2016) encontramos um texto que se opõe (corretamente) às explicações do tipo "memória celular", mas que faz isso negando as evidências. Uma desqualificação mal feita pode ser constatada ao se ler isto: "Only 6% (three patients) felt their personality had changed due to their new heart — a finding that could clearly be due to either random chance, or the patients misattributing the real cause of any change in their personality. Both of the studies are approximately two decades old, if this is the best evidence for a claim that would have such profound implications for our understanding of the workings of the human body, then I think we can safely assume the theory is bunk." "Tradução: Apenas 6% (três pacientes) sentiram suas personalidades mudar com o novo coração - uma descoberta que pode claramente ser explicada por pura sorte ou pelo paciente atribuir erroneamente ao transplante a causa real da mudança. Ambos os estudos têm aproximadamente duas décadas de existência e, se essas são as melhores evidências para uma alegação que teria tamanha implicância no nosso conhecimento do funcionamento do corpo humano, acho que podemos seguramente refutar a teoria. 
[7] Pearsall, P., Schwartz, G. E., & Russek, L. G. (2000). Changes in heart transplant recipients that parallel the personalities of their donors. Journal of Near-Death Studies, 20(3), 191-206.  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10882878
[8] Dissemos "como em um" e não "exatamente como".  A mudança de gostos com o transplante parece ser algo novo que merece melhores estudos.
[9] Uma descrição recente de psicometria foi feita por Jader Sampaio em http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2013/01/o-que-e-psicometria.html
[10] A "Revue Spirite de janeiro de 1866 traz, por exemplo, a descrição de uma jovem cataléptica da Suábia, com manifestações típicas de psicometria.
[11] Armour, J. A. (2007). The little brain on the heart. Cleveland Clinic journal of medicine, 74, S48.
[12] Your Second Brain is in your Heart Neurons. Trust your Gut Feelings. Acesso em janeiro de 2016. http://hubpages.com/education/your-second-brain-is-in-your-heart
[13] Gross, C. G. (1995). Aristotle on the brain. The Neuroscientist, 1(4), 245-250.
[14] Não se poderia excluir também o fato de transplantes de coração serem bastante comuns (dai porque os relatos de alteração de personalidade são mais comuns com eles). Porém, mais comuns ainda são os de rins e fígado.
[15] De fato, em uma explicação para pré-transplantados, a referência da clínica Vanderbilt:
podemos ler : "The transplanted heart fills with blood and pumps as any other normal heart. However, the transplanted heart is "denervated." This means that the nerves from the central nervous system that supplied connections to your other heart do not supply connections to your transplanted heart. These nerves were divided upon removal of your own heart." Tradução: O coração transplantado se preenche de sangue que é bombeado como qualquer outro coração normal. Entretanto, o coração transplantado é "desenervado". Isso significa que os nervos do sistema nervoso central, que fornecem as conexões para o outro coração, não vão fazer o mesmo com o coração transplantado. Esses nervos foram rompidos com a remoção de seu coração original.
O esclarecimento prossegue informando que transplantados cardíacos não sofrem jamais de angina porque as conexões neurais foram, de fato, rompidas. Isso torna suspeitas as explicações de mudança de personalidade com base em "memórias celulares", e caracteriza o fenômeno como de uma natureza bastante diferente, que pensamos pode estar ligada à influência dos fluidos espirituais.
[16] C. Xavier e W. Vieira. Evolução em Dois Mundos. Uma versão em pdf pode ser encontrada em:

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