sábado, 25 de março de 2017

EDUCAÇÃO PARA O AUTOAMOR[1]


 

Ermance Dufaux

 
“O amor é de essência divina e todos vós, do primeiro ao último, tendes, no fundo do coração, a centelha do fogo sagrado”.

Fénelon. (Bordéus, 1861)

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – capítulo XI – item 9

 
O mais ingênuo ato de amor a si consiste na laboriosa tarefa de fazer brilhar a luz que há em nós. Permitir o fulgor da criatura cósmica que se encontra nos bastidores das máscaras e ilusões. Somente assim, escutando a voz de nosso guia interior, nos esquivaremos das falácias do ego que nos inclina para as atitudes insanas da arrogância.
Quando não nos amamos, queremos agradar mais aos outros que a nós, mendigamos o amor alheio, já que nos julgamos insuficientes ou incapazes de nos querer bem.
Neste momento de perspectivas alvissareiras com a chegada do século XXI, a esperança acena com horizontes iluminados para a caminhada de ascensão espiritual da humanidade. O resgate de si mesmo há de se tornar meta prioritária das sociedades sintonizadas com o progresso. O bem‐estar do homem, no seu mais amplo sentido, se tornará o centro das cogitações da ciência, da religião e de todas as organizações humanas.
Perante esse desafio social, sejamos honestos acerca do quanto ainda temos por laborar para erguer a comunidade espírita ao patamar de “escola capacitadora de virtudes” em favor das conquistas interiores.
Quantos se encontrem investidos da responsabilidade de dirigir e cooperar com os grupamentos do Espiritismo, priorize como compromisso essencial de suas vinhas o ato corajoso de trabalhar pela formação de ambientes educativos, motivadores da confiança espontânea e do comprometimento pelo coração.
Trabalhar pela felicidade do homem deve ser o objetivo maior das agremiações doutrinárias orientadas pela mensagem de amor do Evangelho. Os modelos e conceitos inspirados nos princípios espíritas que não se adequarem à condição de instrumentos facilitadores para a alegria e a liberdade haverão de ser repensados.
Não podemos ignorar fatores de ordem educacional e social que estimulam vivências íntimas da criatura em sua caminhada de aprendizado. As últimas duas gerações que sofreram de modo mais acentuado os processos históricos e coletivos da repressão atingem a meia idade na atualidade. Renasceram ao longo das décadas de cinquenta e sessenta e se encontram em plena fase de vida produtiva, sofridas pelas sequelas psicológicas marcantes de autodesamor.
Outro fator, mais grave ainda, são as crenças alicerçadas em sucessivas vidas reencarnatórias que constituem sólida argamassa psicológica e emocional, agindo e reagindo, continuamente, contra os anseios de crescimento íntimo. O complexo de inferioridade é a condição cármica criada pelo homem em seu próprio desfavor.
Nada, porém, é capaz de bloquear ou diminuir o fluxo de sentimentos naturais e divinos que emanam da alma como apelos de bondade, serenidade e elevação. Nem a formação educacional rígida ou os velhos condicionamentos são suficientes para tolher a escolha do homem por novos aprendizados. O self emite, incessantemente, energias sublimadas, a despeito dos fatores sociais e reencarnatórios que agrilhoam a mente aos cadinhos regenerativos do conflito e da dor.
Paulo, o apóstolo de Tarso, asseverou: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço”. (Romanos, 7:19).
Contra os objetivos da vida profunda, temos forças viva em nós mesmos como efeitos de nossos desatinos nas experiências pretéritas. Considerando essa manifestação celeste do “ser profundo”, compete‐nos talhar condições favoráveis para o aprendizado das mensagens da alma. Aprender a ouvir nossos sentimentos verdadeiros, os reclames do Espírito que somos nós mesmos.
A palavra educação vem do latim educare ou educere. Provérbio: e Verbo: ducare, ducere. Seu significado é trazer à luz uma ideia, levar para fora, fazer sair, extrair.
Essa a tarefa dos centros espíritas: oferecer condições para que o homem extraia de si mesmo seu valor divino na Obra da Criação.
Em nossos projetos de religiosidade no centro espírita, o autoamor deve constituir lição primordial. Espiritualidade significa grandeza de sentimentos para viver.
Essa é a visão do centro espírita em sintonia com a alma do Espiritismo, uma verdadeira noção de imortalidade sentida e aplicada.
O autoamor é um aprendizado de longa duração. Conectar seu conceito a fórmulas comportamentais para aquisição de felicidade instantânea é uma atitude própria de quantos se exasperam com a procura do imediatismo. Amar é uma lição para a eternidade.
Que habilidades emocionais temos que desenvolver para o autoamor? Que cuidados adotar para aprendermos uma relação de amorosidade conosco? Como alcançar a condição de núcleos avançados para desenvolvimento dos valores da alma?
Que iniciativas tomar para que as casas espíritas sejam redutos de aprimoramento de nossos sentimentos e escolas eficientes de criatividade para superação de nossas dores?
Que técnicas e métodos nos serão úteis para incentivar a alegria e a espontaneidade afetiva? Como implementar escolas do sentimento em nossos grupos doutrinários de estudo sistematizados? Que temas enfocar na melhor compreensão das manifestações profundas da alma?
Fala‐se, em nossos ambientes de educação espiritual, que não somos bons ouvintes. De fato, uma das habilidades que carecemos aperfeiçoar nas relações interpessoais é a arte de ouvir. Mas, da mesma forma que guardamos limitações para ouvir o outro, também não sabemos ouvir a nós mesmos. Que técnicas adotar para estimular nossa habilidade de ser um bom ouvinte?
Ouvir a alma é aprender a discernir entre sentimentos e o conjunto variado de manifestações íntimas do ser, sedimentadas na longa trajetória evolutiva, tais como instintos, tendências, hábitos, complexos, traumas, crenças, desejos, interesses e emoções. Escutar a alma é aprender a discernir o que queremos da vida, nossa intenção básica.
A intenção do Espírito é a força que impulsiona o progresso através do leque dos sentimentos. A intenção genuína da alma reflete na experiência da afetividade humana, construindo a vastidão das vivências do coração — a metamorfose da sensibilidade. A conquista de si mesmo consiste em saber interpretar com fidelidade o que buscamos no ato de existir, a intenção magnânima que brota das profundezas da alma em profusão de sentimentos.
Os discípulos sinceros do Espiritismo reflitam na importância do autoamor como condição indispensável ao bom aproveitamento da reencarnação. Estar em paz consigo é recurso elementar na boa aplicação dos Talentos Divinos a nós confiados.
Amar‐se não significa laborar por privilégios e vantagens pessoais, mas o modo como convivemos conosco. Resume‐se, basicamente, como tratamos a nós próprios. A relação que estabelecemos como nosso mundo íntimo. Sobretudo, o respeito que exercemos àquilo que sentimos. A autoestima surge quando temos atitude cristã com nossos sentimentos. O amor a si não se confunde com o egoísmo, porque quem tem atitude amorosa consigo está centrado no self. Deslocou o foco de seus sentimentos para a fonte de sabedoria e elevação, criando ressonância com o ritmo de Deus. Amar‐se é ir ao encontro do Si Mesmo como denominava Jung.
Alinhavemos alguns tópicos sugestivos que poderão constar no programa de debates para reeducação da vida emocional e psicológica à luz dos fundamentos do Espiritismo. Tomemos por base a análise educacional de Allan Kardec que diz na questão número 917 de O Livro dos Espíritos: “A educação convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir‐se‐á corrigi‐los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação. É grave erro pensar‐se que, para exercê‐la com proveito, baste o conhecimento da Ciência”.
a    Responsabilidade — Somos os únicos responsáveis pelos nossos sentimentos.
a    Consciência — O sentimento é o espelho da vida profunda do ser e expressa os recados da consciência. Nossos sentimentos são a porta que se abre para esse mundo glorioso que se encontra “oculto”, desconhecido.
a    Ética para conosco — Somos tratados como nos tratamos. Como sermos merecedores de amor do outro, se não recebemos nem o nosso próprio?
a    Juízo de valor — Não existem sentimentos certos ou errados.
a    Automatismos e complexos — O sentimento pode ser sustentado por mecanismos alheios à vontade e à intenção.
a    Autoamor é um aprendizado — Construir um novo olhar sobre si, desenvolver sentimentos elevados em relação a nós, constitui um longo caminho de experiências nas fieiras da educação.
a    Domínio de si — Educar sentimentos é tomar posse de nós próprios.
a    Aceitação — Só existe amor a si através de uma relação pacífica com a sombra.
a    Renovação do sistema de crenças — Superar os preconceitos. Julgamentos formulados a partir do sistema de crenças desenvolvidas com base na opinião alheia desde a infância.
a    Ação no bem — Integração em projetos solidários. A aquisição de valor pessoal e convivência com a dor alheia trazem gratidão, estima pelas vivências pessoais. Cuidando bem de nós próprios, somos, simultaneamente, levados a estender ao próximo o tratamento que aplicamos a nós, independente de sermos amados, passamos a experimentar mais alegria em amar. A ética de amor a si deve estar afinada com o amor ao próximo.
a    Assertividade — Diálogo interno. Uma negociação íntima para zelar pelos limites do interesse pessoal.
a    Florescer a singularidade — O maior sinal de maturidade. Estamos muito afastados do que verdadeiramente somos.
a    Ter as rédeas de si mesmo — Para muitos o personalismo surge nesse ato de gerir a vida pessoal com independência. Pelo simples fato de não saberem como manifestar seus desejos e suas intenções, abdicam do controle íntimo e submetem‐se ao controle externo de pessoas e normas.
a    Construção da autonomia — Autonomia é capacidade de sustentar sentimentos nobres acerca de nós próprios.
a    Identificação das intenções — aprender a reconhecer o que queremos, qual nossa busca na vida. Quase sempre somos treinados a saber o que não queremos.
Sentir‐se bem consigo é sinônimo de felicidade, acesso à liberdade. É permitir que a centelha sagrada de Deus se acenda em nós. Conhecer a arte de manejar caracteres. Portanto, a feliz colocação de Fénelon merece a nossa mais ardorosa atenção: O amor é essência divina e todos vós, do primeiro ao último, tendes, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado.
Não esqueçamos a recomendação de Lázaro: “O Espírito precisa ser cultivado, como um campo. Toda a riqueza futura depende do labor atual, que vos granjeará muito mais do que bens terrenos: a elevação gloriosa”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo – capítulo XI – item 8).
 


[1] Escutando Sentimentos – psicografado por Wanderley S. de Oliveira

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