Ermance Dufaux
“O amor é de essência divina e todos vós, do primeiro ao último,
tendes, no fundo do coração, a centelha do fogo sagrado”.
Fénelon. (Bordéus, 1861)
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – capítulo XI – item
9
O mais ingênuo ato de amor a si
consiste na laboriosa tarefa de fazer brilhar a luz que há em nós. Permitir o
fulgor da criatura cósmica que se encontra nos bastidores das máscaras e
ilusões. Somente assim, escutando a voz de nosso guia interior, nos esquivaremos
das falácias do ego que nos inclina para as atitudes insanas da arrogância.
Quando não nos amamos, queremos
agradar mais aos outros que a nós, mendigamos o amor alheio, já que nos
julgamos insuficientes ou incapazes de nos querer bem.
Neste momento de perspectivas
alvissareiras com a chegada do século XXI, a esperança acena com horizontes
iluminados para a caminhada de ascensão espiritual da humanidade. O resgate de
si mesmo há de se tornar meta prioritária das sociedades sintonizadas com o
progresso. O bem‐estar do homem, no seu mais amplo sentido, se tornará o centro
das cogitações da ciência, da religião e de todas as organizações humanas.
Perante esse desafio social,
sejamos honestos acerca do quanto ainda temos por laborar para erguer a
comunidade espírita ao patamar de “escola
capacitadora de virtudes” em favor das conquistas interiores.
Quantos se encontrem investidos
da responsabilidade de dirigir e cooperar com os grupamentos do Espiritismo,
priorize como compromisso essencial de suas vinhas o ato corajoso de trabalhar
pela formação de ambientes educativos, motivadores da confiança espontânea e do
comprometimento pelo coração.
Trabalhar pela felicidade do
homem deve ser o objetivo maior das agremiações doutrinárias orientadas pela
mensagem de amor do Evangelho. Os modelos e conceitos inspirados nos princípios
espíritas que não se adequarem à condição de instrumentos facilitadores para a
alegria e a liberdade haverão de ser repensados.
Não podemos ignorar fatores de
ordem educacional e social que estimulam vivências íntimas da criatura em sua
caminhada de aprendizado. As últimas duas gerações que sofreram de modo mais
acentuado os processos históricos e coletivos da repressão atingem a meia idade
na atualidade. Renasceram ao longo das décadas de cinquenta e sessenta e se
encontram em plena fase de vida produtiva, sofridas pelas sequelas psicológicas
marcantes de autodesamor.
Outro fator, mais grave ainda,
são as crenças alicerçadas em sucessivas vidas reencarnatórias que constituem
sólida argamassa psicológica e emocional, agindo e reagindo, continuamente,
contra os anseios de crescimento íntimo. O complexo de inferioridade é a
condição cármica criada pelo homem em seu próprio desfavor.
Nada, porém, é capaz de bloquear
ou diminuir o fluxo de sentimentos naturais e divinos que emanam da alma como
apelos de bondade, serenidade e elevação. Nem a formação educacional rígida ou
os velhos condicionamentos são suficientes para tolher a escolha do homem por
novos aprendizados. O self emite, incessantemente, energias sublimadas, a
despeito dos fatores sociais e reencarnatórios que agrilhoam a mente aos
cadinhos regenerativos do conflito e da dor.
Paulo, o apóstolo de Tarso,
asseverou: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse
faço”. (Romanos, 7:19).
Contra os objetivos da vida
profunda, temos forças viva em nós mesmos como efeitos de nossos desatinos nas
experiências pretéritas. Considerando essa manifestação celeste do “ser
profundo”, compete‐nos talhar condições favoráveis para o aprendizado das
mensagens da alma. Aprender a ouvir nossos sentimentos verdadeiros, os reclames
do Espírito que somos nós mesmos.
A palavra educação vem do latim educare ou educere. Provérbio: e Verbo: ducare,
ducere. Seu significado é trazer à
luz uma ideia, levar para fora, fazer sair, extrair.
Essa a tarefa dos centros
espíritas: oferecer condições para que o
homem extraia de si mesmo seu valor divino na Obra da Criação.
Em nossos projetos de
religiosidade no centro espírita, o autoamor deve constituir lição primordial.
Espiritualidade significa grandeza de sentimentos para viver.
Essa é a visão do centro
espírita em sintonia com a alma do Espiritismo, uma verdadeira noção de
imortalidade sentida e aplicada.
O autoamor é um aprendizado de
longa duração. Conectar seu conceito a fórmulas comportamentais para aquisição
de felicidade instantânea é uma atitude própria de quantos se exasperam com a
procura do imediatismo. Amar é uma lição para a eternidade.
Que habilidades emocionais temos
que desenvolver para o autoamor? Que cuidados adotar para aprendermos uma
relação de amorosidade conosco? Como alcançar a condição de núcleos avançados
para desenvolvimento dos valores da alma?
Que iniciativas tomar para que
as casas espíritas sejam redutos de aprimoramento de nossos sentimentos e
escolas eficientes de criatividade para superação de nossas dores?
Que técnicas e métodos nos serão
úteis para incentivar a alegria e a espontaneidade afetiva? Como implementar
escolas do sentimento em nossos grupos doutrinários de estudo sistematizados?
Que temas enfocar na melhor compreensão das manifestações profundas da alma?
Fala‐se, em nossos ambientes de
educação espiritual, que não somos bons ouvintes. De fato, uma das habilidades
que carecemos aperfeiçoar nas relações interpessoais é a arte de ouvir. Mas, da
mesma forma que guardamos limitações para ouvir o outro, também não sabemos
ouvir a nós mesmos. Que técnicas adotar para estimular nossa habilidade de ser
um bom ouvinte?
Ouvir a alma é aprender a
discernir entre sentimentos e o conjunto variado de manifestações íntimas do
ser, sedimentadas na longa trajetória evolutiva, tais como instintos,
tendências, hábitos, complexos, traumas, crenças, desejos, interesses e
emoções. Escutar a alma é aprender a discernir o que queremos da vida, nossa intenção
básica.
A intenção do Espírito é a força
que impulsiona o progresso através do leque dos sentimentos. A intenção genuína
da alma reflete na experiência da afetividade humana, construindo a vastidão
das vivências do coração — a metamorfose da sensibilidade. A conquista de si
mesmo consiste em saber interpretar com fidelidade o que buscamos no ato de
existir, a intenção magnânima que brota das profundezas da alma em profusão de
sentimentos.
Os discípulos sinceros do
Espiritismo reflitam na importância do autoamor como condição indispensável ao
bom aproveitamento da reencarnação. Estar em paz consigo é recurso elementar na
boa aplicação dos Talentos Divinos a nós confiados.
Amar‐se não significa laborar
por privilégios e vantagens pessoais, mas o modo como convivemos conosco.
Resume‐se, basicamente, como tratamos a nós próprios. A relação que
estabelecemos como nosso mundo íntimo. Sobretudo, o respeito que exercemos
àquilo que sentimos. A autoestima surge quando temos atitude cristã com nossos
sentimentos. O amor a si não se confunde com o egoísmo, porque quem tem atitude
amorosa consigo está centrado no self. Deslocou o foco de seus sentimentos para
a fonte de sabedoria e elevação, criando ressonância com o ritmo de Deus.
Amar‐se é ir ao encontro do Si Mesmo como denominava Jung.
Alinhavemos alguns tópicos
sugestivos que poderão constar no programa de debates para reeducação da vida
emocional e psicológica à luz dos fundamentos do Espiritismo. Tomemos por base
a análise educacional de Allan Kardec que diz na questão número 917 de O Livro dos Espíritos: “A educação convenientemente entendida,
constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os
caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir‐se‐á
corrigi‐los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém,
exige muito tato, muita experiência e profunda observação. É grave erro
pensar‐se que, para exercê‐la com proveito, baste o conhecimento da Ciência”.
a
Responsabilidade
— Somos os únicos responsáveis pelos nossos sentimentos.
a
Consciência
— O sentimento é o espelho da vida profunda do ser e expressa os recados da
consciência. Nossos sentimentos são a porta que se abre para esse mundo
glorioso que se encontra “oculto”, desconhecido.
a
Ética
para conosco — Somos tratados como nos tratamos. Como sermos merecedores de
amor do outro, se não recebemos nem o nosso próprio?
a
Juízo de
valor — Não existem sentimentos certos ou errados.
a
Automatismos
e complexos — O sentimento pode ser sustentado por mecanismos alheios à
vontade e à intenção.
a
Autoamor
é um aprendizado — Construir um novo olhar sobre si, desenvolver
sentimentos elevados em relação a nós, constitui um longo caminho de
experiências nas fieiras da educação.
a
Domínio
de si — Educar sentimentos é tomar posse de nós próprios.
a
Aceitação
— Só existe amor a si através de uma relação pacífica com a sombra.
a
Renovação
do sistema de crenças — Superar os preconceitos. Julgamentos formulados a
partir do sistema de crenças desenvolvidas com base na opinião alheia desde a
infância.
a
Ação no
bem — Integração em projetos solidários. A aquisição de valor pessoal e
convivência com a dor alheia trazem gratidão, estima pelas vivências pessoais.
Cuidando bem de nós próprios, somos, simultaneamente, levados a estender ao
próximo o tratamento que aplicamos a nós, independente de sermos amados,
passamos a experimentar mais alegria em amar. A ética de amor a si deve estar
afinada com o amor ao próximo.
a
Assertividade
— Diálogo interno. Uma negociação íntima para zelar pelos limites do interesse
pessoal.
a
Florescer
a singularidade — O maior sinal de maturidade. Estamos muito afastados do
que verdadeiramente somos.
a
Ter as
rédeas de si mesmo — Para muitos o personalismo surge nesse ato de gerir a
vida pessoal com independência. Pelo simples fato de não saberem como
manifestar seus desejos e suas intenções, abdicam do controle íntimo e
submetem‐se ao controle externo de pessoas e normas.
a
Construção
da autonomia — Autonomia é capacidade de sustentar sentimentos nobres
acerca de nós próprios.
a
Identificação
das intenções — aprender a reconhecer o que queremos, qual nossa busca na
vida. Quase sempre somos treinados a saber o que não queremos.
Sentir‐se bem consigo é sinônimo
de felicidade, acesso à liberdade. É permitir que a centelha sagrada de Deus se
acenda em nós. Conhecer a arte de manejar caracteres. Portanto, a feliz
colocação de Fénelon merece a nossa mais ardorosa atenção: O amor é essência divina e todos vós, do primeiro ao último, tendes, no
fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado.
Não esqueçamos a recomendação de
Lázaro: “O Espírito precisa ser
cultivado, como um campo. Toda a riqueza futura depende do labor atual, que vos
granjeará muito mais do que bens terrenos: a elevação gloriosa”. (O Evangelho Segundo o Espiritismo –
capítulo XI – item 8).
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